Hoje, é a vez do Hugo Fernandez. Todavia, o texto do meu amigo suscitou-me uma breve introdução, sobretudo, para “visualizar” outras formas de perspectivar o real, provavelmente um pouco diferente da doutrina que actualmente prevalece baseada, como o Hugo afirma (carregado de razão) num «espÃrito de perigoso maniqueÃsmo e de simplista dicotomia entre “nós” e “eles”, “amigos” e “inimigos”, “bons” e “maus”». Milhares de anos de "evolução e - os homens não mudaram. E creio que não é de mais armas que o mundo precisa, nem mesmo de mais e sofisticadas tecnologias, ainda que desejáveis. O mundo parece precisar (urgentemente) é de mais humanidade, ainda que esse termo pareça dizer muito pouco nos dias que correm. Creio que o mundo precisa de mais polÃtica, mas entendida no sentido das negociações – esvaziou-se o sentido democrático da polÃtica. A dimensão polÃtica parece exigir organismos mundiais e meios para fazer valer as suas deliberações. Parece faltar a esses, contudo, autonomia e capacidade para se impor aos interesses particulares. Essa dimensão parece exigir, na perspectiva dos participantes, disposição para renúncias e perdas. Renunciar e perder parece ser necessário. Talvez o mundo precise e espere, hoje, a grandeza dos mais fortes. Infelizmente, somente aos mais fortes parece dada a oportunidade de definir a agenda do futuro. Somente aos mais fortes é dado o privilégio de fazer valer a aposta da negociação, da diplomacia, do diálogo e da solidariedade acima dos ódios e rancores, da intolerância e dos preconceitos mal disfarçados e até mesmo explÃcitos, milenariamente enraizados na alma de povos, Por isso, o tempo hoje parece exigir que as partes percam um pouco, renunciem, sobretudo e primeiramente as mais fortes. Essa perda, essa renúncia, poderá criar oportunidades a que outras partes se possam sentar à mesa, estabelecendo-se aà a primazia da polÃtica e da diplomacia. A paz tão almejada parece exigir a revalorização da polÃtica, que há muito vem fazendo falta. Vai longa a introdução... chega!
ACONTECIMENTOS
O historiador francês Michel Winock estabeleceu quatro variáveis destinadas a definir e avaliar a importância do “acontecimento histórico”: intensidade, imprevisibilidade, repercussão e consequências. E, para o caso, falava-se de acontecimentos maiores da História da humanidade, desde a queda de Roma às mãos dos Bárbaros, até à tomada da Bastilha ou o derrube do muro de Berlim. O ataque ao World Trade Center e ao Pentágono nos E.U.A, em Setembro de 2001, marca um dos mais recentes episódios deste tipo de situações marcantes do devir histórico.
Visto à luz desta taxionomia, o acontecimento que agora nos ocupa é visivelmente modesto. No entanto pensamos que este, como outros, constitui um pequeno acontecimento que, na sua aparente insignificância, reflecte de forma fugaz mas muito clara, o que se passa e o que se poderá vir a passar. A sua principal caracterÃstica radica no intenso simbolismo que encerra, mais do que nas caracterÃsticas antes apontadas. Constitui, isso sim, verdadeiro “sinal dos tempos”. Por isso é merecedor de atenção.
Acontece que, após as eleições norte-americanas, George W. Bush, não só ignorou um telegrama e um telefonema que o primeiro-ministro espanhol José LuÃs Zapatero lhe endereçou, felicitando-o pela sua reeleição, como ostensivamente não retribuiu estas iniciativas, através de um agradecimento, ainda que protocolar. Pelo contrário fez questão de receber numa longa audiência o ex-primeiro-ministro espanhol José Maria Aznar, seu fiel aliado e correligionário polÃtico. Classificada como “privada”, serviu precisamente para Bush agradecer um artigo que Aznar escreveu no Wall Street Journal louvando a reeleição do presidente americano. Duvidamos que tal acto se fique a dever à distracção ou à incúria.
Estes factos revelam-nos, pelo contrário, duas coisas. Por um lado, que a concepção que os responsáveis governamentais dos E.U.A têm de democracia é profundamente distorcida. Por outro lado, que radicam toda a sua actuação polÃtica num espÃrito de perigoso maniqueÃsmo e de simplista dicotomia entre “nós” e “eles”, “amigos” e “inimigos”, “bons” e “maus”, não consentindo diferenças de opinião ou de interesses. Foi, aliás, o que Bush fez questão de frisar logo após os atentados do 11 de Setembro: o célebre “ou estão connosco ou estão com os terroristas”.
Ora, foi precisamente contra as simplificações e as mentiras que Zapatero ganhou as eleições espanholas. Contra a mentira da autoria do atentado de Atocha e contra a mentira da existência de armas de destruição maciça e da ameaça do regime de Saddam para o mundo – lembram-se? – como justificação para a invasão do Iraque. Foi contra a subserviência ao poder americano e a recusa em participar num conflito que tem por único objectivo proporcionar aos E.U.A vantagens geo-estratégicas e novas fontes de abastecimento de recursos energéticos, que Zapatero se tornou primeiro-ministro de Espanha e retirou as tropas espanholas do Iraque. Bush não lhe perdoou.
Acresce outra diferença. É que Zapatero conhece o valor da democracia e aceita as suas regras. Bush não. Quem não se vergar à sua vontade, torna-se um inimigo a abater. A intolerância e fundamentalismo da actual administração americana só tem comparação no que a provocadora gravata vermelha, que Ariel Sharon ostentou no dia em que faleceu o lÃder palestiniano, simboliza. A grosseria e incumprimento das regras de civilidade estabelecidas na comunidade internacional são muito mais do que simples falta de cortesia. São sinais de fanatismo.
Recorde-se que, nas eleições americanas, reconhecidamente decisivas para o paÃs e para o mundo, apenas 60% dos eleitores se preocuparam em ir votar, o que foi considerado, nos E.U.A, um recorde de participação. Quase metade dos americanos ficaram em casa. Quem ganhou teve pouco mais do que 30% dos votos! É pouco, muito pouco. E se a democracia americana tem este grau de fragilidade, é natural que em relação aos outros paÃses, o poder americano não tenha grandes “cerimónias”. Tratando muitas zonas do nosso globo como o seu “quintal”, os paÃses são autorizados a serem democráticos e independentes, desde que façam o que os E.U.A lhes dizem. A América do Sul ou o Iraque são exemplos flagrantes das privações e destruições a que são sujeitos todos aqueles que ousem opôr-se ao domÃnio imperial americano. Por isso é que a administração Bush arregimentou Portugal, Espanha ou sobretudo a Grã-Bretanha e hostilizou de forma totalmente desajustada a França ou a Alemanha. Para além das conhecidas divergências em relação à invasão do Iraque, o que está sobretudo aqui em causa é que foram precisamente estes últimos paÃses que foram mais respeitadores da vontade das suas populações e, por isso, se comportaram de forma exemplarmente democrática. Ao contrário dos governos aliados de Bush, que agiram à revelia da vontade das suas populações. No caso espanhol, aqueles que se mostravam favoráveis à guerra, chegaram a ser apenas 2%.
Basta ver, a este propósito, o tipo de “democracias” que os E.U.A apoiam por todo o mundo. É, aliás, curioso observar que o malogrado Yasser Arafat foi, apesar de tudo o que se possa criticar na sua actuação, democraticamente eleito. Constituindo um caso extremamente raro no Médio Oriente, foi imediatamente ostracizado e erigido como o principal obstáculo para o processo de paz na região. Porquê? Porque não fazia aquilo que os americanos queriam que ele fizesse. A intolerância perante perspectivas alternativas é total. Por isso, para a administração norte-americana, só é “democrata” quem cumprir cabalmente o papel que Washington lhe destinou. Os outros são empecilhos a remover quantos antes. E, como se vê, todos os meios serão usados para o efeito. Será que ainda veremos tanques americanos nas ruas de Madrid?
Pura demagogia, dirão. Talvez não seja assim. Afinal, na edição da revista Visão de 24 de Novembro, num artigo intitulado “Bin Bush”, o advogado americano Stanley Hilton, jurista republicano de méritos reconhecidos, que já foi chefe de gabinete do antigo senador Bob Dole, ex-candidato à presidência pelo Partido Republicano, vem acusar o actual presidente dos E.U.A de – nem mais, nem menos! – planear e mandar executar os ataques à s Torres Gémeas e ao Pentágono, para justificar a invasão do Iraque e limitar drasticamente as liberdades dos próprios americanos. Ao seu lado estão 400 familiares das vÃtimas dos atentados que querem que o caso vá a julgamento. Stanley Hilton recorda, a propósito, a operação Northwoods, planeada em 1962 para justificar a invasão de Cuba – e que nunca chegou a ser executada – em que se previa a preparação de uma série de acções terroristas em cidades dos Estados Unidos, se necessário com a morte de cidadãos e mesmo de militares norte-americanos, para atribuir as culpas a Cuba e provocar uma onda de indignação nacional favorável ao ataque. Como se sabe, ao longo da História, este tipo de expediente está longe de ser uma novidade. “Bush é culpado de traição e assassinato em massa”, diz o advogado. Aliás, segundo sondagens recentes, pelo menos metade dos nova-iorquinos considera que a administração Bush está, de alguma maneira, implicada no 11 de Setembro.
Por isso, talvez não seja igualmente por acaso que poucos dias depois de ter afirmado que, tal como os iraquianos, também não gostaria de ver os tanques americanos invadirem o seu paÃs, o Alto Comissário das Nações Unidas no Iraque, o brasileiro Sérgio Vieira de Mello, tenha sido vÃtima de um atentado, que destruiu a representação da ONU em Bagdad. Curiosamente, entre as numerosas vÃtimas, não constaram funcionários ou militares americanos.
Há acontecimentos assim. Não sendo decisivos, são significativos. Mais do que isso. Encerram na sua singeleza um enorme simbolismo. Condensam as tensões existentes e potenciam acontecimentos maiores. São pequenos sinais que reflectem os tempos em que vivemos.
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