Albardas e Alforges... nunca vi nada assim! Minto... já vi!
Quarta-feira, 23 de Junho de 2004
ALENTEJO

 GEOGRAFIA E HISTÓRIA


Parte III


Na primeira metade do século passado, a imagem (mito) do Alentejo como celeiro do país consolida-se, justificando o crescimento populacional e o progressivo avanço dos campos cultivados sobre a charneca. Inspirado noutros exemplos europeus (caso de Itália), o Estado Novo retomará o mesmo rumo, lançando a partir de 1929, a Campanha do Trigo.


Embora breve – em 1937 o esforço está já terminado, sucumbindo às dificuldades de colocação externa do produto e ao rápido esgotamento dos solos mais pobres -, a Campanha do Trigo resultará num aumento ainda mais significativo das áreas cultivadas, ao mesmo tempo que revela a prazo, os limites (esgotamento) da imagem da superabundância que servia secularmente para caracterizar a região.


Invadidos pelo trigo, as regiões de solos delgados e xistosos depressa mostraram que a sua vocação não era cerealífera (vejam-se as terras da “região” campaniça). À Campanha do Trigo sucedeu, nos anos 60, outra tentativa política para, de novo, salvar, de fora, o Alentejo. Pretendia-se, como antes, reforçar a sua produção agrícola. Desta vez já não se tratava de estender a cultura tradicional do trigo, mas de substituir a cultura extensiva de sequeiro pela intensiva de regadio, ou seja, de implantar no Alentejo formas de produção que lhe eram quase completamente alheias (digo alheias, porque não houve desgraçadamente qualquer plano de formação ou de ajudas/financiamentos). Não através de obras pequenas, ao alcance de todos os agricultores, mas através de grandes empreendimentos financiados e executados pelos organismos estatais, o que implicava a sua utilização sobretudo por grandes empresas e escassas cooperativas.


Contudo, as barragens destinadas a regar os vales largos que enquadravam o Alentejo a norte e a nordeste, o Sorraia e o Baixo Sado, deram resultados apreciáveis, mas não se podia dizer o mesmo das que se construíram no Baixo-Alentejo, no Roxo, no Alto Sado e no Mira. A Revolução Regional com que os seus promotores sonharam não se deu. E que dizer da grande “miragem” do Alqueva, sempre adiada {os primeiros planos de construção de uma grande barragem no Guadiana, datam do último quartel do século XIX; veja-se O Projecto de Fomento Rural, apresentado ao Parlamento, por Oliveira Martins, em 1887, ou ainda, os textos desse grande reformista (esquecido pela historiografia) que foi Ezequiel de Campos}, mas nunca (definitivamente) esquecida e finalmente construída. Qual será o destino da água que se imagina poder armazenar nos anos mais chuvosos? Pensou-se primeiro que iria alimentar as indústrias de Sines. Gorado o projecto, atribuiu-se-lhe o destino de regar, a grandes custos, os campos que dominam o Médio vale do Guadiana. Não se disse a que preço, com que mão-de-obra, nem para que mercado. Chegou-se a projectar resolver com a água do Alqueva a penúria do Algarve turístico e hortícola. Talvez acabe por irregar os morangos e laranjais de Lepe e Huelva.


Uma vez mais o Alentejo (será) seria o fornecedor explorado e não o beneficiário. O fim da Campanha do Trigo e as tentativas de regadio foram, aliás, suficientes para desmentir a vocação essencialmente cerealífera da economia Alentejana, mantida pelo Estado Novo e, até depois do 25 de Abril, tentada de certa forma, pela Reforma Agrária. Tivemos que esperar pela integração no espaço económico comunitário para se assistir à crise/falência total e aberta do sistema. Que Futuro?


CONTINUA...



publicado por albardeiro às 23:39
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1 comentário:
De Planície Heróica a 24 de Junho de 2004 às 02:27
Fico à espera da continuação.

Um abraço,
Francisco Nunes

P.S.:Fiquei sabendo de um facto curioso há uns tempos: Muitos dos arroteamentos feitos no Alentejo no início do século XIX não tinham por fim o trigo... tinham por fim o carvão para os geradores de electricidade que o usavam como combustível. Um comerciante de Setúbal que se estabeleceu em Aljustrel, numa altura em que as terras não tinham valor comercial, comprava montados para os transformar em carvão que vendia para as indústrias nascentes da cidade do Sado. Com a venda do carvão comprava 'a pronto' a propriedade fronteira, arroteava-a, produzia mais carvão... 'Deu por ele' casado com uma menina filha de terratenentes locais e com uma propriedade que conseguida antes do casamento -agora agrícola- que se estendia da estrada que liga Aljustrel a Messejana até ao termo de Alvalade! Tornara-se latifundiário por acaso!


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