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albardeiro

Albardas e Alforges... nunca vi nada assim! Minto... já vi!

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Albardas e Alforges... nunca vi nada assim! Minto... já vi!

PERIGO

albardeiro, 02.11.22

No passado dia 22 de outubro, os fascistas chegaram ao poder em Itália. Pela mão de Giorgia Meloni, quase um século depois de Benito Mussolini, é a extrema-direita que governa um dos países fundadores da unidade europeia (na sua versão CEE), em documento assinado, precisamente, em Roma, corria o ano de 1957. E, para que não haja dúvidas sobre a natureza político-ideológica do seu partido, o facho permanece como o símbolo dos Irmãos de Itália, recordando orgulhosamente a herança do Il Duce. Esta tendência extremista marcou, na Europa, a viragem do século, na forma de coligações governamentais: logo em 2000 com Jörg Haider na Áustria, em 2010 com Geert Wilders nos Países Baixos, em 2013 e 2017 com o Partido do Progresso na Noruega, em 2018-19 com Matteo Salvini enquanto vice-primeiro-ministro de Itália, para além de resultados eleitorais espetaculares na Dinamarca, na Finlândia, na Suécia e em França (com os Democratas Suecos e a União Nacional de Marine Le Pen como os segundos maiores partidos dos respetivos países). O Vox espanhol e o Chega português, na qualidade de terceiros maiores partidos nos parlamentos espanhol e português, bem como a consolidação parlamentar dos neonazis da Alternativa para a Alemanha, compõem este ramalhete sinistro. Para não falar dos regimes iliberais – designação tão dúbia quanto a sua democracia – na Polónia de Mateusz Morawiecki e na Hungria de Viktor Orbán.

As estratégias de isolamento (o proclamado “cordão sanitário”) destas forças políticas esbarram com a realidade de uma globalização desregulada, de uma desigualdade social descontrolada, de um desprezo intolerável – e intolerante – em relação a crescentes camadas da população e de uma desvalorização sobranceira dos problemas existentes por parte das “elites do poder”. Sobrevém o racismo, a xenofobia, a homofobia, a autarcia nacionalista, a intolerância e o fanatismo religioso. E como justamente sublinha Mafalda Anjos, diretora da Visão, numa situação de grave crise económica como aquela que a Europa está a atravessar, “a tendência é para os eleitores descontentes irem buscar respostas alternativas quando «os do costume» não oferecem soluções. […] Mais do que combater os movimentos políticos, é preciso combater as suas causas. Caso contrário, tentar detê-los é como tentar parar o vento com as mãos.” (Visão, 22/9/2022).

Há um aforismo que diz que “os inimigos dos meus inimigos, meus amigos são”. Nesta dialética schmittiana dos amigos/inimigos, encontra-se, em boa parte, a razão para o sucesso fulgurante da extrema-direita europeia. Claro que esta gente não quer o bem comum, nem pugna pela justiça social. Claro que esta gente quer restringir ou, mesmo, eliminar, os direitos e liberdades fundamentais, e regressar a uma “Idade de Ouro” do ordenamento autoritário do “respeitinho é muito bonito”, da castração mental, dos temas tabu, da sacralização dos poderes instituídos (civis e religiosos), das proibições, da repressão. Como se explica, então, tamanha adesão a semelhantes forças políticas? Precisamente pela sua oposição aos poderes fácticos das democracias que, seguindo a cartilha neoliberal, desregularam a vida social, subjugando tudo e todos aos interesses da especulação financeira, e lançaram na miséria e no desespero largas camadas da população. É contra esta “elite do poder” que se insurgem aqueles que, mais por ressentimento do que por convicção, apoiam os partidos extremistas. Mas a alternativa que estes partidos apresentam não passa de uma gigantesca falácia e, por isso, são sumamente demagógicos e oportunistas ao cavalgar todas as frustrações e instrumentalizar todas as raivas, escamoteando as suas verdadeiras origens e intenções. Tratam-se, afinal, de meros concorrentes dos atuais detentores do poder e dos mecanismos de exploração capitalista, à espera da sua vez para dominarem, com brutalidade acrescida, o sistema que agora fingem criticar.

Sou Giorgia, sou mulher, sou mãe, sou italiana, sou cristã”, constitui uma espécie de mantra ideológico da nova primeira-ministra italiana. Mas é muito mais do que isso. Num discurso pronunciado em junho, numa iniciativa do Vox, foi taxativa: “Não há meio-termo possível. Hoje, a esquerda secular e o Islão radical ameaçam as nossas raízes. Ou é sim, ou não. Sim à família natural, não aos lóbis LGBT. Sim à universalidade da cruz, não à violência islâmica. Sim a fronteiras seguras, não à imigração em massa” (Visão, 22/9/2022). “Deus, Pátria e Família” era o lema de Mussolini, agora recuperado por Meloni (e que os portugueses tão bem conhecem da ditadura salazarista). “Meto-vos medo?” perguntou Meloni num comício durante a campanha eleitoral. Fica-nos, à laia de resposta, a sábia advertência do escritor e filósofo italiano Umberto Eco: “É sempre melhor que quem nos incute medo tenha mais medo do que nós”.

Há, sobretudo, algo de muito errado quando a esquerda não consegue capitalizar este descontentamento.



Hugo Fernandez