São seguramente dois dos mais violentos libelos contra o atual governo e na denúncia da situação a que chegou o nosso país. Foram ambos publicados na imprensa (diária e semanal) e provêm, um e outro, de homens da cultura: António Pinto Ribeiro e António Lobo Antunes.
O primeiro, fazendo um balanço de alguns marcos recentes da realização cultural portuguesa e da construção da nossa identidade coletiva, pela invocação de figuras como José Saramago, Manoel de Oliveira, Eduardo Lourenço, António e Ana Damásio, António Pinho Vargas, Teresa Villaverde e Sérgio Tréffaut, ou do papel insubstituível de associações como os Artistas Unidos ou de instituições como o Teatro da Cornucópia, a Casa da Música ou o MUDE, entre muitas outras, não hesita em referir-se ao presente da nossa desesperança com a certeira mas terrível formulação da “certeza de «ter sido»” (Público – Ípsilon, 8/11/2013). “Aqui chegados – diz Pinto Ribeiro –, há um presente que se desmorona e um futuro que nos é interdito.”, acrescentando, mais adiante, “Ou seja, saímos da ordem social construída sobre a ideia de uma partilha equitativa de bens e de recursos, fundamentada na liberdade e na autoridade da argumentação sobre o domínio, sobre a tecnocracia e a irracionalidade da pobreza, para uma catástrofe de vidas pequeninas (conforme o imaginário destes governantes) e de tentativa de sobrevivência no meio dos escombros.” É a esta realidade – em que “a alegria será apagada das fotos colectivas” – que estaremos condenados?
“Um Dó Li Tá” é o título da habitual crónica de António Lobo Antunes na revista Visão (31/10/2013). Texto notável, não tanto pela ironia mordaz a que o escritor já nos habituou, mas pela brutalidade desencantada da crítica política que encerra. “Perguntam-me muitas vezes – diz Lobo Antunes – por que motivo nunca falo do governo nestas crónicas e a pergunta surpreende-me sempre. Qual governo? É que não existe governo nenhum. Existe um bando de meninos, a quem os pais vestiram casaco como para um baptizado ou um casamento.” Acusando sarcasticamente os portugueses de serem demasiado severos com a infância, o autor interroga-se “que mal fazem eles para além de empobrecerem a gente, tirarem-nos o emprego, estrangularem-nos, desrespeitarem-nos, trazerem-nos fominha, destruírem-nos? São miúdos queridos, cheios de boa vontade, qual o motivo de os não deixarmos estragar tudo à martelada?”, rematando esta ideia com um parágrafo verdadeiramente assassino: “Ensinaram-me que as pessoas não devem ser criticadas pelos nomes ou pelo aspecto físico mas os meninos exageram, e eu não sei se os nomes que usam são verdadeiros: existe um Aguiar Branco e um Poiares Maduro. Porque não juntar-lhes um Colares Tinto ou um Mateus Rosé? É que tenho a impressão de estar num jogo de índios e menos vinho não lhes fazia mal.” Assim, sem mais!
Ora, como também disse o conhecido cientista Manuel Sobrinho Simões, “Este Governo fez uma espécie de destruição criativa: rebentou com tudo” (Público, 22/11/2013). Perante a catástrofe haverá ainda lugar para hesitações?
Hugo Fernandez