Agora que começa a assentar a poeira, a calmaria retornará novamente como se nada tivesse acontecido.
Pelo o que nos foi dado a assistir, tal como o afirmou Sérgio Henriques (rev. Tempo, Belo Horizonte, 16 jul. 1998, p. 8), parece-nos que, vivido de modo cego, o jogo de futebol inspira certamente uma paixão (paradoxalmente) pueril, com o seu cortejo de fanatismo e violência vazia. Mas vivido com um certo distanciamento crÃtico (já são alguns anos...), pode ser admirado como o meio expressivo de momentos tão belos como aqueles que Chico Buarque um dia chamou de "o sentimento diagonal do homem-golo" ou "a emoção da ideia quando ginga". E pode tornar-se também, visto por este outro ângulo mais crÃtico, uma forma "sui generis" de abordar o facto social, de tomar o pulso das sociedades em determinadas conjunturas.
Não foi difÃcil constatar o que sabemos há décadas: em que pesem a má qualidade de muitos jogos, as manigâncias dos cartolas, o défice (este malfadado está presente em tudo o que é “coisa” neste paÃs) do “quadro” das competições, os “apitos...”, etc., para o bem e para o mal, o futebol continua a ser a grande paixão nacional, talvez a única a conseguir catalisar a atenção das massas, dos meios de comunicação e das elites por um tempo prolongado, e sem sofrer qualquer tipo de concorrência. No meio de tanto défice um caso notável de “Superavit” infernal. Sem dúvida que o futebol é uma das expressões possÃveis do (mortificado) potencial que tem este paÃs, o mesmo vale para a gente choldraboldra, (paradoxalmente) desenrascada e pouco criativa que o construiu ao longo de uma interessantÃssima experiência nacional.
Ao mesmo tempo, falta muita coisa: falta a organização desportiva; continua a faltar a formação adequada dos agentes ao nÃvel das cúpulas [porque, a nÃvel técnico, veja-se o salto qualitativo que os chamados “professores de ginástica” (expressão que alguns boçais futeboleiros - ditos treinadores – empregaram para os licenciados do antigo ISEF) trouxeram ao futebol português, particularmente, desde meados da década de oitenta, com Jesualdo Ferreira, Nelo Vingada, Carlos Queiroz e cujo expoente será hoje José Mourinho]; as condições para a prática do desporto escolar (impensável, hoje, continuar-se a construir escolas sem um pavilhão gimnodesportivo); assim como ainda continua a faltar a teoria e o estudo do desporto para enriquecerem a técnica e o potencial individuais. Explorando o raciocÃnio analógico, também ao paÃs - à s suas elites - tem faltado o pensamento estratégico que, só ele, pode arrancar-nos à apagada e vil tristeza de um destino subordinado e dependente. Uma economia periférica que por mais subsÃdios, apoios, fundos e dinheiros dos contribuintes europeus, não despega dos seus atavismos paternalistas e estruturais, uma sociedade desde sempre cheia de feridas abertas (começámos mal: um filho a “bater” na mãe); o mesmo ventre apodrecido denunciado por Bertolt Brecht, incapaz de ser gente mas sempre receptivo a gerar experiências de autoritarismo polÃtico. Viva o BENFICA!
(A escrita "mais séria" será retomada logo que passe a euforia...)