E o mundo riu-se do homem mais poderoso do planeta. Aconteceu no passado dia 25 de setembro, na Assembleia Geral da ONU, reunida na sua sede em Nova York. Foi uma reação imediata, espontânea, transversal e, sobretudo, inédita. Atravessou mares e continentes, religiões e línguas, numa sonora gargalhada com que os representantes internacionais brindaram a petulância e o descaramento do presidente norte-americano Donald Trump ao afirmar que, em dois anos, a sua Administração tinha alcançado mais do que qualquer dos anteriores governos do seu país, remetendo para a insignificância, de uma penada, o legado de um George Washington, Abraham Lincoln ou Franklin Roosevelt. Foi bonito de ver. Uma espécie de unanimidade planetária, tão eloquente e desarmante no seu simbolismo; basta atentar na surpresa e embaraço da resposta de Trump: “Não estava à espera desta reação”, balbuciou.
Foi, em todo o caso, uma reação do tipo “o rei vai nu”, na qualificação certeira de Álvaro Vasconcelos (Público, 10/10/2018). E como de seguida explicou este antigo diretor do Instituto de Estudos de Segurança da União Europeia, foi tanto mais reveladora da quebra geral de respeito pelo governante estadunidense quanto a fanfarronice do “America first” esbarra com circunstâncias históricas particularmente adversas para a nação americana. Se o PIB americano representava mais de 50% do produto global em 1945, quando se constituíram as Nações Unidas, e o peso deste país era decisivo a nível mundial, hoje não ultrapassa os 22%, prevendo-se uma redução para 17% em 2030, ao invés dos 24% da China ou mesmo dos 14% europeus. A perceção mundial de que o poder e a confiança foram substituídas pela simples arrogância, de que a proclamada hegemonia americana carece, afinal, de sustentação e de verosimilhança, faz com que a liderança estadunidense seja posta em causa. Só assim se compreende uma atitude tão unânime. Como refere Álvaro de Vasconcelos, “A gargalhada nas Nações Unidas mostra que a maioria já não teme os EUA e que pensa que é possível singrar sem a sua boa vontade.” Imediatamente se sucederam, neste conclave planetário, os discursos contrários à obsessão nacionalista e ao isolacionismo norte-americano, em defesa da cooperação internacional e do multilateralismo na resolução de questões globais como as alterações climáticas, as crises humanitárias ou a ameaça nuclear.
Foi uma desconsideração? Sim, clara e fulminante. Foi uma humilhação? Não, porque para isso era preciso que o visado tivesse um mínimo de dignidade. O egocentrismo e a estupidez de Trump são tais que na conferência de imprensa que deu a seguir a este episódio negou o que era óbvio. “Eles não se riram de mim” – afirmou – “Eles riram-se comigo, estávamos a passar um bom momento juntos.” Que espantosa cegueira!
Mas o homem (ainda) mais poderoso do mundo, é também o mais perigoso. No passado dia 20 de outubro, anunciou o fim do acordo histórico de três décadas assinado entre o então presidente norte-americano Ronald Reagan e o líder soviético Mikhail Gorbatchov, o Tratado de Forças Nucleares de Alcance Intermédio de 8 de dezembro de 1987, justificando o desabafo do diretor adjunto do Royal United Services Institute, o britânico Malcolm Chalmers, ao The Guardian: “Esta é a crise mais grave no controlo das armas nucleares desde os anos 1980” (Público, 22/10/2018). Como que a dizer “se se riem de mim, ao menos que seja de medo”, Donald Trump provavelmente ficará para a história como o governante mais odiado do planeta.
Hugo Fernandez