Começo pela “algazarra” provocada pelo governo e de alguns dos seus cães de guarda ao parecer da AACS, e continuo com a chamada de atenção, de um lado, pela desfaçatez, pela falta de vergonha na cara dos controladores da informação neste paÃs; de outro, pelo grau de submissão e conivência que une a gente dos média, do estagiário mais novo ao “respeitado comentador/colunista” pretensioso e pardo (“independente” só na cozinha da casa dele). Se todas as actividades têm as suas instâncias reguladoras, por que não a comunicação social? (E o que existia/existe, antes do caso Marcelo, servia. Depois das conclusões a que chegou, não serve). Esta é a interrogação simples, para uma resposta, não tenhamos dúvidas, também simples: pela simples sugestão ou insinuação de que o controlo da informação e a divulgação da informação, hoje a cargo da meia dúzia de grupos/famÃlias donas da comunicação social, mancomunados com o poder polÃtico, seja esclarecido e dado a conhecer à sociedade civil. Os controladores dos média, ou “donos do mundo”, tremem nas “canetas” à mera cogitação dessa ideia. Alegam os mancomunados que não existe “censura” e “ameaças à liberdade de expressão e de imprensa”. ArtifÃcio de cinismo para esconder o que de facto ocorre: que os censores são eles mesmos, os donos do jornal, revista, redes de televisão e afins. Liberdade? As redacções dos jornais, televisões e revistas são hoje o reino dos censores, os directores de redacção e de alguns “editorezinhos” fantoches. Censura, cerceamento à liberdade de expressão hoje, têm outro nome: chamam-se redacção de jornal, de telejornal, de revista e outros impressos da “doutrinação”.
As cenas mais risÃveis, actualmente, estão relacionadas com a criação/atribuição dessas panóplias que os médias inventam para que os seus profissionais se premeiam uns aos outros, costume cruel, que, de si só, já tira metade da credibilidade desses portadores –, pois os ditos profissionais ao receberem o prémio, geralmente de “melhor cobertura de qualquer coisa...” ou jornalismo polÃtico ou coisa que o valha, pronunciam-se pela independência e deontologia, dizendo, em palavras pardacentas, algo que se resume em: “porque nós não precisamos, nós sabemos fazer, esse prémio mostra que nós sabemos fazer”! Pasmem... terminam sob os aplausos acalorados e comprometidos de uma plateia de cúmplices da sua classe. Como se a questão fosse essa (saber ou não saber fazer jornalismo, receber ou não receber esses oscarzinhos fabricados pelos média).
Até prova em contrário, continuo a pensar que é necessário um órgão independente e responsável, escolhido pela sociedade civil, para arbitrar e garantir a isenção na comunicação social: chame-se Alta Autoridade... Conselho de ... ou outra denominação. Um órgão desta natureza tem que ser sempre uma instituição séria e importante: para combater a censura invisÃvel exercida dentro das redacções, que impede o cidadão de receber a informação justa, que, em palavras de Ignacio Ramonet, “cria uma espécie de tela. Uma tela opaca que oculta, que torna eventualmente mais difÃcil do que nunca, para o cidadão, a procura da informação justa. (...) A censura já não é visÃvel, precisamos desenvolver um esforço de reflexão ainda maior para conseguirmos compreender os novos mecanismos em que ela assenta”.
Mas o que esperar sobretudo de jornalistas de televisão? São os tipos mais submissos e alienados da profissão: amarrados pelos altos salários que a televisão oferece, só fazem o que o patrão manda, são meros papagaios reprodutores de pautas impostas a pulso, de textos editados e reeditados, cortados até ao tutano, homogeneizados à moda da “linha editorial” (ou linha de montagem da censura) do veÃculo. “A imprensa escrita e audiovisual é dominada por um jornalismo reverente”, como bem diz Serge Halimi, “por grupos industriais e financeiros, por um pensamento de mercado, por redes de conivência. Um pequeno grupo de jornalistas, omnipresentes, impõe a sua definição de informação-mercadoria a uma profissão cada vez mais fragilizada pelo medo do desemprego. Eles servem aos interesses dos donos do mundo. São os novos cães de guarda” (Serge Halimi, Les Nouveaux Chiens de Garde). A censura existe, sim. Não é igual à censura das ditaduras, funciona de outra maneira.
“Como se oculta hoje a informação?”, pergunta Ramonet. “Através de um aumento de informações: a informação é dissimulada ou truncada porque há demasiada para consumir. E não chegamos mesmo a aperceber-nos da que falta.” Além disso: a censura da redacção de um jornal “consiste em suprimir, em amputar, em proibir um certo número de aspectos dos factos, ou até a totalidade dos factos, a ocultá-los, a escondê-los”. A tudo isso, diz ele, vem juntar-se aquela prática muito difundida nos meios mediáticos que consiste, para qualquer jornalista que pretenda fazer normalmente carreira no meio, não criticar as práticas criticáveis dos seus confrades. “Os média, para venderem, têm de dar uma boa imagem de si mesmos e têm, pelo menos, de fazer acreditar na sua própria integridade e imparcialidade.” Na “nova ordem mundial” em voga, a informação é impulsionada e guiada pelo mercado e caracteriza-se, por uma crescente concentração, tanto dos meios de comunicação quanto das empresas de telecomunicações, e pela homogeneização dos conteúdos, o que desemboca no nefasto fenómeno do “pensamento único”.
“Questionamo-nos sobre o futuro dos jornalistas. Eles estão em vias de extinção”, diz Ignacio Ramonet. “O sistema já não os quer. Podia funcionar sem eles. Ou digamos, antes, que aceita funcionar com eles, mas atribuindo-lhes um papel menos decisivo: o de operários numa produção em cadeia (...). Dito de outra maneira, rebaixando-os para a categoria de retocadores de despachos de agência. A qualidade do trabalho dos jornalistas está em vias de regressão e, com a precarização galopante da profissão, acontece o mesmo com o seu estatuto social.” Termino com uma citação da pessoa que, pela sua conduta e percurso jornalÃstico/literário, é, em grande medida, responsável por estar, aqui, desta forma, a “apresentar” este “lamento/preocupação” sobre as vicissitudes que campeiam no “reino cadaveroso” da comunicação social - a escritora brasileira, Marilene Felinto*, afirma a autora: “outro dia, a minha editora de livros reclamou que tenho pouca inserção na mÃdia, que a mÃdia resiste a meu nome quando se trata da divulgação dos meus livros. Pois prefiro morrer de fome a vender um único exemplar se, para isso, tiver de entrar no jogo do conchavo geral do jornalismo-mercadoria. Nunca entrei. Nunca entrarei. Mais do que a mÃdia resistir a meu nome, resisto eu a ela – e com todo o desprezo a que tenho direito.”
Quantos poderão resistir desta maneira?!
(*)Marilene Felinto: A pernambucana Marilene Felinto formou-se em Português e Inglês, LÃngua e Literatura pela Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo em 1981. De lá para cá, escreveu os romances As mulheres de Tijucopapo- - traduzido para o inglês, alemão e francês - e O lago encantado de Grongonzo, o volume de contos Postcard, além de um ensaio biográfico sobre Graciliano Ramos. Em 1983, recebeu o prémio Jabuti na categoria Autor Revelação. Em 1992, foi convidada pela University of California-Berkeley para ministrar um minicurso de literatura brasileira e, dois anos depois, pela Haus Der Kulturen der Welt para participar num circuito cultural de literatura brasileira pela Alemanha. Em 1998, foi convidada pelo Ministério da Cultura de França para participar no Salão do Livro de Paris em homenagem ao Brasil. Foi colunista da Folha de S. Paulo e consultora editorial da Editora Globo. Em 2001, o seu livro, Jornalisticamente incorreto, foi um dos finalistas do Prémio Jabuti na categoria crónicas.
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