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albardeiro

Albardas e Alforges... nunca vi nada assim! Minto... já vi!

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Albardas e Alforges... nunca vi nada assim! Minto... já vi!

ELEIÇÕES NO BENFICA. A Coragem que Faltou: Anatomia de uma Escolha Incompreensível

albardeiro, 27.10.25

A multidão que encheu a Luz no dia 25 de outubro carregava, em aparência, a urgência da mudança. Filas intermináveis, participação recorde, um fervor que parecia anunciar rutura. Dois dias depois, a certeza: os benfiquistas votaram para que tudo permanecesse exatamente como está. Não por satisfação, ninguém celebra derrotas consecutivas ou passivos que ultrapassam meio milhar de milhões. Votaram pela manutenção daquilo que repudiam por uma razão mais perturbadora: porque mudar de verdade exigiria assumir que os últimos dezassete anos foram um erro colossal. E assumir erros dessa magnitude requer uma coragem que faltou.

Portugal forjou-se como nação de revolucionários conservadores, capazes de derrubar regimes mantendo intactas as estruturas de poder. O Benfica, clube mais representativo desta contradição cultural, confirmou-o brutalmente. Querem mudança, sim — mas uma mudança indolor, uma transição mágica da mediocridade para a excelência sem o trauma de reconhecer cumplicidade. Como se fosse possível alcançar vitórias sem demitir quem se especializou em derrotas.

Dezassete anos de Rui Costa no poder — treze como vice-presidente que alegava ignorância sobre o que assinava, quatro como presidente que reproduz os vícios que serviu, produziram um cadastro devastador. O passivo explodiu mais de cem milhões sob a sua presidência direta. Um único campeonato em quatro possíveis, zero Taças de Portugal, eliminações europeias humilhantes contra adversários de orçamentos irrisórios. Equipas desmanteladas anualmente, com metade dos titulares substituídos a cada temporada, numa voragem que impede qualquer projeto desportivo coerente.

As contratações ruinosas — Arthur, Belloti — transformaram-se em hemorragias financeiras. As vendas incompreensíveis — Neres, Aktürkoglu — privaram o plantel de diferenciadores. Treinadores consecutivamente queimados pela incapacidade de construir estabilidade. Mas o desastre estende-se além do relvado principal: a equipa feminina, que disputava quartos de Champions, foi deliberadamente destruída; as modalidades definham sob negligência sistemática; o futebol de formação perdeu identidade.

Durante treze anos como vice, Rui Costa nunca se demitiu perante escândalos, serviu de escudo ao Vieirismo enquanto era tratado publicamente como "incompetente preguiçoso" pelo próprio patrão. Agora, como presidente, oferece aumentos salariais de 50% aos funcionários votantes na véspera das eleições, apoia Pedro Proença enquanto faz negócios pessoais com a sua federação, esconde-se nos momentos críticos.

Qualquer um destes factos, isoladamente, constituiria motivo suficiente para rejeição. Todos juntos deveriam ter tornado a sua continuidade impensável. Mas não tornaram.

Existe uma perversão cognitiva que transforma experiência em fracasso numa suposta qualificação. Rui Costa domina "a particularidade do negócio futebol", defendem os seus apoiantes, como se gerir emoções de adeptos furiosos fosse uma competência em vez de consequência direta da sua incompetência em gerir resultados. As emoções oscilam entre fúria e resignação precisamente porque cada temporada se tornou uma coleção de humilhações desportivas e financeiras.

Esta inversão kafkiana da lógica estabelece que apenas quem já falhou está qualificado para continuar. Por esta ordem de ideias, manteríamos cirurgiões que matam pacientes porque "têm experiência em lidar com famílias enlutadas". A "particularidade do negócio futebol" não é mistério esotérico acessível apenas a iniciados, exige competência na gestão financeira, visão estratégica na construção de equipas, capacidade de identificar e contratar talento, coragem para decisões difíceis. Rui Costa falhou em todos estes aspetos. Mas essa sequência de fracassos transformou-se, perante milhares de sócios, em credencial.

O medo do desconhecido superou o pavor do conhecido desastroso. Confrontados com a escolha entre um passado de derrotas garantidas e um futuro incerto, os benfiquistas preferiram a certeza da derrota. Porque a derrota conhecida, afinal, não obriga a questionar as escolhas que a produziram.

A ilusão de que Rui Costa representa rutura com o Vieirismo desmorona-se perante os factos. Mantém as mesmas práticas de gestão opaca, a mesma relutância em prestar contas, a mesma tendência para rodear-se de mediocridades leais em vez de competências desafiadoras. A única diferença substantiva: Vieira, com todos os seus defeitos e alegadas ilegalidades, pelo menos ganhava alguns campeonatos. Rui Costa nem isso consegue. É Vieirismo sem a única coisa que lhe conferia legitimidade — os troféus.

Quando os sócios votaram pela sua continuidade, não rejeitaram o Vieirismo. Aceitaram-no na sua forma mais degradada: todas as patologias, nenhuma das compensações. Títulos nacionais perdidos para clubes em processo de insolvência, eliminações contra adversários de orçamentos ridículos, contratações que somam dezenas de milhões em prejuízos, manutenção de estruturas técnicas comprovadamente incapazes, erosão sistemática da identidade desportiva, crescimento galopante do passivo, afastamento progressivo dos adeptos.

E perante este historial, exige-se que Rui Costa "mostre que quer mudar para melhor". Como pedir a um incendiário que prove que, desta vez, vai usar os fósforos com responsabilidade.

O síndrome do impostor que aflige Rui Costa é sintoma de lucidez rara: ele sabe que não tem competência para o cargo. Mas a vaidade impede-o de reconhecer publicamente o óbvio. Prefere arrastar o Benfica para mais anos de irrelevância a assumir o próprio fracasso. Os sócios, ao mantê-lo, tornaram-se cúmplices desta escolha consciente pela decadência.

Porque esta não foi uma escolha passiva ou desinformada. Toda a gente sabia. Todos os números estavam disponíveis, todos os fracassos eram públicos, todas as incompetências tinham sido expostas. A escolha de Rui Costa foi uma escolha por tudo aquilo que Rui Costa representa: a gestão desastrosa, os projetos rebentados, o dinheiro desperdiçado, os títulos perdidos, as humilhações europeias. Foi uma escolha pela continuação de tudo isso.

O Benfica não carece de sócios mais respeitosos, carece de dirigentes que mereçam respeito. Não necessita de estabilidade que perpetue a mediocridade, necessita de exigência que force a excelência. Não precisa de perfeição ou garantias de sucesso — precisa apenas de se livrar do fracasso garantido. Não necessita de candidatos sem mácula — necessita de se livrar de um presidente cuja gestão constitui, ela própria, a mácula que mancha a história recente do clube.

Os benfiquistas tiveram a oportunidade de escolher o desconhecido arriscado em vez do conhecido desastroso. Preferiram a segurança da derrota familiar. Não por falta de vontade de mudar, por falta de coragem para assumir que escolheram mal durante dezassete anos. Essa recusa em enfrentar o passado condenou o futuro. E quando, daqui a quatro anos, o passivo ultrapassar os seiscentos milhões e os títulos continuarem a escapar, não poderão dizer que não sabiam. Porque sabiam. Sempre souberam. Escolheram na mesma.

Albardeiro

UMBIGUISMO

albardeiro, 26.10.25

Os resultados das últimas eleições locais revelaram muito das fragilidades do PCP, seguindo a tendência do seu declínio eleitoral que, nas últimas legislativas, não foi além de 3% dos votos (cerca de 180 mil votantes). Com uma erosão autárquica imparável desde 2013, a CDU perdeu 7 presidências de câmara (de 19 em 2021, para 12), 55 vereadores e 163 deputados municipais, perdendo as suas duas únicas capitais de distrito, Évora e Setúbal. Deixou de ser alternativa no bastião histórico comunista de Beja (que há dois mandatos, tinha perdido para o PS), agora nas mãos de uma coligação liderada pelo PSD. Algo nunca visto; a direita a ganhar em Beja! As perdas em percentagem de votos são brutais um pouco por todo o lado, com quedas de 30% para 11% em Loures, ou de 22% para 13% em Vila Franca de Xira.

A recusa de qualquer convergência a nível nacional (se excetuarmos a coligação com o PEV, uma criação sua), é demonstrativa de uma preocupante ausência de estratégia política, pelo menos se, por isso, entendermos a aspiração a ser uma força partidária com real implantação social e a ter voz nos destinos do país. A perda de capacidade de análise e de avaliação aprofundada – e realista – das condições existentes, só pode conduzir ao desastre. O que estas eleições amplamente demonstraram é que a falta do mais elementar pragmatismo na ação política reforça, com dolorosa eficácia, o dogmatismo de seita. É a expressão acabada do umbiguismo político.

Parece, pois, confirmar-se o diagnóstico de Daniel Oliveira, segundo o qual “O PCP já não luta pelo poder, luta pela sobrevivência, pela preservação da identidade, pelo património”, para concluir, “Um partido não serve para isso. Para isso erguem-se museus.” (Expresso, 15/10/25). Esta “afirmação de princípios vazia de objetivos, confundindo cegueira com coragem”, como certeiramente afirma o jornalista, teve uma comprovação cabal na luta autárquica por Lisboa. A recusa de fazer parte da coligação de esquerda, encabeçada pela candidata da ala mais progressista do PS e que, inclusive, ofereceu a vice-presidência ao candidato comunista, João Ferreira, e a participação efetiva na elaboração do respetivo programa eleitoral, é verdadeiramente incompreensível. A alegação de que “o João Ferreira era melhor” é, como refere Daniel Oliveira, “dos raciocínios mais ausentes de reflexão política que se pode ouvir de um marxista.” O resultado, previsível, foi tristemente demonstrativo: dos 20 mil votos que faltaram para derrotar Moedas, bastavam e sobravam os 26 mil conquistados pela CDU. Em Lisboa, o PCP podia, de facto, ter feito a diferença. Em vez disso, garantiu a vitória da direita na capital do país e a continuação da gestão desastrosa de Carlos Moedas no mais importante município português.

O desvario dos responsáveis comunistas é tão grande que Manuel Loff, vai ao ponto de dizer que, “À esquerda, a CDU obteve um resultado bem acima das expectativas.”, fazendo uma aritmética falaciosa com o aumento do número de votos em comparação com as eleições legislativas. Mas mesmo um historiador tão “alinhado” como ele, reconhece que “à esquerda do PS, se tenha de, antes que seja tarde, retirar consequências da forma como o sistema eleitoral impacta na sua representação política.”, e “encontrar formas de convergir que permitam assegurar uma representação própria.” (Público, 18/10/25).

O comunicado da Direção da Organização Regional de Beja do PCP é revelador desta incapacidade em lidar com a realidade. Começando, em jeito de justificação dos maus resultados, por dizer que as eleições autárquicas de 12 de outubro de 2025 se realizaram “após um período de sucessivas eleições de âmbito nacional que se traduziram na configuração de um novo quadro partidário e num maior peso de questões e matérias nacionais em detrimento de questões locais.”, o PCP avança com esta explicação paradoxal: “O resultado eleitoral obtido muito aquém das expetativas e do reconhecimento que é devido aos eleitos e candidatos da CDU” – elencando seguidamente, as escassas conquistas, mas esquecendo convenientemente as perdas, nomeadamente a do município de Serpa, onde o PCP dominava desde sempre – “[…] demonstra a importância da CDU no poder local, que prosseguirá em cada município e em cada freguesia o combate em defesa das populações e o trabalho político indispensável para reforçar e recuperar posições da CDU.” (Diário do Alentejo, 17/10/25). Mas como é que um “resultado eleitoral obtido muito aquém das expetativas […] demonstra a importância da CDU no poder local”? Não demonstrará antes uma evidente perda de influência? E como é que se compagina o desejo de prosseguir “em cada município e em cada freguesia o combate em defesa das populações” quando os resultados demonstram uma “falta de reconhecimento que é devido aos eleitos e candidatos da CDU”? Não será este um sinal claro do divórcio crescente entre os eleitores e o PCP? E “devido” porquê? Por direito divino, ou por direito consuetudinário? Em democracia, os eleitos são responsabilizados pelo que fazem e pelo que não fazem, e daí devem retirar as devidas ilações. Só dessa forma pode haver o tal “trabalho político indispensável para reforçar e recuperar posições”, responsabilização que, até ao momento, não se vislumbra.

Este umbiguismo adquire, assim, o significado preciso do étimo grego autárkeia – “o que se basta a si próprio”. Bastam-se, mas não bastam a mais ninguém. E isso é trágico para a esquerda.

 

Hugo Fernandez