Parte II
A LÓGICA BELICISTA
Não nos parece, no entanto, que sejam estas as principais preocupações dos senhores da nova ordem mundial. Apesar da tão proclamada cruzada anti-terrorista de George W. Bush, os interesses norte-americanos têm vindo a demonstrar que há duas outras prioridades bem mais prementes no seio da administração neoconservadora. Por um lado, dar satisfação às necessidades belicistas do seu gigantesco complexo militar-industrial, que exige a existência duma situação de confrontação permanente. Por outro, assegurar, pela força das armas e da intimidação militar, o controle dos recursos de vastas zonas do nosso planeta, estratégicos para a economia predadora norte-americana.
A actual administração Bush conseguiu, assim, coisas notáveis. Conseguiu basear a sua política externa num estado de guerra infinita e na procura belicista da supremacia absoluta, doutrina amplamente explanada no documento The National Security Strategy of the United States, de 2002. Conseguiu fomentar a proliferação do armamento mais sofisticado e mortífero fala-se, mesmo, da utilização limitada do nuclear e promover a paranóia securitária, em termos de pura demência. Conseguiu ocupar militarmente países e apoderar-se das suas riquezas. Conseguiu a disseminação do ódio e da vingança a níveis nunca antes imaginados. Conseguiu estender o terrorismo aos quatro cantos do mundo de Casablanca a Istambul, de Bali a Mombaça, de Riad a Madrid. Conseguiu pôr em causa todos os ténues resquícios de legalidade internacional, remetendo a ONU para um papel desprezível. Conseguiu não assinar um único sublinhamos, um único acordo que permita a coexistência pacífica ou a sustentabilidade da nossa vida no planeta. Conseguiu fazer da democracia uma caricatura e da liberdade uma mera ilusão. Conseguiu espezinhar os mais elementares direitos humanos, prendendo, torturando e matando. Conseguiu disseminar a desgraça e a injustiça. Em suma, conseguiu que o mundo fosse pior, mais devastado, mais caótico, mais inseguro.
Esta estratégia suicidária torna as declarações do secretário de estado da Defesa, Donald Rumsfeld, quando em Maio visitou Bagdad e a tristemente célebre prisão de Abu Ghraib, ainda mais espantosas. Segundo este responsável político do governo Bush, os E.U.A constituiriam o último recurso da humanidade. Perante a realidade, tais declarações são mais que incompreensíveis; são verdadeiramente perigosas. Porque, se cada homem e cada povo têm uma tendência natural para se posicionarem espacial e culturalmente como o omphallus, o umbigo do mundo, o centro do universo, tal centralidade tem que ser matizada pela existência do outro e do necessariamente diferente. O que assusta no pensamento extremista dos neoconservadores americanos é que nada disto importa. A sua obstinação é total. Recordemos, a propósito, as palavras peremptórias de Sousa Franco: O Presidente Bush é uma catástrofe que aconteceu aos E.U.A e ao mundo. (Expresso, 15/5/2004). De facto.
Esta estratégia de combate ao terrorismo está profundamente errada. Há que dizê-lo com toda a frontalidade. É que, como defendeu Mário Soares, é necessário ter a coragem de não sermos cúmplices desse erro trágico. (Visão, 22/4/2004). A política seguida pelo governo norte-americano induz, pelo contrário, motivos acrescidos para o desespero e para a revolta e dissemina o fenómeno terrorista a uma escala antes desconhecida. Será que a supremacia americana só encontra a sua verdadeira vocação num mundo dominado pela insegurança e pela guerra? Se em tempos, os E.U.A foram um modelo de democracia para o mundo, esta América mete medo. São precisamente estas perplexidades que levam o conhecido escritor inglês John Le Carré a afirmar que os E.U.A estão só a uma guerra ou a umas eleições de se transformarem naquilo a que chamamos fascismo. (Visão, 13/5/2004).
CONTINUA