Albardas e Alforges... nunca vi nada assim! Minto... já vi!
Quinta-feira, 7 de Abril de 2005
...o que aí vem em termos da governação! PARTE 2ª

(CONTINUAÇÃO...)


Sociedade civil e Estado: que relação?


Voltando à questão da via Guiddeana e correndo o risco de simplificar diria como Marcos de Oliveira, que do ponto de vista giddeniano, a recuperação da legitimidade do poder estatal depende da sua capacidade de descentralização, transparência e abertura (talvez com isto esteja a responder a algumas dúvidas levantadas nos comentários anteriores!). Sim, é verdade...! Se possível, aprender com a prática empresarial (mas duvido do empresarialismo paternalista português), instituindo os seguintes mecanismos: controlo de metas, auditorias, estruturas flexíveis e mais participação (democracia directa). O Estado, porém, para “ser melhor que as empresas”, deve “procurar” a neutralidade: não ter “inimigos”, nem gerar a conflitualidade. Ou seja, deve ser ágil e cosmopolita na sua forma e essência, articulando tanto o global e o local, tanto quanto os interesses divergentes que caracterizam internamente uma sociedade. Como? Pela promoção da sociedade civil, através de uma teoria política que aumente a solidariedade social e diminua as diferenças económicas. A parceria entre governo e sociedade civil é a base, portanto, desta renovação da social-democracia de carácter comunitarista (serão os países nórdicos assim?). Os agentes dessa renovação estão no chamado “terceiro sector”, as associações voluntárias, que se caracterizam pela flexibilidade das suas acções e pela capacidade de autogoverno – fontes, portanto, de um novo sentimento de pertença e de bases dos valores pós-materialistas (creio que a Suécia e ultimamente a Finlândia são bons modelos).


É com base nesses pressupostos que Giddens, sem fazer uma “crítica das críticas”, não deixa de colocar a 3ª Via como a “única” forma de realizar as promessas da social-democracia: justiça e solidariedade social. Isto porque, argumenta ele, ela é a única capaz de lidar, “de maneira sofisticada”, com as questões da desigualdade e do corporativismo. Afirma ainda que a sua principal virtude é a de não ser um programa de um único partido ou país: é um programa completo de modernização política. E moderno aqui significa admitir a eficiência do mercado na criação de riqueza e o facto do capital privado ser essencial para o investimento social – isso sem questionar a origem deste capital -, o que quanto a nós é altamente preocupante. Ou seja, moderno aqui, portanto, significa admitir que o Estado pode criar desigualdades – isso sem questionar as estruturas de poder do capital sobre a acção estatal que produzem estas desigualdades.


Desta forma, Giddens substitui a “mão invisível” de Adam Smith pelo conceito de “currículo oculto”, que seria a capacidade de um mercado bem regulado produzir paz social. Apesar de imposto pela força, o capitalismo torna-se um sistema estável de relações sociais pela capacidade de fazer com que os consumidores possam escolher livremente os mais variados produtos. O mercado, acredita o autor, favorece atitudes responsáveis porque estimula o cálculo e o raciocínio – e não decisões burocráticas. Mas para não engendrar uma mercantilização, é preciso ajustes e controlo externo, que fornecerão os princípios éticos garantidos pela lei. Para frear os efeitos perversos da “energia empresarial”, que tende a criar monopólios, invoca-se o chamado “investimento em capital humano”, que deve ser “alimentado” pela acção conjunta do Estado, da família e das comunidades. O ideário da Terceira Via comporta, portanto, um viés keynesiano — ainda que restrito à intervenção participada.


E o principal instrumento desta intervenção participada, como já foi reconhecido, são os grupos que compõe o Terceiro Sector, a parte “mais dinâmica” da sociedade civil. Juntamente com o governo e a economia, este (3º Sector) torna-se um importante centro de poder decisório, um relevante actor para a constituição de um novo contrato social, em que os direitos são encadeados com responsabilidades sociais. Através destas “agências” é que o Estado pode promover o investimento em capital humano e, assim, se tornar um “Estado de investimento social”, no qual predomina uma nova economia mista. A sua função é a de promover a maximização da “igualdade de oportunidades”, que vai substituir os antigos mecanismos de welfare, que, como sabemos, criou novas formas de exclusão. A ressurreição das instituições públicas depende, ainda, de uma visão pluralista da estrutura social, tendente a substituir a noção monista que se instalou (embora não o parecendo) no estatismo português, ineficiente e hierarquizado onde campeiam as oligarquias “broncas”. O que se quer é um Estado Democrático Forte, não um Estado “grande”, monopolista e sobredimensionado.


Todavia, não tenhamos ilusões, no (nosso) caso português onde a amálgama das elites económicas arcaicas e patrimonialistas que sempre dominaram na esfera estatal, politicamente consubstanciadas, ora no centro-esquerda ora no centro-direita, têm sido incapazes de conduzir o Estado rumo àquilo que deve ser um Estado no século XXI. Isto é, temos um longo percurso a fazer na construção desse (outro) Estado. Porque o Estado pela qual pugnam os paladinos dessas oligarquias, nada mais é do que um travestido Estado Social-Liberal, revestido do enganoso sentido de que é "social porque continuará a proteger os direitos sociais e a promover o desenvolvimento económico" e "liberal, porque o fará usando mais os controlos de mercado e menos os controlos administrativos, porque realizará os seus serviços sociais e científicos principalmente através de organizações públicas não-estatais competitivas, porque tornará os mercados de trabalho mais flexíveis, porque promoverá a capacitação dos seus recursos humanos e das suas empresas para a inovação e para a competição internacional" (Ver - SADER, Emir. "Direitos e cidadania na era da 'globalização'". In BÓGUS, L. e PAULINO, A. Y. (orgs.). Políticas de Emprego, Políticas de População e Direitos Sociais, São Paulo, Educ, 2003). Inequivocamente, os fundamentos dessa matriz de Estado, indicam claramente a mercantilização dos direitos sociais e não a sua defesa; indicam uma retracção do Estado de direito; indicam uma instrumentalização dos direitos pela racionalidade económica; indicam algum retrocesso na construção democrática e no exercício da cidadania.


CONTINUA...



publicado por albardeiro às 15:52
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4 comentários:
De JVC a 14 de Abril de 2005 às 17:29
Uma gralha em outro comentário, que pode dificultar a percepção do que queria dizer:
Em vez de "julgo que tem que ver entidades reguladores fortes" leia-se "julgo que tem que haver entidades reguladores fortes".


De JVC a 14 de Abril de 2005 às 17:27
Essa parte 3ª está difícil!


De JVC a 8 de Abril de 2005 às 10:37
Concordo, em geral, mas parece-me que abre demasiadamente as portas ao neoliberalismo. Controlar o mercado apenas pelo investimento no capital humano parece-me pouco e algo utópico. Para um verdadeiro controlo, mas que também não abafe os mecanismos de mercado, julgo que tem que ver entidades reguladores fortes, de preferência independentes.
Também não concordo com um papel dominantedo mercado em relação aos bens e serviços públicos, nomeadamente a educação e a saúde. Uma coisa é serem geridos pelo estado com sentido de mercado ou quasi-mercado, outra é entregá-los totalmente ao mercado e à iniciativa privada.


De carlos a.a. a 7 de Abril de 2005 às 17:26
«Para frear os efeitos perversos da “energia empresarial”, que tende a criar monopólios, invoca-se o chamado “investimento em capital humano”, que deve ser “alimentado” pela acção conjunta do Estado, da família e das comunidades. O ideário da Terceira Via comporta, portanto, um viés keynesiano — ainda que restrito à intervenção participada.»

«Todavia, não tenhamos ilusões, no (nosso) caso português onde a amálgama das elites económicas arcaicas e patrimonialistas que sempre dominaram na esfera estatal, politicamente consubstanciadas, ora no centro-esquerda ora no centro-direita, têm sido incapazes de conduzir o Estado rumo àquilo que deve ser um Estado no século XXI. Isto é, temos um longo percurso a fazer na construção desse (outro) Estado. Porque o Estado pela qual pugnam os paladinos dessas oligarquias, nada mais é do que um travestido Estado Social-Liberal, revestido do enganoso sentido de que é "social porque continuará a proteger os direitos sociais e a promover o desenvolvimento económico" e "liberal, porque o fará usando mais os controlos de mercado e menos os controlos administrativos, porque realizará os seus serviços sociais e científicos principalmente através de organizações públicas não-estatais competitivas, porque tornará os mercados de trabalho mais flexíveis, porque promoverá a capacitação dos seus recursos humanos e das suas empresas para a inovação e para a competição internacional"»

Não é o caso português, estimado Albardeiro, é o caso de todo os Estados que estão cada vez mais dependentes dos valores que a comunicação social faz passar pois, esses sim, são dominados pelo capital sem rosto.
Em boa verdade, hoje toda a ideologia falhará se não tiver uma correspondência audiovisual. É aí que está o busílis de toda a questão - a ideológica, a política, a economia, a educativa e a formação de identidades. O poder do media ultrapassou em muito as características de poder político que lhe foram atribuídas enquanto "4ª poder". Hoje os media influenciam decisiva e inexoravelmente a formação da identidade e personalidade dos nossos jovens, conseguindo impor estados de alma, ou se se preferir, atitudes e comportamentos de massa, capazes de manietar um mero acto de compra de um bem ou até a forma de se dirigir aos pais.
O determinismo do económico que Marx anunciou, e bem, é agora determinado pelo audiovisual.


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