No passado dia 22 de outubro, os fascistas chegaram ao poder em Itália. Pela mão de Giorgia Meloni, quase um século depois de Benito Mussolini, é a extrema-direita que governa um dos países fundadores da unidade europeia (na sua versão CEE), em documento assinado, precisamente, em Roma, corria o ano de 1957. E, para que não haja dúvidas sobre a natureza político-ideológica do seu partido, o facho permanece como o símbolo dos Irmãos de Itália, recordando orgulhosamente a herança do Il Duce. Esta tendência extremista marcou, na Europa, a viragem do século, na forma de coligações governamentais: logo em 2000 com Jörg Haider na Áustria, em 2010 com Geert Wilders nos Países Baixos, em 2013 e 2017 com o Partido do Progresso na Noruega, em 2018-19 com Matteo Salvini enquanto vice-primeiro-ministro de Itália, para além de resultados eleitorais espetaculares na Dinamarca, na Finlândia, na Suécia e em França (com os Democratas Suecos e a União Nacional de Marine Le Pen como os segundos maiores partidos dos respetivos países). O Vox espanhol e o Chega português, na qualidade de terceiros maiores partidos nos parlamentos espanhol e português, bem como a consolidação parlamentar dos neonazis da Alternativa para a Alemanha, compõem este ramalhete sinistro. Para não falar dos regimes iliberais – designação tão dúbia quanto a sua democracia – na Polónia de Mateusz Morawiecki e na Hungria de Viktor Orbán.
As estratégias de isolamento (o proclamado “cordão sanitário”) destas forças políticas esbarram com a realidade de uma globalização desregulada, de uma desigualdade social descontrolada, de um desprezo intolerável – e intolerante – em relação a crescentes camadas da população e de uma desvalorização sobranceira dos problemas existentes por parte das “elites do poder”. Sobrevém o racismo, a xenofobia, a homofobia, a autarcia nacionalista, a intolerância e o fanatismo religioso. E como justamente sublinha Mafalda Anjos, diretora da Visão, numa situação de grave crise económica como aquela que a Europa está a atravessar, “a tendência é para os eleitores descontentes irem buscar respostas alternativas quando «os do costume» não oferecem soluções. […] Mais do que combater os movimentos políticos, é preciso combater as suas causas. Caso contrário, tentar detê-los é como tentar parar o vento com as mãos.” (Visão, 22/9/2022).
Há um aforismo que diz que “os inimigos dos meus inimigos, meus amigos são”. Nesta dialética schmittiana dos amigos/inimigos, encontra-se, em boa parte, a razão para o sucesso fulgurante da extrema-direita europeia. Claro que esta gente não quer o bem comum, nem pugna pela justiça social. Claro que esta gente quer restringir ou, mesmo, eliminar, os direitos e liberdades fundamentais, e regressar a uma “Idade de Ouro” do ordenamento autoritário do “respeitinho é muito bonito”, da castração mental, dos temas tabu, da sacralização dos poderes instituídos (civis e religiosos), das proibições, da repressão. Como se explica, então, tamanha adesão a semelhantes forças políticas? Precisamente pela sua oposição aos poderes fácticos das democracias que, seguindo a cartilha neoliberal, desregularam a vida social, subjugando tudo e todos aos interesses da especulação financeira, e lançaram na miséria e no desespero largas camadas da população. É contra esta “elite do poder” que se insurgem aqueles que, mais por ressentimento do que por convicção, apoiam os partidos extremistas. Mas a alternativa que estes partidos apresentam não passa de uma gigantesca falácia e, por isso, são sumamente demagógicos e oportunistas ao cavalgar todas as frustrações e instrumentalizar todas as raivas, escamoteando as suas verdadeiras origens e intenções. Tratam-se, afinal, de meros concorrentes dos atuais detentores do poder e dos mecanismos de exploração capitalista, à espera da sua vez para dominarem, com brutalidade acrescida, o sistema que agora fingem criticar.
“Sou Giorgia, sou mulher, sou mãe, sou italiana, sou cristã”, constitui uma espécie de mantra ideológico da nova primeira-ministra italiana. Mas é muito mais do que isso. Num discurso pronunciado em junho, numa iniciativa do Vox, foi taxativa: “Não há meio-termo possível. Hoje, a esquerda secular e o Islão radical ameaçam as nossas raízes. Ou é sim, ou não. Sim à família natural, não aos lóbis LGBT. Sim à universalidade da cruz, não à violência islâmica. Sim a fronteiras seguras, não à imigração em massa” (Visão, 22/9/2022). “Deus, Pátria e Família” era o lema de Mussolini, agora recuperado por Meloni (e que os portugueses tão bem conhecem da ditadura salazarista). “Meto-vos medo?” perguntou Meloni num comício durante a campanha eleitoral. Fica-nos, à laia de resposta, a sábia advertência do escritor e filósofo italiano Umberto Eco: “É sempre melhor que quem nos incute medo tenha mais medo do que nós”.
Há, sobretudo, algo de muito errado quando a esquerda não consegue capitalizar este descontentamento.
Hugo Fernandez