Albardas e Alforges... nunca vi nada assim! Minto... já vi!
Domingo, 17 de Abril de 2005
o que aí vem em termos da governação! PARTE 3ª

(CONTINUAÇÃO...)


O baque (gosto deste vernáculo) do muro de Berlim e o aluimento do ex-império soviético e do seu pseudo “socialismo real”, propiciaram um terreno fértil para que surgisse a enunciação de F. Fukuyama sobre “O fim da História”, da luta de classes e da contradição entre o mercado e o Estado. Na ânsia de prever e predizer o futuro, os arautos da derrota “irreversível” da esquerda não se cansaram de se basear em ideias genéricas para explicar casos específicos enquanto ignoraram (ignoram) as especificidades contextuais. Todavia, longe de ter esgotado o seu papel na História, o socialismo democrático ressurge como única alternativa humanista face à irracionalidade, aos desmandos e à alienação do sistema desregulamentador neoliberal.


Assim, diferentemente do confronto entre capital e trabalho nos séculos XIX e XX que polarizou os conflitos sociais e políticos, o socialismo democrático no nosso século forçosamente terá que ser construído pelas alianças e redes entre movimentos e organizações sociais, ao nível local, nacional e internacional. As suas lutas (um aviso claro a todas as corporações, desde logo, as sindicais) tem que transcender as questões salariais para enfrentar os problemas da exclusão social, do desemprego, da destruição de pequenas empresas da precarização das relações de trabalho, da biodiversidade e da devastação ambiental, do que resta das estruturas agrárias e urbana e, sobretudo, da defesa intransigente dos Direitos Humanos em todas as suas dimensões. A democratização da democracia tem que ter em linha de conta, para tanto, a preocupação sobre os problemas quotidianos, o que só pode ocorrer com a devolução do poder às organizações comunitárias responsáveis. O comunitarismo surge como alicerce eficaz para suster a desintegração social advinda do predomínio do mercado e da sua ideologia individualista. O seu fim é a restauração das virtudes cívicas e a sustentação dos fundamentos morais da sociedade.


Face aos relativismos que campeiam, provavelmente o “eu” ancorado na comunidade pressuporá a defesa da visão familiar, a revalorização das etnias, religiões e nacionalismos (desde que “sem” Estados dominados por ologarquias). É esta a essência do “cidadão reflexivo” no pressuposto giddeniano, produto paradoxal do que se chama globalização. Contudo, mais uma vez (se não podes com eles...) é na globalização que Giddens vê, as pequenas e médias empresas como as organizações capazes de congregar os reflexivos cidadãos da economia digital, portadores dos germes do dinamismo capazes de lidar com os riscos da pós-modernidade. Ou seja, dentro da lógica libero-capitalista, mais incerteza é sinónimo de mais oportunidades, de lucro e inovação. E para inovar é preciso investir em conhecimento, principalmente nos chamados sectores dinâmicos (actividades de risco financeiro, informática, telecomunicações, biotecnologia e conhecimento).


A base de tudo, entretanto, é a educação/formação. Diz Giddens (A terceira via e os seus críticos, Rio de Janeiro, Record, 2001, p. 78): “A principal força no desenvolvimento do capital humano obviamente deve ser a educação. É o principal investimento público que pode estimular a eficiência económica e a coesão cívica”. Não uma educação estática, baseada na formação para a vida adulta. Mas educação para adquirir competências a serem desenvolvidas ao longo da vida. Para cumprir essa e outras funções sociais, o Estado é importante. Mas ele deve actuar mais como fomentador do que como fornecedor dos serviços. É aí que as agências do chamado Terceiro Sector (associações voluntárias) ganham um papel específico. Antes consideradas como refugo para a colocação de dinheiro de justificação e proveniência “obscura” e equipamentos obsoletos, as chamadas organizações não-governamentais (ONGs) sem fins lucrativos já não se assumem como “agências” filantrópicas frias e distantes, mas como incubadoras de novas oportunidades de inovação das relações sociais. Os motivos: a) combinam eficácia nos negócios com estímulo social; b) são uma alternativa para as desvantagens do mercado, associadas à maximização do lucro, e do governo, geralmente burocrata e inoperante; c) convivem bem com o binómio liberal flexibilidade-eficiência e com o seu oposto socialista equidade-previsibilidade. O welfare positivo, portanto, admite o risco da desregulação do mercado de trabalho porque esta é a única forma de gerar riqueza.


E agora toda a minha inquietação está aqui, ou seja, a Terceira Via, nesse sentido, posiciona-se como um arsenal teórico-psicológico que tem como directriz a ideia de “capital humano”, substitutivo da noção de direitos sociais absolutos, que pressupõe o fornecimento directo do sustento económico que antes era assegurado pelo Estado. Com a noção de capital humano, temos um projecto político-pedagógico atemporal que tem como objectivo a constituição de um novo sujeito, agente da “portabilidade de capacidade”, pronto para um novo contrato social baseado na autonomia e no desenvolvimento pessoal. No entanto, Giddens faz uma ressalva interessante: os mais ricos são os mais “associativos”. Os mais pobres não estão integrados, e estão menos atreitos a qualquer envolvimento cívico. É isso que justifica a necessidade dos empreendimentos económico-sociais, os quais liderados por jovens líderes empresariais, podem, conjuntamente com os órgãos governamentais, introduzir nas comunidades carentes o chamado “planeamento participativo”. Fundamental para isso é a actividade empresarial-social, principalmente através da educação, pela qual se pode promover o que ele chama de “redistribuição das possibilidades”.


Deste modo, o “welfare positivo”, com base neste “novo sujeito social” e na nova relação Estado/sociedade civil, "transporta" as seguintes promessas: substituição da carência pela autonomia, da doença pela saúde activa, da ignorância pela educação permanente, da indignidade pelo bem-estar e da ociosidade pela iniciativa. Para corresponder ao anseio generalizado por uma cidadania plena, de direitos e responsabilidades, o socialismo deste século XXI terá que ser inquestionavelmente democrático, aberto à participação de todos e visceralmente comprometido com a liberdade individual e a justiça social.


CONTINUA...



publicado por albardeiro às 02:23
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2 comentários:
De raiodevida a 18 de Abril de 2005 às 12:32
Investir em conhecimento é a nossa grande necessidade - o que não é novidade noutras sociedades. Talvez um novo nome para uma preocupação antiga.Há muitos desafios a serem vencidos na implantação de uma Gestão do Conhecimento e como em todo o processo de mudança há riscos e oportunidades. Cabe às Organizações compreenderem que para o conhecimento se tornar vantagem competitiva não pode ser visto apenas como mais um projecto, mas um forte compromisso com o desenvolvimento das competências dos seus colaboradores.


De JVC a 17 de Abril de 2005 às 10:45
Concordo, e vai ao encontro das minhas concepções políticas essenciais, mas fico sempre com uma dúvida prática. No nosso sistema altamente partidarizado, como fazer incorporar estas ideias nas concepções e na prática política dos partidos de esquerda? Nenhum me satisfaz, neste aspecto.
Tenho alguma reserva à utilização da expressão Terceira Via, tão conotada com os maus tratos que lhe tem dado Blair.


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