Há dias em que nos deparamos com uma sequência de afirmações públicas que são expressão do mais puro disparate. É o caso de Maria Helena Costa, porta-voz do movimento “Deixem as crianças em paz” (o que quer que este movimento seja!). Conforme revelou Joana Marques no seu programa radiofónico Extremamente desagradável, da Rádio Renascença (do qual o artigo de Bárbara Reis, no Público de 13/11/2021 faz eco), tal personagem publicou um vídeo nas redes sociais em que declarava, “Um pai entrou em contacto comigo e disse-me que, em Viana do Castelo, há escolas a passarem filmes pornográficos, pelo menos uma vez por semana, para alunos de 11 e 12 anos!”, ou “O meu filho adorava-me, muito mesmo. Até o socialismo dominar a mente dele”. Mas há mais pérolas desta fervorosa crítica da disciplina curricular de Cidadania e Desenvolvimento: “[As ideias da identidade de género são] puramente ideológicas e servem os interesses de associações radicalizadas, altamente financiadas por grupos que querem baixar rapidamente a população mundial.” Para esta ex-chefe de distribuição no Grupo Jerónimo Martins, que se define como “cristã, esposa e mãe – a ordem é mesmo essa” (como faz questão de sublinhar), “O problema é quando nós vivemos numa sociedade em que os meios de comunicação social são claramente marxistas, claramente reféns do Estado”, rematando com o seguinte delírio: “Vem meia dúzia de iluminados para a televisão dizer que aquilo que estamos a dizer é mentira e as pessoas, simplesmente – como eles aparecem na televisão, como alguns são ministros – acreditam mais depressa neles do que em quem estuda, quem pesquisa e quem está a lutar contra este flagelo [itálicos meus]. Faz lembrar a Alemanha: quando os alemães deram conta, já milhões de judeus tinham morrido nas câmaras de gás.” Hã?!
Também temos exemplos de sinal contrário, isto é, do domínio do “politicamente correto”. Na recente produção de “Romeu e Julieta”, levada à cena pela Shakespeare’s Globe Theatre, em Londres, procurou-se não ferir a sensibilidade dos espetadores, ao distribuir um folheto com avisos do seguinte teor: “No final, quando Romeu bebe veneno, e o ator vomita e entra em convulsões, isso não é real – e não, o ator não está doente.”, ou “Há uma luta no palco. A violência, no entanto, não é real e não deve ser imitada. Há sangue no palco – mas não é real.” (Ler, verão/outono de 2021). Os responsáveis do teatro, com a preocupação de protegerem os espetadores mais impressionáveis – e como “ativistas da saúde mental”, conforme declaram – disponibilizam mesmo uma consulta num hospital para quem, ainda assim, ficar chocado com a morte de Julieta! Não sei o que é pior; se a infantilização dos espetadores, se o despropósito da inquietação, se a insensatez da proposta.
Há, de facto, dias em que parece estarmos a viver uma qualquer peça do chamado “teatro do absurdo”, designação dada em 1961 pelo crítico húngaro Martin Esslin à dramaturgia dos aspetos inusitados da nossa existência, do “sentido do sem sentido da condição humana”, aqui versado no abandono do mais ténue resquício de bom senso e na dissolução dos mais elementares princípios da racionalidade, pela indução da ignorância extrema e do fanatismo mais descabelado. Neste contexto, do simples absurdo, facilmente podemos resvalar para o domínio da iniquidade e para a afirmação verdadeiramente indecorosa. Entrevistado a propósito do seu mais recente livro, O Jardim dos Animais com Alma, e depois de uma série de patetices sobre a capacidade pensante dos animais, o jornalista José Rodrigues dos Santos sai-se com esta declaração espantosa: “Se descobrimos que as galinhas têm inteligência e emoções, matamo-las? Então nós, que nos indignamos com o que se passou em Auschwitz e nos Gulags, temos isso à porta de casa?!” (TVGuia, 11/11/2021). Sem comentários! (apesar de apetecer lembrar a José Rodrigo dos Santos que – helás – Adolf Hitler era vegetariano).
Hugo Fernandez