Dadas as caracterÃsticas da conjuntura actual., em que o espectro da «crise» se agita sem cessar, admitir-se-à ser útil recordar algumas observações que o filósofo e polÃtico italiano António Gramsci fez há 70 anos nas suas reflexões sobre Maquiavel. Analisando as situações nas quais a classe dirigente fracassa num determinado empreendimento polÃtico, «em nome do qual pediu ou impôs pela propaganda o consenso das grandes massas», Gramsci comentou: nesses casos, fala-se em «crise de autoridade», mas o que se verifica é uma «crise de hegemonia, ou crise do Estado no seu conjunto».
Será, então, possÃvel dizer que a nossa crise deriva do facto de que a classe dirigente fracassou no seu principal empreendimento polÃtico e por isso perdeu o consenso e o consentimento dos “cidadãos”? Com o devido cuidado e sem querermos forçar o raciocÃnio, achamos que sim. Talvez se possa mesmo afirmar que, em rigor, no plano histórico mais geral, nenhum grupo dirigente (geracional/partidário/) conseguiu exercer uma efectiva “hegemonia” (no plano dos valores da democracia/ética/polÃtica) entre nós, desde que entendamos por hegemonia a capacidade de obter apoio activo e imprimir uma direcção moral e intelectual à sociedade. Isso, porém, levar-nos-ia longe demais. Mas há algo que não precisa de muita investigação, salta à vista: é que a nossa actual classe dirigente -- que congrega na sua base uma diversidade de grupos e interesses -- nunca chegou a apresentar um desenho/estratégia/projecto ao (de) paÃs e uma moral que a credenciassem à hegemonia, no sentido atrás definido. O seu simulacro de projecto sempre foi o do economicismo, secundado por uma vaga ideia de modernização entendida como «abertura para o mundo» (que mundo? Terceiro! Primeiro! Dos antÃpodas!) e por uma categórica opção pelo «mercado» sem ter nada para oferecer a esse mercado. Nunca apresentou à Nação (ao povo) que PaÃs estava disposta a construir, nunca a conclamou a aderir a algo mais substantivo (só se for o pontapé na bola!). Nomeadamente, agora, quando o falhanço foi/é total e hegemónico, quando os próprios sectores económicos (todos!) bradam contra o governo e este se entregou a uma mera radicalização da sua ideia matriz (lembram-se – estabilidade e controlo do défice), como se pode dizer que temos apenas uma «crise de autoridade» ou de governabilidade? Estamos é diante de uma profunda ausência de hegemonia.
Todavia, porém, não quer dizer que o fracasso deste governo seja absoluto ou que, pasme-se, já amadureceu uma nova capacidade hegemónica, quer dizer, uma nova disposição de forças que traga consigo um outro empreendimento polÃtico - um outro projecto - e possa em nome dele postular a condução do nosso paÃs. Se a crise é de hegemonia, diria Gramsci, preparem-se - podemos esperar que dela resultem muitas «situações delicadas e perigosas», pois os diversos grupos partidários/polÃticos (sobretudo os que neste momento são poder) não têm «a mesma capacidade de se orientar e de se reorganizar rapidamente». Existe um risco claro de fugas para a frente! Paira no ar, muita ansiedade e afã de poder e de notoriedade. Nem sempre se produzem autênticas soluções orgânicas, impostas pela fusão dos oposicionistas e dos que estão fora do poder. Pode parecer descabido e absurdo, todavia, podem surgir, por exemplo, soluções de outro tipo, fundadas na força ou na actividade de homens providenciais ou de cariz messiânico (não é inédito, a nossa história tem vários registos!).
Donde ser possÃvel antedizer que a crise dos nossos dias não está necessariamente fadada a convergir para desfechos que beneficiem os grupos sociais desfavorecidos e os sectores que neste momento são oposição. Não que estejamos sendo impelidos para retrocessos autoritários ou para a revivescência de taras personalistas. Mas, como em toda a crise orgânica em paÃses desmemoriados, de população com elevada iliteracia, diferenciada e sempre à procura do vendedor de sonhos, com um sistema polÃtico fragilizado e atolado em vastos e difÃceis problemas, o facto é que a oposição nem sempre se mexe com rapidez e o governo ainda tem “boas” chances de se recompor, fazer alguns «sacrifÃcios» e retomar o controlo da situação. Tanto mais se conseguir contar com conjunturas internacionais favoráveis – não sei bem como, mas... desconfiem! Com franqueza, se agora ressurgir em cena (como alguém já disse) a “tralha” que já nos atolou, sejamos claros: o que não parece destinado a desaparecer é o nervo do problema - justamente a crise de hegemonia, a crise do Estado no seu conjunto. E contra essa crise de pouco adiantam as soluções cosméticas que têm sido aventadas nos últimos tempos. Para dar um rumo sério e credÃvel ao PaÃs (e não a este ou à quele governo em particular), carecemos mesmo é de uma efectiva reinvenção da polÃtica, com a qual seja possÃvel reformar democraticamente o Estado.
O DESASSOMBRAMENTO VAI CONTINUAR com a ajuda das leituras da ponte Atlântica de Milton Lahuerta, Marco Aurélio Nogueira, Fernando de La Cuadra, Alessia Ansaloni, Leandro Konder, Guido Liguori, etc.
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