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albardeiro

Albardas e Alforges... nunca vi nada assim! Minto... já vi!

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Albardas e Alforges... nunca vi nada assim! Minto... já vi!

A LISTA

albardeiro, 03.06.25

Numa verdadeira sanha inquisitorial, a administração do protofascista Donald Trump elaborou uma lista detalhada de palavras ou conceitos proibidos. Se a simples ideia de um index ideológico já é inaceitável, o seu conteúdo mostra até que ponto o obscurantismo, a ignorância e a prepotência podem ir. Denunciada, nos inícios de março, pelo The New York Times, que cita memorandos e orientações governamentais, a lista inclui cerca de 200 termos e conceitos cuja proibição destila todo o tipo de preconceitos: desde os sexistas, misóginos e homofóbicos como mulher, designado como homem/mulher à nascença, género, biologicamente feminino ou masculino, pessoa que amamenta, fêmea, prostituta, feminismo, LGBTQ+, homossexuais, pessoas grávidas, transexual, transgénero, orientação sexual, VIH, doenças sexualmente transmissíveis e sexo (curiosamente, termos como homem, macho ou masculinidade não fazem parte da lista); passando pela discriminação social, étnica ou etária, como identidade, discriminação, diversidade, inclusão, exclusão, discurso de ódio, imigrantes, injustiça, minorias, vítima, idosos, saúde mental, trauma, igualdade, apropriação cultural, multicultural/multiculturalismo, sub-representado, viés, barreira, incapacidade, ativismo e racismo/antirracismo; até realidades consideradas antiamericanas e subversivas como crise climática e poluição; passando por completo absurdos como a expressão socioeconómico.

São dezenas de palavras censuradas pelo mais puro arbítrio e estupidez humana, como é o caso da mudança da designação geográfica, mundialmente consagrada, “Golfo do México”, para “Golfo da América”, ou da inacreditável ordem de remoção da referência ao bombardeiro norte-americano Enola Gay (será devido à palavra gay?!), responsável pelo lançamento da bomba atómica sobre Hiroxima no final da 2ª Guerra Mundial, pelo sempre solícito – e imbecil – Secretário da Defesa, Pete Hegseth. São sobretudo marcas indeléveis da discricionariedade de um poder que se pretende absoluto. O alvo são quaisquer iniciativas promotoras da liberdade de expressão, dos direitos de cidadania, da diversidade, equidade e inclusão sociais (precisamente as componentes essenciais da democracia). O efeito desta deriva tresloucada não se traduz apenas na remoção destes termos e expressões dos sites e documentos oficiais. Tem efeitos diretos nas orientações educativas e currículos escolares, na retirada de subvenções e anulação de contratos, no encerramento de agências governamentais, na taxação abusiva dos fundos patrimoniais do mecenato ou nos cortes de financiamento à investigação científica e às universidades, conjunto de imposições com consequências que são ainda difíceis de prever.

Não é por acaso que, logo em 2021, num discurso na Conferência Nacional Conservadora em Orlando, na Flórida, o atual vice-presidente James David Vance afirmou que “As universidades são o inimigo”, explicando que “Se qualquer um de nós quiser fazer as coisas que queremos fazer pelo nosso país e pelas pessoas que vivem nele, temos de honesta e agressivamente atacar as universidades neste país” (Público, 6/4/2025). Em março, a administração Trump cancelou 400 milhões de dólares em verbas federais à Universidade de Colúmbia, pondo sob tutela governamental o seu Departamento de Estudos do Médio Oriente, Ásia do Sul e África. Os projetos mais afetados situam-se, porém, na investigação biomédica, nas áreas do cancro infantil, esclerose múltipla, doenças de Parkinson e Alzheimer. Em abril, foi a vez da Universidade de Harvard ver congelados 2,2 mil milhões de dólares como retaliação pela sua recusa em aceitar uma supervisão externa dos conteúdos lecionados, da contratação de docentes e dos processos de recrutamento de estudantes estrangeiros, por parte do governo norte-americano. Num despacho de Kristi Noem, que dirige o Departamento de Segurança Interna estadunidense, acusa-se esta universidade de “criar um ambiente inseguro ao permitir que agitadores antiamericanos e pró-terroristas intimidem e ataquem pessoas” (Público, 25/5/2025). Neste documento, a universidade de Harvard é também acusada de “coordenação” com o Partido Comunista da China, com base na delirante acusação de que teria treinado uma organização paramilitar que participou no “genocídio dos uigures do Xinjiang”. Para prevenir semelhante desfecho, a Universidade de Nova Iorque cancelou, na véspera da sua realização, uma conferência de Joanne Liu, antiga presidente da organização internacional Médicos Sem Fronteiras, alusiva ao tema das crises humanitárias. Esta espécie de “autocensura profilática” – na feliz formulação de Eric Alterman (Le Monde Diplomatique, ed. port., maio de 2025) – estendeu-se a uma serie de outras instituições universitárias norte-americanas, como Brown, Cornell, Northwestern ou Michigan.

As universidades, que são – ou, pelo menos, deveriam ser (de acordo com a sua função histórica) – espaços de livre debate de ideias, de estudo aprofundado, de investigação e produção de conhecimento, veem-se assim manietadas no seu desígnio académico por um poder boçal e autoritário. Estamos mesmo perante o “triunfo dos porcos” a que aludia George Orwell no seu célebre livro contra a ditadura estalinista, Animal Farm, de 1945. Como refere certeiramente a jornalista Teresa de Sousa, “A irracionalidade é total. Mas esta irracionalidade faz parte da ideologia que alimenta a administração Trump, a partir do mito do «povo contra as elites», assentando na ignorância e no obscurantismo anticientífico e eliminando progressivamente os entraves ao exercício do poder pelo Presidente.”, para concluir, “As universidades são um obstáculo porque criam gente que pensa.” (Público, 25/5/2025).

Nada disto é, no entanto, verdadeiramente surpreendente. Como refere a jurista Sofia Santos Machado, “Talvez nada resuma de forma tão sintética os tempos que vivemos, como o momento em que Donald Trump, em 2016, após a vitória nas primárias do Nevada, afirmou: «Adoro os pouco instruídos» (I love the poorly educated»). A multidão aplaudiu, incapaz de se sentir insultada.” (Visão, 8/5/25). Muito do universo concetual do atual poder americano baseia-se no chamado “Iluminismo Negro” (“Dark Enlightment”), um neo-reacionarismo profundamente retrógrado, defensor de uma monarquia absoluta de base tecnológica e da criação de cidades-estado governadas por uma oligarquia capitalista de cariz autoritário, ideias propostas por um obscuro filósofo britânico, Nick Land, e que tem entre os seus mais acérrimos defensores, Peter Thiel (um dos primeiros investidores do Facebook, cofundador do PayPal e dirigente da Palantir Technologies), para além dos inevitáveis Elon Musk, J. D. Vance ou Steve Bannon. Nas sinistras palavras de Elon Musk, “A fraqueza fundamental da civilização ocidental é a empatia […] Ela explora um bug na civilização ocidental, que é a resposta empática”. É a proclamação mais eloquente do desprezo humano e da discriminação social, e a preconização despudorada da “lei do mais forte”.

Numa entrevista recente à revista The Atlantic, Donald Trump anunciou, triunfante, “Eu mando na América e mando no mundo”. Até quando a América e o mundo vão suportar este jugo?

Hugo Fernandez

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