Quando se fala da igualdade de oportunidades, há dois aspetos essenciais a ter em consideração: a igualdade de acesso, isto é, a possibilidade de (a habilitação necessária para o efeito e a não discriminação de ingresso), e a igualdade de pontos de partida, isto é, condições para (os requisitos económicos, sociais e culturais necessários para aceder às oportunidades). De igual forma, há uma precisão fundamental a fazer quando aduzimos aos conceitos de igualdade e equidade. A ideia de igualdade baseia-se no princípio da universalidade, ou seja, no preceito de que todos devem ser tratados da mesma maneira e ter os mesmos direitos e deveres. A ideia de equidade, por sua vez, reconhece as diferenças existentes entre os indivíduos e tenta minorar os seus impactos para que a justiça social possa beneficiar todos.
Vem este introito a propósito da entrevista que o Ministro das Finanças, Fernando Medina, deu ao Público no passado dia 25 de julho. Questionado sobre os protestos dos professores a propósito da reposição do tempo de serviço congelado durante o consulado de José Sócrates pela inefável Ministra da Educação, Maria da Lurdes Rodrigues (e que, a bem-dizer, continuou até hoje através do expediente manhoso das quotas nos escalões intermédios da carreira), o governante respondeu: “a questão da educação nunca pode ser dissociada do que é a necessidade de sermos justos e equitativos para toda a sociedade portuguesa. Todos nós, na sociedade portuguesa, fomos muito atingidos durante os anos da troika. Os funcionários públicos tiveram as carreiras todas congeladas, ninguém progrediu nada, incluindo, obviamente, os professores […] Agora colocar-se em cima da mesa que nós o que temos de fazer é repor o país como se a troika não tivesse existido. Se se fizesse a uma profissão, concordaria que não se fizesse a outras? Não, nós temos de tratar todos de forma absolutamente equitativa.”
Para além da grosseira imprecisão temporal (deliberada? – é que isto foi sempre da responsabilidade do PS), este discurso confunde conceitos e, claramente, falha o alvo. Porque, das duas uma: ou Medina queria dizer que todos os funcionários públicos devem ser tratados de igual forma e não considera que haja especificidades de determinadas carreiras na função pública – como é o caso da docência – ou aos professores não se reconhece sequer a dignidade e relevância suficientes para usufruírem de políticas equitativas que corrijam assimetrias e injustiças que se foram acumulando ao longo dos anos. Em qualquer dos casos, teima-se em menosprezar, uma vez mais, uma função essencial para qualquer sociedade digna desse nome. Nem sequer, a este propósito, se pode invocar a chamada “tragédia dos comuns” (de commons, termo inglês que designa um bem partilhado pela comunidade), designação popularizada pelo ecologista Garrett Hardin num artigo publicado em 1968 na revista Science, que descreve uma circunstância em que indivíduos ou grupos que agem racionalmente em defesa dos seus interesses acabam por conduzir a uma situação em que, paradoxalmente, todos perdem. É que se há profissões cujo desempenho resulta em benefício de toda a sociedade é na área da educação, da saúde ou da justiça (incluindo a segurança). A valorização dos seus profissionais e a melhoria das suas condições de trabalho não deve ser vista como a satisfação de meros interesses corporativos, mas como um desiderato essencial ao bem-estar coletivo. Assim sendo, todos ganham.
Aquilo que parece uma evidência, não o é. Foi preciso o insuspeito Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa, chamar a atenção para o óbvio, ao não promulgar o diploma sobre a progressão na carreira dos professores e enviar ao Governo um parecer onde constam estas afirmações de lapidar clareza: “não há, nem pode haver comparação entre o estatuto dos professores, tal como o dos profissionais de saúde, e o de outras carreiras mesmo especiais. Governar é escolher prioridades. E saúde e educação são e deveriam ser prioridades se quisermos ir muito mais longe como sociedade desenvolvida e justa.”, acrescentando, “Todos sabem que os professores, tal como os profissionais de saúde, têm e merecem ter uma importância essencial na nossa sociedade e em todas as sociedades que apostam na educação, no conhecimento, no futuro.”
Toda a ação do Governo é em sentido contrário. A desqualificação docente e a degradação do ensino correspondem àquilo que Paulo Guinote designa por “modelo de Educação low-cost”. Dois exemplos recentes bastam para o comprovar. Um projeto de decreto-lei volta a baixar de 120 para 90 ECTS (Sistema Europeu de Transferência e Acumulação de Créditos) as habilitações necessárias para a docência, ainda que, para já, só nos casos de contratação direta pelas escolas. Como comenta Santana Castilho, “Em vez de aumentar os incentivos para fazer retornar à docência milhares de professores que a abandonaram, apesar de terem habilitação profissional completa, o Governo escolheu a via mais fácil: desqualificou a profissão, reduzindo os requisitos.” (Público, 19/7/23). Da mesma forma, o Plano de Recuperação das Aprendizagens, que visou colmatar as dificuldades do ensino derivadas da pandemia do Covid-19, vai ser prolongado por mais um ano, mas sem o crédito horário e os recursos humanos que lhe estavam adstritos. Institui-se definitivamente o princípio delirante de ter de “fazer omeletes sem ovos”. Talvez isso explique porque, nos últimos 15 anos, tenha havido uma quebra de 70% nos cursos de formação de professores; nestas circunstâncias, quem ainda quer ser professor?
As noções de igualdade e equidade têm uma importância fundamental; mas não por equivalência ou oposição. Como nos explica o sociólogo francês Michel Wieviorka, “O debate que opõe igualdade e equidade é mal formulado quando coloca as duas noções num mesmo plano e nos impõe que escolhamos entre uma e outra como entre dois valores da mesma ordem. Pelo contrário, se se entender que a igualdade constitui um fim, um horizonte, e a equidade um meio, torna-se possível e desejável associá-los num mesmo movimento.” (Michel Wieviorka, A diferença, Fenda, Lisboa, 2002, pp. 114-115). Mas não me parece que Medina ou Costa estejam minimamente preocupados com a igualdade e a equidade, apesar do emblema socialista que ostentam na lapela.
Hugo Fernandez