Parte I
A ideia veio no seguimento do texto acetoso que a Filomena Mónica teve a gentileza de nos brindar, hoje (Público), sobre o nosso Primeiro dos ministros. O Aleixo teria dito ao Lopes:
Não vás contar a ninguém
as histórias que não sabes;
nem assim entrarás bem
no lugar em que não cabes.
Depois deste desvio (ou desvario), isto acontece por defeito de hábitos, deve-se fazer uma pequena introdução ao tema, desconfio que seja um pouco académica...! Sim, estas coisas tem a sua dignidade e merecem... se tiverem a paciência de chegar ao fim, não serão defraudados!
(A poesia erótica no nosso Cancioneiro dedicada ao LOPES que é o Primeiro...)
Tanto paleio... pronto! Pronto... cá vai, um pouco de História nunca fez mal... O proibido é, provavelmente, um reflexo do domínio do religioso sobre o público e o privado. A mitologia ocidental está cheia de personagens em que se associam sexo, amor, erotismo e alguma libertinagem; e na Bíblia, o que não falta são passagens que deixariam muitos líderes religiosos ruborizados, se lessem o texto sagrado com o olhar desarmado. Para encalmar ainda mais o tema (digo eu), existe a tradição de mulheres dominadoras, históricas e míticas, que utilizaram o sexo como instrumento de poder, como Afrodite, Cleópatra, Salomé, Messalina. Diante delas, o imaginário viril masculino criou o seu contraponto no herói amoroso, símbolo do individualismo machista, que transita entre o erótico e o pornográfico, fragmentado numa dupla personalidade.
Mas houve um período, o século XVIII europeu, em que amor e sexo estavam associados à reforma política, e a inspiração filosófica centrava-se no libertino, modelo de pensadores e artistas como Diderot e Laclos. No século XX, com o advento da psicanálise, o amor adquiriu a fama de ter-se libertado dos tabus e preconceitos formados ao longo da história. Produziu-se vasta literatura, em que é possível consultar de Freud a Jung, de Denis de Rougemont a Michel Foucault, para explicar o erotismo, a sexualidade, a pornografia.
Deve-se recordar (veja-se a Antologia pornográfica: de Gregório de Mattos a Glauco Mattoso, org. de Alexei Bueno, publicado pela editora Nova Fronteira do Rio de Janeiro) que a literatura de língua portuguesa tem longa tradição na presença do erótico e do pornográfico entre os seus melhores cultores. Basta consultar o livro Cantigas d'escarnio e de mal dizer dos cancioneiros medievais galaico-portugueses, de Rodrigues Lapa, para se encontrar grande número de poemas impudicos, que iam do Rei Sábio, Afonso X, ao trovador Afonso Eanes do Coton, que descrevem o sexo sem nenhum acanhamento, misturando o sagrado e o profano, numa mostra da liberdade de costumes da época.
A partir da Renascença, com Gil Vicente e Luís de Camões, até ao século XX, com António Botto e David Mourão-Ferreira, o deus Eros esteve sempre presente na sua forma mais crua na pena de autores portugueses, conforme se pode verificar na clássica Antologia de poesia portuguesa erótica e satírica, organizada por Natália Correia, nos anos 60.
Depois disto tudo, tenho sérias dúvidas se o Lopes merece tanta cerimónia... agora, agora..., tenho que acabar... o melhor vem a seguir! Falta dizer que a apresentação/divulgação da poesia erótica e satírica deve-se, em grande parte, à recolha feita pela equipa do DIZ QUE DISSE. Deste modo (e neste jeito), o ALBARDEIRO fica muito agradecido a este esplendor de textos em língua portuguesa.
Texto primeiro para o Primeiro...
Joguete Direito
(esta cantiga terá sido dedicada a Pero Rodrigues Grongelete, uma vez que constava que a sua mulher lhe era infiel...)
Pero Rodrigues, da vossa mulher,
não acrediteis no mal que vos digam.
Tenho eu a certeza que muito vos quer.
Quem tal não disser quer fazer intriga.
Sabei que outro dia quando eu a fodia,
enquanto gozava, pelo que dizia,
muito me mostrava que era vossa amiga.
Se vos deu o céu mulher tão leal,
que vos não agaste qualquer picardia,
pois mente quem dela vos for dizer mal.
Sabei que lhe ouvi jurar outro dia
que vos estimava mais do que a ninguém;
e para mostrar quanto vos quer bem,
fodendo comigo assim me dizia.
CONTINUA
Tresanda a libertinagem... isto é só uma amostra!