Albardas e Alforges... nunca vi nada assim! Minto... já vi!
Segunda-feira, 5 de Abril de 2004
Abril em Abril!

Abril em Abril!


A ordem e a conexão das ideias reflectem a ordem e a conexão do mundo e o espaço deste blog tem sido coerente nesse aspecto. Além disso, a história do desenvolvimento dos conceitos e das categorias políticas, “científicas” e sociais, reflecte a história do desenvolvimento da sociedade em que se elabora o conhecimento, e está-lhe indissoluvelmente ligada. Da mesma forma, a prática social histórica, colectiva e não meramente individual nem meramente restrita ao nível da actividade subjectiva, ao elemento dito “espiritual” isolado e abstracto, sem condicionamento e sem raízes, é o fundamento, o alvo e a instância decisória, a base real também do conhecimento político e histórico.


Vem isto também a propósito, da hostilidade declarada que alguns sectores sociais e políticos, hoje no poder, estão a ter em relação ao 25 de Abril. Foi a democracia..., o 25 de Abril, que tornou livremente possível a discussão e o debate... mas sem trair! Sem trair a verdade e a justa consciência política da situação histórica que foi o 25 de Abril.


É necessário, é justo intervir... contra os rancores que neste momento existem, por parte de alguns charlatães escrevinhadores de calinadas puras e de trapaceiros políticos, que em nome de concepções e sectarismos arrivistas eivados do mais puro ultramontanismo, querem refazer a HISTÓRIA, negando a própria história e colocando em causa o que foi o 25 de Abril.


O texto que se segue, da autoria do meu amigo Hugo Fernandez, é, neste contexto, um momento importante no esforço de clarificação conceptual no quadro político e histórico acerca do 25 de Abril e, também, contra um certo obscurantismo de passadistas de toda a sorte, como dizia António Sérgio – espectros do “Reino Cadaveroso”. Aconselho a sua leitura e um pouco de reflexão sobre a “temática”.


QUE 25 DE ABRIL?


Já há muito que o famoso historiador francês Marc Bloch tinha chamado a atenção dos seus colegas de ofício, para as armadilhas da linguagem presentes nas fontes de investigação, que podem advir do facto dos homens não mudarem de vocabulário de cada vez que mudam de regimes políticos ou que vivem nova conjuntura social. Daí o poder atribuir-se designações idênticas a realidades já profundamente diferentes, o que contribui quer para o descrédito das fontes de informação, quer para a desconfiança e inverosimilhança com que o processo histórico é muitas vezes olhado por camadas mais desprevenidas da população.


Ao invés, é também frequente a tentação de um determinado discurso historiográfico de solucionar esta perplexidade, exportando conceitos do presente para o passado – num puro acto de anacronismo – ou reescrevendo de forma oportunista o que aconteceu, para que a História se torne mais inteligível aos olhos e, sobretudo, aos interesses do mundo de hoje.


De uma maneira ou de outra, o que parece certo é que os homens pensam recorrendo a conceitos e actuam de acordo com crenças paradigmáticas. E provavelmente não haverá conceito mais carregado de significados que o de revolução. Para todos os efeitos, as revoluções têm sido entendidas como processos de ruptura e transformação radical entre uma qualquer realidade anterior e aquela que lhe sucede. Isto é percebido assim, independentemente de falarmos de dimensões sociais, políticas, artísticas, vivenciais ou do domínio dos fenómenos da natureza. O aparente catastrofismo do processo revolucionário engendra sempre algo de substancialmente novo, ainda que muitas vezes pintado com as cores de uma restauração ou de uma regeneração. Do que não restam dúvidas é que se trata sempre de uma evolução, se com isto quisermos significar a sucessão de movimentos que constituem o devir histórico e que alteram, em cada momento, o que está. Nem sempre o contrário é verdadeiro. Pode haver evolução sem se assistir a nenhuma revolução. Podemos dizer que se trata até da situação mais comum. Neste caso não se atinge nunca o grau de metamorfose que é apanágio daquela.


A este propósito, todos estamos lembrados de situações recentes da História portuguesa, como a conhecida “evolução na continuidade” do período marcelista. Esta evolução não foi, no entanto, suficiente para responder às aspirações de liberdade e democracia do povo português que acabou por levar a cabo uma revolução. Foi no dia 25 de Abril de 1974. Acabou-se a guerra colonial, possibilitou-se a independência das antigas “províncias ultramarinas”, assistiu-se ao fim da censura, das prisões políticas e da repressão policial. À liberdade de expressão e de imprensa, somaram-se a emergência livre de sindicatos, partidos políticos e movimentos sociais. Foram garantidos constitucionalmente os direitos básicos de cidadania e consagrado o sufrágio universal, directo e secreto. Possibilitou-se a melhoria acentuada das condições de vida e de trabalho da generalidade da população portuguesa. Instituiu-se o salário mínimo, a segurança social e os direitos dos trabalhadores. Promoveu-se a massificação do ensino, o serviço nacional de saúde, o direito ao divórcio. Deu-se esperança e futuro aos portugueses... Não foi pouco! Desta ruptura revolucionária, nasceu uma democracia e acabou uma ditadura fascista. Com toda a carga político-ideológica que, felizmente, as revoluções sempre têm.


Outro conhecido autor francês contemporâneo, Jean-Christophe Rufin, chamou a atenção para o segredo da longevidade dos sistemas democráticos e a sua generalizada vitória face aos regimes totalitários. Concluiu que, enquanto os primeiros eram capazes de se “alimentar” de tudo o que se lhes opunha, constituindo isso a sua fonte de energia vital, os segundos colapsavam na tentativa desesperada de eliminar qualquer oposição. Ao contrário da ideia feita, as democracias revelar-se-iam poderosas e as ditaduras surpreendentemente frágeis. E se estas últimas são sempre criminosas, aquelas podem ser extremamente perversas. Talvez por isso o actual governo pretenda comemorar o 30º aniversário do 25 de Abril, mudando-lhe subrepticiamente o nome e a natureza, e desvirtuando as suas conquistas. Como se o país que temos hoje, não fosse consequência directa desse período tão decisivo. Como se, mais do que esquecer, se pretendesse renegar esse passado e fazer dele algo que nunca foi. Como se a democracia em Portugal se tivesse implantado contra o 25 de Abril. Abril não é, por isso, mera evolução. É muito mais. Abril foi, é e será sempre Revolução.



publicado por albardeiro às 13:17
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1 comentário:
De Leonel Vicente a 21 de Abril de 2004 às 23:38
Parabéns pelo "post".


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