Ouvido na comissão parlamentar de Orçamento e Finanças em março deste ano, o inefável presidente da Associação Portuguesa de Bancos (APB), Vítor Bento, declarou que os bancos “apresentaram sempre a maior disponibilidade para colaborar com os seus clientes, facilitando-lhes a vida o mais possível”, sublinhando, contudo, que “também não podem fazer milagres” (Jornal de Negócios, 14/3/2023). Não podem? Em proveito próprio podem e de que maneira; um autêntico milagre bíblico da multiplicação dos pães e dos peixes!
Senão, vejamos. Segundo os cálculos feitos pelo DN/Dinheiro Vivo, os seis maiores bancos a operar no nosso país alcançaram, no primeiro trimestre deste ano, um resultado líquido agregado de 954,6 milhões de euros, ou seja, um lucro de cerca de 10,7 milhões de euros por dia, o que, comparado com o período homólogo, representa uma subida de 55% (Diário de Notícias, 16/5/2023). Acresce que, em linha com o exercício anterior, foi a Caixa Geral de Depósitos, o banco do Estado, que voltou a liderar a subida dos ganhos, somando 285 milhões de euros, mais 95% face aos 146 milhões registados no primeiro trimestre de 2022. Na banca privada, foi o Millennium BCP o recordista dos lucros, quase duplicando (90%) os seus resultados líquidos para 215 milhões de euros. O Montepio, o mais pequeno dos seis bancos nacionais, triplicou os seus resultados, conseguindo lucrar mais neste primeiro trimestre do que em todo o ano anterior: passou de 11,4 milhões obtidos até março de 2022, para 35,3 milhões de euros.
As razões para este “milagre” encontram-se, precisamente, na diferença do montante obtido entre os juros cobrados no crédito e os juros pagos nos depósitos, bem como na proliferação e agravamento desmedido das comissões bancárias (que geraram uma receita global de 640,7 milhões de euros), fatores que proporcionaram à CGD, Santander Totta, BPI, Millennium BCP, Novo Banco e Montepio, em conjunto, um encaixe de 2,08 mil milhões de euros. Neste “fabuloso negócio da banca”, como se lhe refere o jornalista Manuel Carvalho em editorial do Público (16/5/2023), “os bancos vivem o melhor dos mundos: dão-se ao luxo de ganhar com as altas comissões, ganham com a subida dos juros e continuam a ganhar com a segunda taxa de juros para os depósitos mais baixa da zona euro.” (lembremos que os bancos portugueses estavam a remunerar os depósitos até um ano com uma taxa de 0,88%, menos de metade da média da Zona Euro, situada nos 2,05%). Decorrendo de uma “relação desequilibrada com os seus clientes” e “em grande parte do castigo aos depositantes portugueses”, para Manuel Carvalho, estes “resultados exuberantes e esse desempenho esconde uma dimensão irracional.”
O enorme stock monetário depositado nos bancos ascendia, em março, a 345 mil milhões de euros, o que representa mais do que o produto interno bruto anual do país. Estes números são confirmados pela afirmação de Vítor Bento de “excesso de liquidez” da banca. Com assinalável desfaçatez (sabendo que, perante uma efetiva cartelização do setor bancário, as alternativas são praticamente inexistentes), o presidente da APB, não hesitou em afirmar, na conferência “Por onde vai a economia portuguesa?” organizada em finais de maio, em Lisboa, pela SEDES e pela Ordem dos Economistas que “Qualquer empresa procura o lucro porque isso faz parte da lógica de uma economia de mercado concorrencial” e que “os clientes devem procurar melhores condições nos depósitos”. Foi, precisamente, o que tentaram fazer muitos portugueses. A redução dos depósitos bancários e a fuga das poupanças para a aquisição dos Certificados de Aforro, assim como a redução dos pedidos de empréstimo e a amortização antecipada de créditos à habitação, foram a resposta dos clientes para este estado de coisas. Entre julho de 2022 e março deste ano, o volume total de depósitos nos bancos nacionais reduziu-se em 35 mil milhões de euros.
Num contexto inflacionista e de perda acentuada de poder de compra da generalidade da população, a subida das taxas de juro por parte do Banco Central Europeu, desde há cerca de um ano, acabou por significar “uma espécie de jackpot para os bancos”, nas palavras do jornalista Rui Barroso (Visão, 18/5/2023). É que, como diz Manuel Carvalho, “A realidade mudou em favor da banca e a banca não mudou para se ajustar à realidade.” Perante a evidência da necessidade de subida das taxas de juro dos depósitos bancários, Marcelo Rebelo de Sousa pediu um “esforçozinho” aos bancos; em contrapartida, o Governo deu-lhes sim uma “mãozinha”, suspendendo a série E dos Certificados de Aforro que oferecia uma taxa de juro anual que podia atingir os 3,5%. Fez mais do que suspender uma emissão de títulos; suspendeu a concorrência e fez um enorme favor aos banqueiros e acionistas financeiros. Afinal é muito mais rentável uma “economia de mercado concorrencial” quando o próprio Estado falseia as regras da proclamada “livre concorrência”.
Para Vítor Bento, “sendo o sistema concorrencial, a concorrência elimina todos os excessos que possa haver pontualmente em qualquer situação”, concluindo, de forma taxativa, “Eu não reconheço que haja lucros excessivos. Quando muito, os lucros podem ser legítimos ou ilegítimos. Eu não vejo nenhuma situação de ilegitimidade”. A não ser aquela que decorre, precisamente, da existência de lucros excessivos que Vítor Bento persiste em não ver. Será só um problema de perceção?
Hugo Fernandez