Tem a palavra o Hugo Fernandez:
Na última edição de Novembro da revista Visão, verificou-se uma curiosa coincidência. Em vésperas do XVII Congresso do Partido Comunista Português e respondendo à pergunta “Como explica que não haja nenhum blogue de referência feito por comunistas?”, o dirigente comunista Ruben de Carvalho teceu as seguintes considerações (que transcrevemos na integra): “Os blogues são um tema que me inquieta. Em primeiro lugar, por me parecer que resultam de uma postura individualista, socialmente estéril e a fomentam. Inquieta-me que a maioria dos blogues portugueses seja de direita. Receio também o tipo de escrita, a sua brevidade, pouco susceptÃvel de elaboração e reflexão.” E sobre o assunto mais não disse.
Umas páginas adiante, encontramos um artigo sobre um dos mais conhecidos blogs do momento, o Barnabé, “um blogue de esquerda e heterodoxo que não é um albergue espanhol”, conforme afirmaram os seus autores no manifesto de apresentação, em Setembro de 2003. Estas opiniões, ainda por cima vindas de pessoas que se reivindicam da esquerda, não podiam ser mais dÃspares. Pensamos, isso sim, que o dirigente comunista falha claramente a análise da realidade. Vejamos.
A acusação feita por Ruben de Carvalho de que a maioria dos blogs portugueses é de direita, cai por si. Se ele conhece alguma evidência estatÃstica que o demonstre – o que duvidamos – não poderá negar a enorme audiência de blogs de esquerda como o Causa Nossa, Blogue de Esquerda ou o próprio Barnabé que, em determinadas alturas, contabilizou o surpreendente número de um milhão de leitores. Com a modéstia de um score muito menos significativo, também o Albardeiro é um projecto de gente solidamente de esquerda. Muitos outros há.
Por outro lado – e como escreveu no Albardeiro o meu amigo Domingos Caeiro – se é certo que os blogs nasceram como “representações do eu” e, por isso, “podem ser considerados narcÃsicos”, também é verdade que, representando alguém, os blogs proporcionam encontros e cumplicidades que podem reverter numa activa interacção com os outros. Todos os blogs acima citados são, de resto, feitos por várias pessoas. E esta tendência “comunitária” parece estar a frutificar. Verifica-se mesmo que há autores de blogs individuais que sentem a necessidade de se juntar num colectivo de reflexão; estamos a lembrarmo-nos, a tÃtulo de exemplo, do Torre de Menagem. Isto para além dos comentários que livremente são feitos aos post de cada um e que possibilitam a partilha e discussão de opiniões. Assim sendo, pensamos que esta comunidade virtual tem pouco a ver com a “postura individualista, socialmente estéril” de que fala o dirigente comunista, assumindo-se cada vez mais como elemento essencial de intervenção e de transformação do real, com consequências evidentes, quer a nÃvel nacional, quer a nÃvel local.
Aliás, a posição de Ruben de Carvalho é tanto mais estranha, quanto o seu próprio partido se queixa – e muitas vezes, com razão – da marginalização a que é votado por parte dos orgãos tradicionais de comunicação social. Ora, uma das conquistas da blogosfera, é, precisamente, o de dar uma possibilidade alargada de expressão de ideias e opiniões. A sua matriz constituinte resulta da circunstância de ser um espaço de comunicação livre e aberto. Esta sociabilidade pode constituir uma alternativa eficaz à opinião publicada nos media, tantas vezes limitada ou constrangida por interesses, pressões ou “distracções”. A autonomia e independência que o ciberespaço permite, pode contribuir para um aprofundamento da intervenção dos cidadãos e uma melhoria da qualidade da democracia, contrariando a função de “filtro” – ou “gatekeepers”, na conhecida terminologia das teorias sistémicas – que os meios de comunicação tradicionais têm em relação ao sistema polÃtico, assegurando a selecção dos conteúdos ou matérias que podem ou não podem ser tomadas em consideração pelos responsáveis polÃticos. Pelo contrário, a blogosfera permite o alargamento exponencial daquilo que Pierre Bourdieu define como “competência social” para ter opinião polÃtica, retirando-a do domÃnio exclusivista da tecnicidade burocrático-profissional. E se, em muitos casos, essa dimensão interventiva dos blogs ainda não se verifica, como diz o ditado “o caminho faz-se caminhando”.
Quanto aos receios manifestados por Ruben de Carvalho em relação ao “tipo de escrita, a sua brevidade, pouco susceptÃvel de elaboração e reflexão”, está longe de corresponder à realidade. Basta ler os textos dos blogs que citamos, para o comprovar. No que concerne à qualidade das “reflexões” do Albardeiro, só aos outros caberá fazer o respectivo julgamento. A liberdade de expressão constitui o maior trunfo da blogosfera. Ruben de Carvalho diz que há coisas que o “inquietam”. Para quem se reclama de esquerda, esta não pode, certamente, ser uma delas.
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