Do Hugo Fernandez para o ALBARDEIRO
Parte I
Todo o terrorismo, isto é, a morte indiscriminada de pessoas inocentes, é obviamente inaceitável. Nunca actos de tal natureza se podem justificar, sejam quais forem as razões invocadas. Ninguém de bom senso tem, portanto, dúvidas quanto à necessidade de um combate eficaz a este problema. Sendo inaceitável, o terrorismo não é, no entanto, inexplicável. Trata-se, de facto, da manifestação final e dramática de um longo e complexo processo degenerativo da própria realidade, um sintoma agudo de uma doença crónica. E é na avaliação desta situação e no tipo de actuação a empreender que as divergências são notórias e têm que ser legitimamente esgrimidas.
Este fenómeno pode ter as suas raízes num desvio de personalidade e em comportamentos individuais, como os que assistimos no caso dos psicopatas perigosos e dos serial killers. Mas o terrorismo pode ser sobretudo uma doença social, que os fanatismos e fundamentalismos ajudam a alimentar. Esta segunda situação, bem mais grave do que a primeira, merece-nos muito mais cuidado e reflexão. Enquanto no primeiro caso, os terroristas agem isoladamente ou com escassos cúmplices, exigindo, após a sua detenção, sobretudo um adequado tratamento médico, no segundo caso, o fenómeno é muito mais complexo e abrangente. É que os terroristas não agem sozinhos, nem são elementos isolados. Há um meio social mais ou menos extenso onde aqueles são recrutados e uma rede que os sustenta e apoia. Ora, são precisamente as causas da disfuncionalidade das vivências das populações que constituem essa rede que, a nosso ver, têm que ser analisadas e, na medida do possível, solucionadas.
É essa desregulação que advém do agravamento das situações e do arrastamento dos conflitos, muitas vezes ao longo de décadas, é o ódio latente ou declarado que inevitavelmente produz com o consequente radicalizar de posições que tem que constituir a principal preocupação no domínio da prevenção deste terrível flagelo. Muito para além, portanto, da simples acção policial, ainda que esta seja legítima e constitua um instrumento imprescindível para garantir a segurança dos cidadãos.
Assim, esse conhecimento e essa actuação terão que ser eminentemente políticas. E é a este nível, o da discussão franca e plural dos diversos modelos de organização da nossa vida colectiva e do relacionamento entre as sociedades, que as questões verdadeiramente se têm que colocar.
CONTINUA