Albardas e Alforges... nunca vi nada assim! Minto... já vi!
Domingo, 10 de Outubro de 2004
CÍRCULO FECHADO

Será que já cheguei ao ponto de dizer que diariamente perco a fé no poder da liberdade de expressão neste país. Se assim for, é uma derrota séria e triste. Face ao que “paira no ar” e aos prenúncios, começo a desconfiar que embora aparentemente sólida, a minha liberdade garantida constitucionalmente é na realidade ténue. Pior do que apenas ténue, é muito facilmente esquecida quando as partes interessadas tem alguma influência, muito dinheiro, e poucos escrúpulos.


Numa democracia, a imprensa não deve ser controlada pelo governo. Os governos democráticos não têm ministros da informação para decidir sobre o conteúdo dos jornais nem sobre as actividades dos jornalistas; não exigem que os jornalistas sejam investigados pelo Estado; nem obrigam os jornalistas/comentadores a omitir a crítica em órgãos de comunicação mancomunados ou controlados pelo governo.


Uma comunicação social livre informa o público, responsabiliza os dirigentes e proporciona um fórum para o debate das questões locais e nacionais. As democracias apoiam a existência de uma imprensa livre. Um Poder Judiciário independente, uma sociedade civil num Estado de Direito e liberdade de expressão apoiam todos uma imprensa livre. Uma imprensa livre deve ter protecção legal. Parece-me que isto são os mecanismos básicos de qualquer sociedade democrática, consignados na lei que rege o meu país... ou já não é assim?! Segue-se um texto do Hugo Fernandez.


CÍRCULO FECHADO


Entre as mais citadas e polémicas definições de Política está seguramente a de Carl Schmitt, segundo a qual a esfera política seria a expressão acabada da relação amigo-inimigo. A actividade política não seria mais do que o reflexo de um conflito eterno entre a defesa dos amigos e o combate aos inimigos. Ora, um conflito desta natureza e com esta intensidade só podia ser resolvido, em última instância, pelo uso da força. A guerra tornava-se, assim, o instrumento por excelência da dominação política, quer internamente, quer no âmbito externo. Carl Schmitt era um eminente académico na Alemanha dos pós-I Guerra Mundial e durante a República de Weimar. Criticando a fraqueza da democracia parlamentar, que tendia a resolver os conflitos políticos pela negociação e o compromisso, e esbater a dicotomia atrás enunciada pelos conceitos mais fleumáticos de correligionários-adversários, Carl Schmitt acaba por aderir ao Partido Nazi em 1933 – no mesmo ano, sublinhe-se, que também o fez Martin Heidegger.


Claro está que esta suposta solução peca por ser extremamente efémera e, por isso, pouco eficaz. Basta que novos contendores se apresentem para a luta. O que, mais cedo ou mais tarde, inevitavelmente acabará por acontecer. Mas o que é facto é que esta teoria fez o seu caminho e apresenta-se hoje com uma legitimidade renovada. Lembremo-nos da actualização deste maniqueísmo através da caricatura política dos neoconservadores americanos entre as forças do Bem e o Eixo do Mal, com as consequências belicistas que conhecemos. Ou a visão das coisas que é propagandeada por todos os fundamentalismos deste mundo.


Em Portugal também tivemos um longo período de salazarento “quem não está connosco, está contra nós”. Pensaríamos que essa época de silenciamento – quando não de eliminação – dos adversários políticos já tinha acabado. Ultimamente temos, porém, assistido a coisas verdadeiramente extraordinárias. Há pouco tempo, tentou-se silenciar os defensores da interrupção voluntária da gravidez com vasos de guerra. Depois, afastam-se da opinião pública vozes incómodas para o poder, com a cumplicidade servilista dos tiranetes responsáveis por alguns orgãos de comunicação social. Ultimamente falou-se até da crise do marcelismo (triste exemplo!) a propósito da actual situação da governação do país. Resta saber quem, nos dias que correm, representará o papel de Marcelo Caetano.


O sinistro preceito jurídico-político do delito de opinião parece ter voltado. A continuarmos assim, podemos estar certos de uma coisa: a decência e a dignidade serão sempre espezinhadas pela ganância e pela prepotência. Até ver!



publicado por albardeiro às 16:20
link do post | favorito

De planicie-heroica a 11 de Outubro de 2004 às 00:29
Apoiado,
um bom texto, claro, elucidativo e pertinente.

Um abraço,
Francisco Nunes


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