Que aos governantes ou políticos em geral não se exija formação superior parece-me do mais elementar bom senso. Mas que se deve exigir honestidade na declaração de habilitações literárias também me parece evidente. Não pelo estatuto social que estas possam conferir, mas precisamente pela assunção da transparência e lisura de procedimentos em todas as circunstâncias da vida pública. De qualquer forma, bem mais grave é a postura de instituições universitárias que apadrinham formações espúrias, reconhecendo habilitações nulas e creditando academicamente competências inexistentes. Mais uma vez é a questão da honestidade e lisura de procedimentos que está em causa. Mas, neste caso, acrescida da ignorância científica, o que, tratando-se de uma universidade, é coisa inaceitável.
A que propósito a atividade política pode merecer créditos científicos, ainda que seja num curso de ciência política? É que qualquer conhecimento científico exige um afastamento prudente face ao objeto de investigação, bem como um estudo aturado, condições que a mera ação política está longe de poder assegurar, desde logo pela falta da intenção e disposição que tal empreendimento implica. Podemos mesmo considerar que a participação ativa na contenda política inviabiliza, em larga medida, o tempo e distanciamento epistemológico necessários à reflexão sobre essa prática. Sendo a política o objeto de estudo da ciência política, dificilmente aquela poderá induzir, sem outros desideratos, a produção de conhecimento científico. Apenas alguns indivíduos particularmente dotados o conseguiram fazer, o que está longe de constituir regra para o comum dos mortais. Aliás, a própria etimologia latina scientia significa precisamente um conhecimento adquirido através do estudo.
E o que é, afinal, a ciência política? Por mais variados que sejam os seus enfoques, é o resultado de uma coerência lógica e provada na aportação de dados e interpretações, através de uma definição clara de conceitos e enunciados sobre a dimensão política das sociedades e a elucidação das ideias e mecanismos conducentes às escolhas individuais e coletivas que são tomadas para o seu governo comum. Na definição de um manual clássico sobre a matéria, “A política é uma atividade generalizada que tem lugar em todos os âmbitos em que os seres humanos se ocupam em produzir e reproduzir as suas vidas. Esta atividade pode implicar tanto enfrentamento como cooperação, de maneira que os problemas se apresentam e resolvem através de decisões tomadas coletivamente. A ciência política é uma disciplina académica que pretende descrever, analisar e explicar de forma sistemática esta tomada de decisões, assim como os valores e pontos de vista que lhes estão subjacentes.” [tradução minha] (Marsh, David; Stoker, Gerry, eds., Theory and Methods in Political Science, New York, Macmillan, 1955). Qualquer estudante do primeiro ano do curso de ciência política sabe do que estou a falar.
O que surpreende (ou talvez não!) é que tudo isto devia ser do conhecimento da universidade em causa. Não o sendo, dificilmente esse estabelecimento de ensino poderá continuar a ostentar semelhante estatuto académico. Havendo outros interesses inconfessáveis em jogo, então configura-se uma situação de compadrio ou mesmo de fraude e aí entramos no âmbito da investigação criminal. De qualquer maneira, nada disto tem a ver com ciência… mas tão só com determinado estilo de fazer política.
Hugo Fernandez