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albardeiro

Albardas e Alforges... nunca vi nada assim! Minto... já vi!

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Albardas e Alforges... nunca vi nada assim! Minto... já vi!

Resposta ao "Poder Absoluto"

albardeiro, 05.03.25

Meus caros, longe de qualquer alarmismo (ainda permaneço integrado!), o texto anterior, da autoria do Hugo, impele-me a um comentário... Um comentário que, com a vossa permissão, recupera parte de uma comunicação que apresentei num encontro sobre Estudos Globais, onde explorei a "Desconstrução" derridiana no contexto da "pós-verdade", analisando as denominadas "unidades de simulacro", tanto na esfera nominal como na semântica. Sem cair em devaneios, já afirmava, num texto que se pretendia debatido, que a humanidade se encontra diante de um limiar crítico. O colapso do Estado social e da democracia representativa não se reduz a uma mera crise institucional; é, antes, a manifestação silenciosa de uma nova ordem neofeudal. A mesma força histórica que, outrora, destruiu os alicerces do feudalismo para erigir o capitalismo liberal, agora pavimenta o caminho para uma configuração de poder inédita, onde os algoritmos e as plataformas digitais emergem como os novos senhores feudais. Invisíveis, desterritorializados, imunes a qualquer escrutínio democrático, estes plutocratas cibernéticos não se limitam a dominar setores estratégicos — reconfiguram subjetividades, infiltrando-se na própria arquitetura do desejo humano.
A nova lógica do poder não reside mais na posse de bens tangíveis, mas na manipulação da informação e na capacidade de condicionar ideologias, corroendo os alicerces da justiça social e da autodeterminação coletiva. A liberdade sobrevive enquanto conceito, mas desprovida de substância, convertida numa simulação algorítmica onde cada decisão é insidiosamente pré-ordenada. O poder assume um caráter omnipresente e intangível, um domínio sem rosto que ultrapassa fronteiras e ciclos políticos, subjugando sociedades inteiras não pelo exercício da força, mas pelo fascínio sedutor da tecnologia. A História repete-se, mas a servidão que se avizinha é mais insidiosa — e potencialmente irreversível.
Vivemos um tempo de rutura civilizacional, no qual o esvaziamento do Estado social e a erosão da democracia representativa preparam terreno para um domínio algorítmico, discreto na forma, mas absoluto na essência. Tal como o colapso das monarquias feudais abriu caminho ao capitalismo liberal, assistimos agora à consolidação de uma nova elite dominante — os senhores cibernéticos — cujo poder reside na manipulação informacional e na engenharia da vontade humana. Esta plutocracia digital não se contenta em monopolizar mercados e recursos: impõe-se na formação das consciências, infiltrando-se nos espaços mais íntimos da vida quotidiana sem legitimidade democrática nem qualquer forma de contrapoder. O seu domínio não conhece fronteiras, ciclos eleitorais ou restrições institucionais, e o seu impacto ameaça transformar sociedades livres em territórios vigiados, onde o destino coletivo se decide nas sombras por uma minoria inatingível.
O que está em jogo não é apenas a transição de um modelo político-económico para outro, mas a própria estrutura da experiência humana, agora sujeita à lógica do controlo algorítmico. Se outrora o poder se impunha pela repressão visível, hoje age pela normalização imperceptível. A liberdade, esvaziada de substância, torna-se um fetiche que apenas mascara a extensão da vigilância. O indivíduo, outrora sujeito da sua própria narrativa, converte-se num objeto programável, reduzido a um conjunto de padrões preditivos que antecipam cada escolha antes mesmo que esta se formule. O paradoxo da modernidade revela-se na sua plenitude: quanto mais conectados estamos, mais previsíveis nos tornamos; quanto maior a promessa de autonomia, mais profundamente nos enredamos na matriz de um controlo difuso.
A questão fulcral não é apenas quem detém este poder, mas a ausência de um mecanismo efetivo de resistência. Não me canso de alertar: é preciso criar e desenvolver mecanismos de entender, lidar e "cuidar" os recursos digitais. Na escola, na universidade, na atividade profissional, no espaço público e na política, temos que "trabalhar" a literacia digital e temos que regular eticamente o seu campo de atuação. Sem um escrutínio democrático que regule a esfera digital, o futuro desenha-se como uma era de soberanos invisíveis e súbditos inconscientes da sua própria servidão. Se a política foi substituída pela gestão algorítmica e a deliberação pública pela engenharia comportamental, então resta a pergunta essencial: haverá um ponto de inflexão antes que a autonomia individual se torne uma ilusão irreversível? Ou já cruzámos esse limiar sem nos darmos conta?

Albardeiro