Será que já cheguei ao ponto de dizer que diariamente perco a fé no poder da liberdade de expressão neste país. Se assim for, é uma derrota séria e triste. Face ao que paira no ar e aos prenúncios, começo a desconfiar que embora aparentemente sólida, a minha liberdade garantida constitucionalmente é na realidade ténue. Pior do que apenas ténue, é muito facilmente esquecida quando as partes interessadas tem alguma influência, muito dinheiro, e poucos escrúpulos.
Numa democracia, a imprensa não deve ser controlada pelo governo. Os governos democráticos não têm ministros da informação para decidir sobre o conteúdo dos jornais nem sobre as actividades dos jornalistas; não exigem que os jornalistas sejam investigados pelo Estado; nem obrigam os jornalistas/comentadores a omitir a crítica em órgãos de comunicação mancomunados ou controlados pelo governo.
Uma comunicação social livre informa o público, responsabiliza os dirigentes e proporciona um fórum para o debate das questões locais e nacionais. As democracias apoiam a existência de uma imprensa livre. Um Poder Judiciário independente, uma sociedade civil num Estado de Direito e liberdade de expressão apoiam todos uma imprensa livre. Uma imprensa livre deve ter protecção legal. Parece-me que isto são os mecanismos básicos de qualquer sociedade democrática, consignados na lei que rege o meu país... ou já não é assim?! Segue-se um texto do Hugo Fernandez.
CÍRCULO FECHADO
Entre as mais citadas e polémicas definições de Política está seguramente a de Carl Schmitt, segundo a qual a esfera política seria a expressão acabada da relação amigo-inimigo. A actividade política não seria mais do que o reflexo de um conflito eterno entre a defesa dos amigos e o combate aos inimigos. Ora, um conflito desta natureza e com esta intensidade só podia ser resolvido, em última instância, pelo uso da força. A guerra tornava-se, assim, o instrumento por excelência da dominação política, quer internamente, quer no âmbito externo. Carl Schmitt era um eminente académico na Alemanha dos pós-I Guerra Mundial e durante a República de Weimar. Criticando a fraqueza da democracia parlamentar, que tendia a resolver os conflitos políticos pela negociação e o compromisso, e esbater a dicotomia atrás enunciada pelos conceitos mais fleumáticos de correligionários-adversários, Carl Schmitt acaba por aderir ao Partido Nazi em 1933 no mesmo ano, sublinhe-se, que também o fez Martin Heidegger.
Claro está que esta suposta solução peca por ser extremamente efémera e, por isso, pouco eficaz. Basta que novos contendores se apresentem para a luta. O que, mais cedo ou mais tarde, inevitavelmente acabará por acontecer. Mas o que é facto é que esta teoria fez o seu caminho e apresenta-se hoje com uma legitimidade renovada. Lembremo-nos da actualização deste maniqueísmo através da caricatura política dos neoconservadores americanos entre as forças do Bem e o Eixo do Mal, com as consequências belicistas que conhecemos. Ou a visão das coisas que é propagandeada por todos os fundamentalismos deste mundo.
Em Portugal também tivemos um longo período de salazarento quem não está connosco, está contra nós. Pensaríamos que essa época de silenciamento quando não de eliminação dos adversários políticos já tinha acabado. Ultimamente temos, porém, assistido a coisas verdadeiramente extraordinárias. Há pouco tempo, tentou-se silenciar os defensores da interrupção voluntária da gravidez com vasos de guerra. Depois, afastam-se da opinião pública vozes incómodas para o poder, com a cumplicidade servilista dos tiranetes responsáveis por alguns orgãos de comunicação social. Ultimamente falou-se até da crise do marcelismo (triste exemplo!) a propósito da actual situação da governação do país. Resta saber quem, nos dias que correm, representará o papel de Marcelo Caetano.
O sinistro preceito jurídico-político do delito de opinião parece ter voltado. A continuarmos assim, podemos estar certos de uma coisa: a decência e a dignidade serão sempre espezinhadas pela ganância e pela prepotência. Até ver!