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albardeiro

Albardas e Alforges... nunca vi nada assim! Minto... já vi!

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Albardas e Alforges... nunca vi nada assim! Minto... já vi!

A Democracia na Balança da Incerteza e da Ausência de Projeto

albardeiro, 12.06.25

A voragem de um tempo marcado pela aceleração implacável da tecnologia e das dinâmicas económicas sem salvaguardas robustas instila um medo sistémico que mina a fé coletiva na democracia. A incerteza, convertida em instrumento de poder, fomenta a ansiedade generalizada e abre portas a medidas excecionais, muitas vezes proclamadas em nome da “segurança”, que tolhem a liberdade de expressão, restringem a participação cívica e erguem barreiras invisíveis ao diálogo público. É nesse terreno fértil de receios que florescem lideranças autoritárias, dispostas a explorar vulnerabilidades sociais e a subverter o interesse geral em benefício de clãs de poder privado.

Ao mesmo tempo, a contestação a este clima de temor, desprovida de um projeto de futuro articulado, não basta para inocular esperança: antes agrava as divisões. A carência de ambição reformista, patente na incapacidade de propor metas que promovam mobilidade social e redistribuição equitativa, impede a edificação de consensos e legitima narrativas de ódio ou de relativização da verdade. Em vez de impulsionar a progressão dos trabalhadores, as últimas décadas assistiram à concentração de riqueza e influência política nas mãos de oligarquias económicas, cuja interferência desproporcionada molda políticas à medida dos interesses privados.

Recusar a tentação das soluções fáceis, aquela ilusão de que desacreditar o adversário basta para reforçar um projeto, abre caminho ao tribalismo político. Quando se consagra o cinismo público com afirmações do género «não vale a pena ter mais ilusões… esta medida banaliza o projeto», legitima-se o discurso redutor que oculta as causas profundas da desigualdade: o domínio monopolista das megaempresas tecnológicas e o regime fiscal permissivo que tolera lucros extraordinários sem contrapartidas sociais.

No domínio das paixões, a mentira e a manipulação ganham terreno face aos factos. Sob a moldura de slogans simplistas, a retórica suplanta a verdade, corroendo a epistemologia democrática, alicerce da deliberação informada, e enfraquecendo o escrutínio público. É nesta encruzilhada perigosa que interesses privados conseguem capturar a agenda política, afastando os cidadãos de uma governação transparente e responsável.

A repetição de mantras empobrece o discurso político e destrói o potencial unificador de qualquer projeto democrático. Chamá-las de «banalização do projeto» não é mera retórica, mas o diagnóstico de um compromisso coletivo debilitado, incapaz de enfrentar desafios comuns. Sem um fio condutor ideológico que promova a equidade, cada grupo procura soluções fragmentadas, alargando o fosso entre vencedores e vencidos da globalização e da automação.

Avançar para territórios desconhecidos sem ferramentas institucionais adaptadas é assumir um défice de controlo que congela a ação cidadã. São necessárias reformas estruturais, desde a revisão das leis antimonopólio até à implementação de um sistema fiscal verdadeiramente progressivo, para dotar a democracia de mecanismos que limitem o poder privado e distribuam, de forma justa, os frutos do progresso económico. Sem estas ferramentas, deixamo-nos reduzir a meros espetadores de um regime capturado pelos interesses concentrados.

Para enfrentar esta dualidade letal, é imprescindível uma audácia renovada, capaz de reinventar o pacto social sobre alicerces sólidos de equidade e transparência. É tempo de tecer uma narrativa cuja ambição não sacrifique a responsabilidade: de um lado, alargar a justiça económica através de políticas que repartam riqueza e dignifiquem o trabalho; do outro, edificar instituições impermeáveis aos jogos de influência, dotadas de mecanismos de controlo e prestação de contas verdadeiramente céleres. É igualmente urgente reintegrar no debate democrático as vozes marginalizadas, sejam trabalhadores, comunidades periféricas ou gerações futuras, conferindo-lhes poder de decisão e acesso real à informação.

Só mediante um compromisso inabalável com a verdade, recusando a sedução das promessas vazias e dos atalhos populistas, poderemos revitalizar a confiança mútua. A decência, mais do que um ideal, deve converter-se em prática: normas éticas claras para responsáveis públicos, sanções concretas contra abusos e uma cultura de transparência que chegue aos recantos mais afastados do Estado. É assim que semeamos esperança: não em discursos prontos, mas em medidas tangíveis, desde a educação financeira obrigatória nas escolas até à democratização dos meios de comunicação.

Este esforço conjunto, coroado pela coragem de enfrentar interesses instalados, será o cimento de uma democracia resiliente, capaz de resistir ao assalto da incerteza e ao peso avassalador das desigualdades. Só então poderemos erguer um futuro onde a cidadania seja, de facto, um contrato vivo e participativo, e não um mero adorno retórico.

(Excerto de uma "comunicação" sobre "A Democracia Esvaziada: Tecnologia, Poder Monopolista e o Cerco à Esperança")

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