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Também os neo-conservadores norte-americanos proclamam o século XXI como O Século Americano. Para assegurar esse domínio, a Nova Estratégia de Segurança Nacional dos E.U.A, tornada pública em Setembro de 2002, defende a necessidade do que se denomina vantagens assimétricas dos E.U.A no mundo, com o propósito de impedir o aparecimento de qualquer potência regional que possa pôr em perigo a supremacia absoluta em termos militares e económicos de Washington. As nossas forças serão suficientemente sólidas para dissuadir os nossos potenciais adversários de prosseguir um projecto de constituição de uma força militar que possa superar, ou mesmo igualar, a potência dos E.U.A, refere-se no documento. Este unilateralismo feroz configura um propósito evidente de hegemonia mundial e de ameaça declarada a todos os outros países. O poderio atómico americano aí está para o atestar. Não é por acaso que os E.U.A se recusam a assinar qualquer tratado de limitação de armas nucleares. Mais do que nunca é reafirmada a supremacia militar norte-americana, que ninguém deve ter o atrevimento de contestar. Tudo em nome do poder absoluto dos E.U.A.
Esta estratégia não é nova. Em 1992, Paul Wolfowitz, já então um dos dirigentes mais influentes dos neo-conservadores norte-americanos, num documento destinado a um planeamento futuro da defesa dos Estados Unidos no tempo do governo de Bush sénior, o Defense Planning Guidance, publicados à revelia no New York Times e no Washington Post são estabelecidos os princípios fundamentais da actual doutrina imperial norte-americana. Em primeiro lugar, impedir explicitamente o surgimento de uma superpotência rival, mesmo que seja oriunda dos países que são considerados aliados dos americanos. Para isso é fundamental subordinar, sem contemplações, os ditos aliados à liderança americana e esmagar os adversários. Em segundo lugar, não ter quaisquer escrúpulos no desencadear de acções unilaterais, incluindo as militares, sem esperar qualquer consenso a nível diplomático, entendimentos que, de resto nunca poderá passar, na opinião de Wolfowitz, do estatuto de agrupamentos ad hoc. Finalmente e por todos os meios disponíveis, a promoção dos valores americanos. O objectivo é claro: exige que impeçamos qualquer poder hostil de dominar uma região cujos recursos poderiam, sob controle consolidado, ser suficientes para gerar poder global, especificando mais adiante que estas regiões incluem a Europa Ocidental (note-se!), a Ásia Oriental, o território da antiga URSS, a Ásia do Sudoeste.
William Kristol e Robert Kagan, num artigo da revista Foreign Affairs de 1996, intitularam eufemisticamente esta dominação militarista e totalitária de hegemonia global benevolente. Talvez por isso, na capital georgiana Tbilissi, Bush tenha elogiado a denominada revolução das rosas de Novembro de 2003 associando-as aos outros sucessos do domínio americano do mundo: Vivemos uma época histórica em que a liberdade avança, do mar Negro ao mar Cáspio, no Golfo e para lá dele. Aproveitou, aliás o ensejo, para agradecer o apoio dado pela Geórgia à invasão americana do Iraque.
Tal como a Alemanha nazi pretendia o domínio total da Europa, de que a estratégia fulminante da blitzkrieg foi o principal instrumento numa lógica de guerra total, os E.U.A têm como objectivo o domínio dos recursos energéticos mundiais que alimentem e viabilizem a sua economia predadora e o seu estilo de vida de excesso e desperdício. É que os E.U.A, com 2% das reservas mundiais, consomem um quarto do petróleo produzido a nível mundial, bem como cerca de metade da energia eléctrica. Para isso e sob o pretexto da luta contra o terrorismo, trataram de disseminar bases militares em zonas tão estratégicas como o Médio Oriente, a Península Arábica, a Ásia Central, a Crimeia e o Cáucaso e em países tão relevantes como a Turquia, Israel, a Arábia Saudita, o Iraque, a Geórgia, a Ucrânia, o Uzbequistão, o Afeganistão ou o Paquistão.
Hitler também desejava ardentemente a guerra. Só assim podia ter acesso aos recursos que lhe permitiriam a construção dessa Grande Alemanha. Para isso, não hesitou em ocupar e explorar as riquezas de grande parte do continente europeu. Só nessa lógica agressiva e hegemónica se compreende quer a invasão da URSS, quer a declaração de guerra aos E.U.A quando, já derrotado na Rússia, deu ao governo de Roosevelt o pretexto de entrar na guerra ao lado da Grã-Bretanha. Também Hitler, perante as dificuldades do avanço militar para Moscovo, acaba por deslocar as suas forças mais poderosas para Sul, a fim de ocupar os campos petrolíferos da Crimeia e do Cáucaso. No caminho destes deparou, no entanto, com a resistência inusitada de Estalinegrado. Embora seja grande a diferença dos meios envolvidos e diferentes as situações históricas em causa, os objectivos são idênticos e os métodos semelhantes. Tal como agora, a agressividade militar e a lógica totalitária estão presentes.
A guerra preventiva é o eufemismo para a pura agressão uma vez que não se podem punir crimes que não ocorreram visando um estado de guerra permanente. E, como Ignacio Ramonet lembra, já em Junho de 1941, rompendo o Pacto Germano-Soviético e atacando a União Soviética, os exércitos nazis procederem a uma autêntica guerra preventiva. Na época, tal realidade era claramente assumida. Logo em 1935, o Chefe de Estado-Maior alemão, o marechal Ludendorff, defendia sem rodeios de que para a guerra total é necessária a concentração total do poder de fogo, implacável em relação às populações civis e às infraestruturas económicas, afastando, desde logo, qualquer consideração ética ou moral. Essa mesma realidade é hoje cinicamente camuflada e, como escreve o think tank neo-conservador Robert Kagan no seu livro Warrior Politics, é preciso levar a prosperidade às zonas atrasadas do mundo graças à doce [sic] influência imperial da América. Londres, Estalinegrado, Hiroshima, Hanoi, Bagdad ou Falluja são apenas alguns exemplos desta mesma lógica totalitária, presente ao longo da história recente da humanidade.
Depois dos estados bálticos, Bush seguiu para a Holanda para participar numa cerimónia de homenagem aos 8300 soldados americanos mortos na batalha de Margraten. Quando chegou a Maastricht, uma manifestação não deixava de lembrar ao presidente norte-americano que quem invadiu um país soberano como o Iraque não tinha moral para prestar homenagem aos que morreram na II Guerra Mundial. Sinais dos tempos!