Albardas e Alforges... nunca vi nada assim! Minto... já vi!
Quinta-feira, 17 de Julho de 2014
Certeiro... No Portugal dos Pequeninos

Uma "comissão de reforma do IRS" e outra da "natalidade" decidiram que apenas as famílias - com pais e mães que dêem à luz preferencialmente com relativa assiduidade - merecem a plena cidadania fiscal, ou seja, "deduções" progressivas consoante a vastidão da prole. Os solteiros e os viúvos - não sei se as adopções por estes seres esquisitos para o Estado contam - sofrem uma capitis diminutio para que a fiscalidade possa contribuir, em glória, para o nascimento de criancinhas. Para além de uma questão de direito, isto aparece como uma questão moral. O Estado, afinal, tem uma moral para além das tradicionais "funções" (agora devidamente apoucadas) que o justificam. O Estado não aprecia os seus funcionários, os seus ex-funcionários, os velhos, os solitários e os sozinhos (são coisas distintas) por força da vida e das circunstâncias. Não. O Estado deseja "famílias numerosas" com muitos meninas e meninos ranhosos que possam entrar nas colunas das declarações do IRS. Se os portugueses não fodem, o Estado obriga-os a foder com o elevado propósito procriativo que, depois, dá "desconto" nos impostos. Outra "moral" estilo "a função faz o "órgão". Ou, mais prosaicamente, o órgão tem uma função fiscal. Como dizia o Chateaubriand, é um horror ter de envelhecer num mundo que não se conhece. E que, cada vez mais, se despreza.

UMA MORAL - http://portugaldospequeninos.blogs.sapo.pt/uma-moral



publicado por albardeiro às 01:52
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Domingo, 6 de Julho de 2014
RESPONSABILIDADES

O governo português anda mendigando em Londres um novo empréstimo. Os nossos charlatães financeiros não sabem senão estes dois métodos de governo: - Empréstimos e impostos. […] É dinheiro emprestado e dinheiro espoliado. […] E por fim não é dinheiro aplicado a nenhum melhoramento público; é só dinheiro para pagar juros da dívida a endividar-nos cada vez mais! […] É a dívida a multiplicar-se para não faltarem à corte banquetes, festas, caçadas, folias!” Tal era o comentário do jornal A Lanterna de 17 de dezembro de 1870. Salvo um ou outro pormenor que o lapso temporal de 144 anos justifica, não será precisamente este o estado a que chegou o nosso país?

E, no entanto, a lengalenga sobre a consolidação das finanças públicas, a sustentabilidade da dívida externa e a atitude de responsabilidade na governação do país constituem temas recorrentes do discurso oficial. Mesmo quando essa consolidação se faz sobretudo pelo aumento brutal dos impostos e a redução drástica da proteção social e dos custos laborais, a sustentabilidade das contas externas mais não é do que uma falácia, já que a dívida aumentou de forma exponencial desde 2011 (pela recusa obstinada na sua renegociação em termos minimamente razoáveis, uma vez que apenas com os juros da dívida, Portugal paga um montante situado sempre acima dos 4% do PIB), e a ação governativa apenas visa a destruição do Estado social e a aniquilação de todos os “direitos, liberdades e garantias” tão duramente conquistados pelos portugueses. A alegada falta de dinheiro não constitui óbice para o financiamento público (em muitos milhares de milhões de euros) dos bancos privados, nem para os contratos milionários com as PPP ou os swaps de má memória, nem para as fugas de capitais consentidas para as offshores, nem para a venda, a preços de saldo, de ativos valiosos do Estado a favor dos grandes grupos económicos e dos especuladores, nem para as mordomias ministeriais, nem para as despesas brutais com a plêiade de assessores e consultores que enxameiam os seus gabinetes. Tirando o facto de ser outra a proveniência dos empréstimos e o Paço mencionado, continuamos a ver “a dívida a multiplicar-se para não faltarem à corte banquetes, festas, caçadas, folias!” como refere o texto oitocentista.

A União Europeia transformou-se na guardiã extremosa desta política de pilhagem dos países economicamente mais vulneráveis. Depois de ter forçado a adoção de políticas expansionistas e de ter encorajado o crédito fácil, para gáudio das empresas francesas e alemãs que assim viam a multiplicação das suas vendas e dos seus lucros (destruído que estava, por virtude da integração europeia, o aparelho produtivo dos pequenos países) e aproveitando o deslumbramento de líderes europeus egocêntricos e irresponsáveis (de que a governação de José Sócrates é exemplo concludente), seguiu-se o garrote do endividamento e dos défices, que permitiu o resgate dos bancos franceses e alemães contaminados pelos ativos tóxicos provenientes da implosão da bolha especulativa americana de 2008. O programa de “assistência financeira” significou, afinal, a continuação dos negóciospor outros meios. Ao contrário do que quer fazer crer a “narrativa” germânica de que a crise do euro é da responsabilidade dos países devedores – apodados de levianos e gastadores dos dinheiros comunitários – são os países credores que, ao induzirem os fatores de risco, têm lucrado sumamente com a desgraça alheia, como denunciou recentemente Philippe Legrain, ex-conselheiro económico do ex-presidente da Comissão Europeia, Durão Barroso, na obra que publicou sob o título de European Spring: Why our Economies and Politics Are in a Mess.

A inflexibilidade dos denominados “critérios de convergência” e o rigor dos eufemísticos “programas de assistência financeira”, traduzem uma lógica implacável de espoliação da riqueza dos países mais fracos do sul pelos países mais poderosos do norte, reduzindo o “projeto europeu” a uma excelente oportunidade de negócio para os agiotas de Berlim, Paris ou Bruxelas. Como justamente sublinha Serge Halimi na edição portuguesa do Le Monde Diplomatique de maio de 2014, “Os «critérios de convergência», inflexíveis quando se trata de défices e endividamento, não existem em matéria de emprego, educação e saúde.” Mas não deveriam precisamente ser estes os propósitos da União Europeia? Estaremos condenados ao empobrecimento permanente ao abrigo das regras institucionais e monetárias sacrossantas do Tratado Orçamental europeu?

Dificilmente poderemos emprestar uma dimensão moral à retórica da necessidade do cumprimento dos compromissos assumidos com os nossos credores. Para o economista José Castro Caldas, “Quem não ouviu já falar de credores que emprestam quando sabem que o devedor é insolvente tendo apenas em vista a apropriação da garantia prestada pelo devedor? Quem não ouviu já falar de credores que emprestam simplesmente para adquirir poder sobre o devedor; no limite para o escravizar? […] Mas, mesmo dando de barato os direitos dos credores, podemos interrogar-nos sobre isto: por que razão os direitos dos credores haveriam de prevalecer sobre os de todas as pessoas que constituem a comunidade política? Têm direitos os credores, como os têm os pensionistas, os desempregados, os utentes do Serviço Nacional de Saúde, os estudantes e as suas famílias. São direitos constitucionalmente consagrados.”, para concluir, “a questão da dívida pública tem sido uma questão, não de justiça, mas de força bruta. Exigir a sua reestruturação mais não é do que fazer apelo à justiça.” (Le Monde Diplomatique, ed. port.,maio de 2014). A salvação a “todo o custo” das instituições bancárias transformou um problema de solvência privada numa crise de dívida dos Estados, que assim se vêm amarrados às condições draconianas da finança internacional, por intermédio dos seus “testas-de-ferro” da Comissão Europeia, Banco Central Europeu e Fundo Monetário Internacional. Esta obsessão monetarista, base do pensamento neoliberal, funciona como um seguro gratuito para os bancos, certos de serem salvos aconteça o que acontecer, cobrindo todos os riscos de falência e incentivando a prossecução das suas atividades especulativas. No seu relatório sobre a estabilidade financeira mundial (“Global Financial Stability Report”, de abril de 2014), o Fundo Monetário Internacional calcula em cerca de 300 mil milhões de euros, os capitais imobilizados para tal efeito, na zona euro. Quem pensava que o poder da finança internacional estava ferido de morte em 2008 – como chegou então a ser vaticinado – enganou-se redondamente.

A única estratégia de “combate à crise” tem sido o resgate dos bancos. Salvaram-se os bancos, mas os empregos, a educação, a saúde, as políticas sociais afundaram-se irremediavelmente. Aquilo que começou por ser uma crise resultante da especulação financeira mais desbragada, acabou por se transformar numa nova ofensiva do capitalismo global e numa nova oportunidade para os mesmos agentes que a provocaram. Assiste-se hoje a um renovado processo de acumulação acelerada de capital em detrimento do trabalho e do bem-estar das populações. Por isso, o “Movimento dos Indignados” em Espanha tinha como um dos seus slogans “Isto não é uma crise, é um truque!” Estamos perante um autêntico “pacto com o diabo”, em que aqueles que se comportaram de forma totalmente irresponsável (a começar pelos bancos e demais instituições financeiras) ditam aos governos as condições da sua salvação, que passa irremediavelmente pela pauperização geral. A ideia de que a solvência dos bancos é mais importante do que a sobrevivência das pessoas é uma ideia, no mínimo, bizarra. No entanto, passou a constituir dogma absoluto do pensamento neoliberal. Mais do que isso. Veicula-se sistematicamente a ideia de que a prosperidade dos “mercados” é condição sine qua non do bem-estar das sociedades e que a satisfação do interesse privado é o único desiderato válido para a satisfação coletiva. É isto que passa por “boa gestão” das finanças públicas, justificando os ganhos milionários dos agentes financeiros e especuladores. E daí que os lucros fabulosos de uns poucos se erijam em “interesse nacional”. Mas substituir a solidariedade pelo egoísmo extremo destrói qualquer sentido comunitário e mina os fundamentos da sociedade. Quase nos apetece dizer como Paulo Portas (sim, esse mesmo!) numa entrevista à revista Elle em outubro de 1990 – referindo-se ao segundo governo de Cavaco Silva, recorde-se –, “O País está a ser governado por pessoas que não têm memória, que não conhecem nem pai nem mãe, não temem a Deus nem a coisa nenhuma.”

Na sessão parlamentar de 20 de Novembro de 1906, Afonso Costa contestou a atribuição de uma subvenção extraordinária à família real. Perante acusações ao rei de desonestidade e de desvio dos dinheiros públicos (provocando enorme agitação na Assembleia) e na sequência dos apelos à ordem do seu Presidente, Tomás Pizarro, Afonso Costa profere a famosa diatribe: “Por muito menos crimes do que os cometidos por D. Carlos I, rolou no cadafalso, em França, a cabeça de Luís XVI!” Poucos anos depois o regime monárquico acabaria por ser derrubado. E nós? Vamos continuar a sacrificarmo-nos pelos Relvas e Mexias deste país?

 

Hugo Fernandez

 

 

 



publicado por albardeiro às 23:09
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