O fotógrafo espanhol Samuel Aranda, ao serviço do prestigiado periódico The New York Times, foi o grande vencedor da edição 2011 da World Press Photo, com o retrato de uma iemenita a segurar nos seus braços um familiar ferido na sequência de confrontos com as forças policiais do ditador Ali Abdullah Saleh. A imagem foi captada no passado dia 15 de outubro de 2011 em Sanaa, capital do Iémen, no interior de uma mesquita usada como enfermaria improvisada pelos manifestantes anti-regime.
Mas o abraço desta mulher a este homem desprotegido e carente tem algo de profundamente inquietante. Coberta com panos negros, a mulher dir-se-ia um fantasma a confortar o seu parente. O ato é, ainda assim, de uma enorme ternura e despojamento, um sinal sincero de amor humano, a expressão do que alguns já apelidaram de “Pietà moderna”. Porque se esconde então a mulher? Esconder-se-á de si? Mas porquê, se os seus sentimentos são tão nobres? Esconder-se-á dos outros? Mas que sociedade é esta que obriga grande parte dos seus cidadãos a esta espécie de anonimato existencial? No passado dia dezasseis de fevereiro, três jornalistas do diário tunisino Attounissia foram detidos em Túnis por terem reproduzido a imagem de um abraço sensual do jogador de ascendência tunisina do Real Madrid, Sami Khedira, e da sua namorada alemã, a modelo Lena Gercke. As autoridades judiciais da Tunísia consideraram que a fotografia ofendia a moral pública. Mas poderão verdadeiramente ser condenáveis as manifestações de amparo, carinho ou amor? É a primeira vez que jornalistas são detidos por conteúdos publicados desde a “revolução de jasmin” que depôs o ditador Zine Ben Ali, revolução que alastrou a grande parte do mundo árabe num movimento de contestação generalizado aos regimes ditatoriais vigentes e que viria a ficar conhecido por “Primavera Árabe”. Mas será mesmo Primavera?
Diz-se que uma imagem vale mais do que mil palavras. Resta-nos a estupefação e a sabedoria serena de Alves Redol: “Talvez (…) o embalar da esperança valha mais do que o desespero da realidade desesperada.”
Hugo Fernandez