Meu nome é Eusébio: autobiografia do maior futebolista do mundo (1966), prefácio e narrativa recolhida por Fernando F. Garcia. Recolhida e certamente reescrita, porque quem tem talento com os pés não o tem necessariamente com a pena.
Trata-se, em geral, de obras de extensão reduzida, em estilo simples, direto e pouco dado a flores de retórica (a não ser a hipérbole, é claro), relatando origens humildes, a que se seguiu a árdua superação de obstáculos de toda a ordem, com o justo prémio de taças, campeonatos, medalhas e recordes, por entre viagens incessantes, duros treinos e algumas lesões; um trajeto de vitórias, em suma, aqui e ali alternando com uma ou outra chorada derrota. Não faltam na biografia testemunhos do visado e não poucos depoimentos de familiares, amigos, treinadores e companheiros de profissão. Tudo isso e muitas imagens, sobretudo das proezas, às vezes também de fracassos que humanizam o herói.
Retomo aqui um aspeto relevante desta reflexão: o império das imagens enquanto instância de consolidação do herói desportivo. E recupero imagens talvez já esquecidas, que deram a volta ao pequeno mundo português, recolhidas no dia em que um herói foi derrotado e com ele uma nação. Refiro-me às fotografias de Eusébio em lágrimas, a 26 de julho de 1966, logo depois da derrota por 2 a 1 com a Inglaterra. Pois bem: o que impressiona não é apenas a desolação de um moço simples de 24 anos; a desolação fala por si e não carece de mais comentários. Mas a imagem é também fotografia do fotógrafo, não do que a captou, é claro, mas da figura que apoia Eusébio, uma presença que ali significa o seguinte: o fotógrafo estava lá, como tinha que estar, mas por instantes fez parte do drama como ser humano. Com a câmara fotográfica momentaneamente esquecida, o fotógrafo diz-nos, sem o dizer: houve um tempo em que o espetáculo desportivo e o seu herói, começando já a ser imagem, consentiam a trégua de um gesto de carinho. E assim, o fotógrafo não fotografou porque preferiu confortar o herói vencido, porventura inocente dessa sua condição. (http://figurasdaficcao.wordpress.com/2013/10/20/o-heroi-desportivo-the-special-one/)
Manuel Alegre compôs um poema imortal sobre o que representava o atleta, a figura impar que agora recordamos.
«Havia nele a máxima tensão
Como um clássico ordenava a própria força
Sabia a contenção e era explosão
Não era só instinto era ciência
Magia e teoria já só prática
Havia nele a arte e a inteligência
Do puro e sua matemática
Buscava o golo mais que golo – só palavra
Abstração ponto no espaço teorema
Despido do supérfluo rematava
E então não era golo – era poema»
Alexandre O’Neill vergou-se à importância do jogador e naquele jeito irreverente fez-lhe o elogio, ousando chamar-lhe «tragalhadanças»: «Uma coisa me consola, Eusébio. É que não fui eu quem cobriu Você de adjectivos, de apodos, de cognomes mais ou menos imaginosos. Não fui eu quem disse que Você era a pantera, o príncipe, o bota de oiro, o relâmpago negro, o coice para a frente, o astropata. Também não fui eu quem disse que o seu nome era Eusébio. Dar o Eu a Eusébio, que pretensão! Derive, derive e vire, vire e atire sem parança, Eusébio, seu genial tragalhadanças!».