Mais do que nos dar informações sobre alguém e as suas circunstâncias, as obras biográficas têm a função de lançar desafios práticos, suscitar aspirações, desencadear desejos de incorporações dos leitores às causas do personagem biografado. Biografias, em última instância, descrevem modelos, cuja essência é provocar alguma forma de ascese naqueles que transitam pelo chão comum da história.
António Gramsci: vida e obra de um revolucionário coloca-nos frente a frente com um jovem (sardo) desprovido de saúde e de condições materiais de sobrevivência, mas que, influenciado pela mãe, culta para o seu contexto, desejava ser professor de língua e literatura. Quase que atropelado pela história, durante a sua intranquila vida universitária, ocupou-se das questões da cultura operária e popular, sendo, enfim, levado ao engajamento político revolucionário, por conta das lutas sociais dos tempos da sua juventude. A profundidade do seu pensamento, entrelaçada com o optimismo da sua vontade férrea, manteve incorruptível a sua posição ideológica e a sua prática revolucionária, mesmo que para isso tivesse de suportar a violência sobre a sua liberdade, saúde e estrutura familiar. A coerência é a marca das grandes personalidades, pelo menos daquelas que merecem sucessivas descrições biográficas. É o caso.
(Re)ler Gramsci, no momento que nos trespassa, é um exercício intelectual de rara relevância. Afinal, trata-se de um dos mais importantes pensadores clássicos da política que o último século conheceu.
(Re)ler Gramsci pode ser, também, uma tentativa de captar e elevar ao palco dos conceitos os complicados processos de transformação que atingem as sociedades contemporâneas, (Portugal tem dado bastante para este balanço). Ou seja, uma tentativa de surpreender a crítica teórica e prática das sociedades exactamente ali onde ela nasce, se reconstrói e se projecta para este novo século, apesar de todos os obstáculos.
Depois da queda de todos os muros, descobrir que Gramsci está vivo e recomenda-se (vejam-se os Blogs orgânicos do centro-direita). Ficamos ainda mais convencidos de que Portugal é um enorme laboratório político, no qual as categorias gramscianas - e da esquerda em geral - devem voltar a mostrar a sua força analítica e o seu poder de convicção quando o bem público e os elementares direitos cívicos assim o impõem. Estão lançadas as razões de uma esquerda democrática, cuja implantação social e consistência político-cultural faz todo o sentido, porque a alternativa da barbárie estava cada vez mais palpável.
A ler: António Gramsci: vida e obra de um revolucionário, de Mário Maestri e Luigi Candreva (São Paulo, Expressão Popular, 2001, 224 p.).