CONTINUAÇÃO...
2ª Parte
Como disse Ignacio Ramonet na edição de Junho do Le Monde Diplomatique (edição portuguesa), Extraordinária presunção de notáveis que não compreendem e ainda menos suportam que o povo (palavra que só empregam pondo os dedos no nariz) se tenha recusado a alinhar pelos ditames do círculo da razão europeísta. E que, através dos referendos, não só contestaram o projecto político que esta Constituição antevia, como rejeitaram o procedimento de outorga de textos constitucionais muito à semelhança do que acontecia nas monarquias europeias do séc. XIX procedimento este que escapa claramente à soberania popular, conquista fundamental da democracia e da cidadania europeia. Por isso, nas palavras de Anne-Cécile Robert no mesmo jornal, Como que por arrombamento, os povos penetraram no debate europeu. Porque o que os cidadãos europeus consultados maioritariamente rejeitaram foi a constitucionalização do modelo neoliberal que tem presidido à globalização mundial, sob os ditames de Washington. Porque o que esse não representa é uma verdadeira preocupação pela Europa e a constatação de que a construção europeia tem que constituir uma alternativa de justiça e solidariedade, num mundo que os think tanks americanos pensaram construir na base simplista e arbitrária do maniqueísmo do Bem (eles e seus cúmplices) contra o Mal (todos os outros). Como salientou Ramonet, e no que respeita ao referendo francês, Deste ponto de vista, o não de 29 de Maio não fecha nenhuma porta. Em contrapartida, torna possíveis todas as esperanças. Ou como nos anunciavam os pins na lapela dos apoiantes do não francês, Jaime lEurope, je vote non. Talvez por isso e face ao crescente movimento de oposição à Constituição europeia, o historiador conservador René Rémond tenha chegado a afirmar no Le Monde (6/5/05), que a utopia revolucionária estava em vias de matar a utopia europeia
À desregulação selvagem do mercado opõe-se a construção duma Europa social. Exemplo paradigmático do que está em causa é-nos dado pela directiva Bolkestein, que ao fazer prevalecer os direitos do país de origem, postula que os trabalhadores dos países mais pobres continuem a ter salários muito baixos, em nome da conquista de mercados externos e que concomitantemente, os salários dos trabalhadores dos países mais ricos, sejam esmagados em nome da concorrência. Será que queremos uma Constituição cuja norma superior é a do mercado livre e da concorrência? Ou que põe em plano de igualdade, valores como a justiça e a liberdade e a circulação de capitais, mercadorias, serviços e pessoas (consideradas as quatro liberdades fundamentais)? Ou onde o direito ao trabalho é substituído pelo direito de trabalhar (II-75-1), o direito à habitação, substituído pelo direito a uma ajuda ao alojamento(II-94-3) e onde as referências ao rendimento mínimo ou à igualdade salarial para trabalho igual pura e simplesmente desaparecem? Também a expressão serviço público não faz parte do léxico do Tratado, substituída na sua IIIª parte pela dúbia designação de serviços de interesse económico geral.
E que dizer da política de defesa da União Europeia que, logo na primeira das quatro partes do Tratado, é subordinada ao aval norte-americano, através da Organização do Tratado do Atlântico Norte (OTAN/NATO) que, como se sabe, é estatutariamente comandada por um general americano, segundo as ordens directas de Washington. Isto apesar de vários países europeus integrantes da OTAN não fazerem parte da União (Islândia, Noruega e Turquia) e de vários países da União Europeia não pertencerem à OTAN (Áustria, Chipre, Finlândia, Irlanda, Malta e Suécia), para além daqueles os principais que não são sequer europeus (Canadá e E.U.A). Que sentido fará, então, esta vassalagem. Apesar de, sobre este aspecto, as nossas opiniões não serem coincidentes, faço minhas as palavras de Miguel Sousa Tavares: A Europa do faça-se e depois logo se vê começou a acabar domingo em França e acabou de vez anteontem na Holanda. (Público, 3/6/05).