No passado dia 24 de julho, a agência norte-americana Moody’s anunciou que iria rever em alta a notação de Portugal de “Ba2” para “Ba1”, colocando a dívida portuguesa a um grau apenas de deixar a categoria “lixo” (ou seja, aquela que é considerada como “investimento especulativo”), premiando o que os financeiros norte-americanos consideram ser o compromisso do Governo português com os objetivos da consolidação orçamental, eufemismo usado para caracterizar as condições draconianas impostas ao país pelas instituições internacionais. Compreende-se a distinção. A política da coligação PSD/CDS não tem sido outra senão a de empobrecer os portugueses para garantir lucros acrescidos aos especuladores financeiros nacionais e sobretudo internacionais.
O extremar das desigualdades sociais está, aliás, bem atestado pelos dados apresentados em junho, no jornal Público (9/6/2014), a partir da informação prestada pelas próprias empresas à CMVM no ano passado, que mostra que a diferença de salários entre trabalhadores e gestores das empresas cotadas no PSI20 é abissal e verdadeiramente escandalosa (note-se que não só estes são os rendimentos base, como aqueles que foram declarados!). Por exemplo, para ganharem o salário médio anual de um funcionário, presidentes executivos só precisam de trabalhar 10 dias e sete horas. O pódio das diferenças salariais é ocupado, em primeiro lugar pela Jerónimo Martins, seguido da Sonae e, em terceiro lugar, a PT. Pedro Soares dos Santos, administrador delegado e presidente do conselho de administração do grupo que é dono dos supermercados Pingo Doce, ganhou a módica quantia de 951.750 euros em 2013, ou seja, quase 108 vezes mais que o ordenado médio dos trabalhadores da empresa (apesar disso, este é apenas o quinto gestor mais bem pago do índice nacional). Segue-se Paulo de Azevedo, administrador da Sonae, cujo salário é 91,5 vezes superior ao ordenado médio dos seus 39.951 trabalhadores. No caso da PT, Zeinal Bava, ganhou 44 vezes mais do que a média dos seus mais de 12 mil empregados, recebendo 1,013 milhões de euros. No topo da lista está o líder e dono da Semapa, Pedro Queiroz Pereira, como o mais bem pago: ganhou 1,7 milhões de euros no ano passado.
Um dia depois da agência de notação financeira Moody’s ter anunciado a sua intenção, a ONU alertava para a possibilidade da regressão de Portugal no Índice de Desenvolvimento Humano (41º lugar em 187 países), muito por culpa, precisamente, dos sistemáticos cortes no investimento público, em particular ao nível da educação e da saúde, bem como da elevada taxa de desemprego. No relatório agora publicado e referente ao ano de 2013, intitulado Sustaining Human Progress: Reducing Vulnerabilities and Building Resilience, os técnicos da ONU não têm dúvidas em considerar que “A austeridade cria um ciclo vicioso”, que aumentando a pobreza e a dependência económica, potencia as iniquidades sociais, que constituem “um obstáculo ao crescimento sustentável e aumentam o risco de crises económicas e financeiras” (Público, 25/7/2014). Conclusões que, de resto, estão em consonância com as críticas que organizações insuspeitas fizeram recentemente às políticas públicas para o combate à pobreza (que atinge duramente 20% dos nossos compatriotas), como a Cáritas Portuguesa ou a Rede Europeia Anti-Pobreza.
Há um outro estudo internacional que merece atenção. Trata-se do trabalho intitulado A Surplus of Ambition: Can Europe Rely on Larger Primary Surpluses to Solve its Debt Problem?, do economista norte-americano Barry Eichengreen e do italiano Ugo Panizza, que analisa a estratégia da Europa para resolver o problema da dívida pública na zona euro, concluindo que o excedente orçamental primário (excluindo os juros) necessário para Portugal resolver o seu problema financeiro só seria possível atingir se se verificasse uma média de 5,9% do PIB durante os dez anos que decorrerão entre 2020 e 2030, sendo que só neste último ano se alcançaria a sustentabilidade da dívida pública portuguesa. A partir dos dados de 54 países desenvolvidos ou emergentes entre 1974 e 2013, os autores concluem que só três países conseguiram circunstancialmente atingir PIB’s desta ordem de grandeza: a Bélgica em 1995, antes da existência do euro, a Noruega em 1999, sobretudo devido às receitas da exploração do petróleo do Mar do Norte, e Singapura em 1990, cidade-Estado asiática que, por razões óbvias, não será certamente um modelo de governação para os países europeus. Ora se o que é exigido a Portugal é uma meta de 5,9% durante uma década, parece evidente que essa meta é, pura e simplesmente, impossível de alcançar. Ainda para mais quando algumas das condições essenciais para atingir tal desiderato são, segundo estes autores, um crescimento económico forte e um saldo positivo com o exterior (com taxas de poupança elevadas), o que está fora de qualquer horizonte minimamente credível de evolução da economia portuguesa. Por isso, em entrevista ao Público (27/7/14), o professor da Universidade da Califórnia, em Berkeley, Barry Eichengreen, só vê dois cenários possíveis para Portugal: ou uma subida da taxa de inflação determinada pelo Banco Central Europeu e um maior apoio orçamental ao crescimento por parte da Alemanha (o que representaria uma total inversão das atuais políticas económicas europeias), ou a reestruturação da dívida.
A questão da dívida nacional é sintomática do que está em causa. O Governo e os partidos que o apoiam apostam numa estratégia que não passa de um embuste. Fingem cumprir os compromissos internacionais com a promessa do pagamento de uma dívida que se sabe que é impagável, pelo menos nas condições e montantes que a transformam em pura e simples extorsão. Degradando as condições de vida das pessoas, mas assegurando a prosperidade dos negócios, os “mercados” têm, no entanto, a garantia de que tudo acabará bem!
Hugo Fernandez