José Sócrates ficará na história como o governante que levou Portugal à condição de terceiro país com maior índice de desigualdade social da Europa (só acima da Letónia e Lituânia), com os 5% mais ricos a ganharem 18 vezes mais do que os 5% mais pobres e 75% dos portugueses a auferirem até cerca de mil euros por mês, sendo que 25% ganham até quinhentos e cinquenta euros (considera-se que o limiar de pobreza para um agregado familiar constituído por dois adultos e duas crianças se situa nos 870 euros/mês). Quem o diz é o economista Carlos Farinha Rodrigues, professor do Instituto Superior de Economia e Gestão, no estudo Desigualdades em Portugal encomendado pela Fundação Francisco Manuel dos Santos. Este trabalho, cujos dados – sublinhe-se – se referem a 2008, ainda na antecâmara da crise internacional (como será agora!?), revela também que ao nível dos 10% de portugueses com ordenados mais altos se registou uma subida de 25% no valor dos vencimentos, sendo que nos 1% dos melhor pagos, o aumenta é já de 49% e que na fatia máxima de remunerações (0,1% da população) o acréscimo chega aos 70%, o que significa que quanto mais se ganha, maior é o aumento. Um absurdo, portanto!
A bem dizer José Sócrates nem ficará na história, tal a enormidade dos problemas criados e a insignificância da personagem. No futuro falar-se-á, isso sim, de um tempo que alguém já apelidou de “fartar vilanagem” em que a cartilha neo-liberal atingiu fortemente Portugal, pela mão dos governos nacionais ou do Fundo Monetário Internacional e dos “amigos” da União Europeia, verdadeiros responsáveis pela crise que atravessamos e cujo diagnóstico é por demais conhecido: destruição do aparelho produtivo nacional, deslocalizações selvagens, precariedade no trabalho e desemprego galopante; má gestão e desperdício do Estado, das empresas públicas e das famosas parcerias público-privadas que, através de contratos leoninos, foram o viveiro de todo o género de compadrios e alimentaram todo o tipo de esquemas que delapidaram o património comum; proliferação de institutos e organismos parasitas e desnecessários destinados a sustentar clientelas partidárias; derrapagem financeira, muitas vezes de forma grosseira, da quase totalidade das obras públicas, ao serviço de inconfessáveis – mas, por vezes, desvendados – interesses privados; investimentos desastrosos do Estado em instituições bancárias arruinadas ou em projectos megalómanos (estádios, autoestradas, submarinos, TGV’s, aeroportos) ; não taxação das operações bancárias, das transações bolsistas, dos lucros das empresas offshore, dos fundos de pensões, das seguradoras, de todo o universo da especulação financeira que, como se sabe, movimenta verbas e gera lucros muito superiores aos da economia real (isto é, produtiva); fraude e evasão fiscal dos mais poderosos, que atingiram níveis nunca antes vistos e que se cifraram em qualquer coisa como 10 mil milhões de euros em 2009 (um ano após o rebentar da crise internacional); ordenados fabulosos de toda uma coorte de assessores e consultores políticos, de gestores públicos e chefias intermédias, de boys, amigos e afilhados. Foi para tudo isto que foram canalizados os recursos que agora faltam e não para o pagamento de salários mínimos, de pensões miseráveis ou para os programas de proteção social que presentemente se querem reduzir ou eliminar.
É, de facto, um palmarés brilhante. Por isso, até o insuspeito de tendências esquerdistas, José Pacheco Pereira, faz um prognóstico tão pessimista sobre aquilo que nos vai cair em cima: “para alguns, nada; para muitos, maiores dificuldades; para muitos, pobreza; e para muitos mais, maior pobreza.” (Sábado, 5/5/2011).
Hugo Fernandez