Com um ligeiro atraso publica-se (hoje) o texto que o meu amigo Hugo Fernandez me enviou. Na mesma sintonia, o albardeiro agradece.
BASTA!
Todo o terrorismo, isto é, a morte indiscriminada de pessoas inocentes, é obviamente inaceitável. Nunca actos dessa natureza se podem justificar, sejam quais forem as razões invocadas. Ninguém de bom senso tem, portanto, dúvidas quanto a um decidido combate a este problema. No entanto, o terrorismo não é inexplicável. Trata-se, de facto, da manifestação final e dramática de um longo e complexo processo degenerativo da própria realidade, um sintoma agudo de uma doença crónica. E é na avaliação deste fenómeno e no tipo de actuação a empreender que as divergências são notórias e têm que ser legitimamente esgrimidas. Este fenómeno pode ter as suas raízes num desvio de personalidade e em comportamentos individuais, como os que assistimos no caso dos psicopatas perigosos e dos serial killers. Mas o terrorismo pode ser sobretudo uma doença social, que os fanatismos e fundamentalismos ajudam a alimentar. Esta segunda situação, bem mais grave do que a primeira, merece-nos muito mais cuidado e reflexão. Enquanto no primeiro caso, os terroristas agem isoladamente ou com escassos cúmplices exigindo, após a detenção, sobretudo um adequado tratamento médico, no segundo caso, o fenómeno é muito mais complexo e abrangente. É que os terroristas não agem sozinhos, nem são elementos isolados. Há um meio social mais ou menos extenso onde aqueles são recrutados e uma rede que os sustenta e apoia. Ora, são precisamente as causas da disfuncionalidade das vivências das populações que constituem essa rede que, a nosso ver, têm que ser investigadas e, na medida do possível, combatidas. É essa disfuncionalidade que advém do agravamento das situações e do arrastamento dos conflitos, muitas vezes ao longo de décadas, é o ódio latente ou declarado que inevitavelmente produz, com o consequente radicalizar de posições, que tem que constituir a principal preocupação no domínio da prevenção deste terrível flagelo. Muito para além, portanto, da simples acção policial, ainda que esta seja legítima e constitua um instrumento imprescindível para garantir a segurança dos cidadãos. Assim, esse conhecimento e essa actuação terão que ser eminentemente políticas. E é a este nível, o da discussão dos diversos modelos de organização da nossa vida colectiva e do relacionamento entre as sociedades, que as questões verdadeiramente se têm que colocar. Até porque as consequências da manutenção do statu quo meramente repressivo podem ser devastadoras. De facto, uma atitude preventiva como aquela que defendemos é tanto mais urgente quanto se verifica, nos nossos dias e por todo o mundo, um acréscimo acentuado do fenómeno terrorista, apesar do ou por causa do! concomitante aumento dos meios repressivos. Este acréscimo de perigosidade deriva precisamente do conjunto de problemas acumulados e não resolvidos. É evidente que nunca os terroristas podem ser considerados, de qualquer forma que seja, justiceiros. Mas na origem dos conflitos que os produziram, encontraremos, certamente, situações de profunda injustiça. Para que se eliminem aqueles há que detectar e procurar resolver estas iníquidades. A realidade ensina-nos que, a não haver esta prevenção, perpetua-se o terrorismo. Este conhecimento, que nunca pode querer dizer compreensão, se por isso entendermos qualquer forma que seja de aproximação ou mesmo de empatia com os terroristas, pode sim significar mais informação e traduzir-se numa actuação mais justa e eficaz. E se, como diz Augusto Santos Silva, O combate ao terror é, pois, uma condição de sobrevivência das democracias, este combate terá forçosamente que passar pela detecção e tentativa de resolução das situações que estão na sua origem. Como vimos, a deriva securitária cega , longe de resolver o fenómeno do terrorismo, tende a perpetuá-lo. Não chegam medidas repressivas e discursos inflamados. À repressão tem que se somar a prevenção, para que se elimine o sintoma porque se curou, de facto, a doença. É preciso decididamente encarar os problemas e conflitos que produzem esta tragédia. A não ser assim, não só a violência continuará, como o extremar de posições e o progressivo condicionamento e violação dos direitos humanos que, mais cedo ou mais tarde, afectará a generalidade dos cidadãos, inviabilizará qualquer projecto de vivência democrática. E esta situação constituirá, ela sim, a vitória dos terroristas. Nunca a injustiça pode ser resposta para as injustiças. Porque as democracias não podem sucumbir perante a ameaça terrorista, é fundamental que mantenham a sua matriz constituinte essencial: a garantia, em todas as situações, de uma plena cidadania, da defesa intransigente dos direitos humanos e dos princípios da legalidade e do direito internacional. Basta de hipocrisias ou de falsos moralismos. O assunto é demasiado sério para que não se encarem todas as alternativas possíveis para a resolução do problema. É antes de mais em homenagem às vítimas do terrorismo, em qualquer parte do mundo onde se encontrem, que temos que buscar verdadeiras soluções. É altura de dizer: Basta!