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albardeiro

Albardas e Alforges... nunca vi nada assim! Minto... já vi!

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Albardas e Alforges... nunca vi nada assim! Minto... já vi!

Reflexões (coisas) de final de ano!

albardeiro, 31.12.13

 

O clima de (grande) insatisfação que se vem acentuando na Educação, desde o ensino básico e secundário ao ensino superior, nomeadamente nas universidades públicas (deixo a investigação de parte) não se pode enfrentar mediante ações e discursos focados apenas nos financiamentos e nas questões salariais, especialmente no registo sindicalista e por vezes conservador em que estas expressões costumam ser empregues. São precisas propostas positivas para que a educação superior não deixe de ser um direito do cidadão e se converta num “bem” a ser adquirido.

É preciso desmontar este sistema e este modo de pensar. Há um limite e não podemos continuar a agir ou a alimentar um discurso falando da universidade em termos contabilísticos ou a partir de preconceitos e visões impressionistas. Não faz sentido abordá-la como se fosse uma organização qualquer, parecida com um supermercado ou uma fábrica. Temos que fazer a defesa intransigente da sua natureza pública, laica e republicana, demarcando com clareza o seu lugar no Estado e, portanto, as suas relações com o mercado, é preciso fazer a crítica da universidade realmente existente, que é, em boa medida, a resultante tanto das políticas governamentais quanto do modo como os seus integrantes assimilam os processos que estão a desafiar a instituição universitária. Devemos, decididamente, complicar o argumento.

Falando da Universidade, antes de tudo, e não deve estar na sua "natureza", a universidade não é uma instituição que vete, reprima ou afirme autoridades outras que não as sustentadas pelo mérito intelectual, que não são impostas, mas decantadas da sua dialogicidade. Tem que ser, é um espaço plural, de lutas e conflitos que precisam de ser compostos e recompostos sem cessar. A ordem que deve nela prevalecer não é a da paz dos cemitérios em que hoje praticamente se tornaram, mas a da turbulência típica do jogo democrático e das disputas por ideias. O seu motor não é o silenciamento do outro, mas o esclarecimento de todos; não é a cristalização de divisões, mas a preparação de ambientes que se articulem e se unam num nível superior. Sem isto, a universidade converte-se (podia dizer que se alrga a todo o sistema de ensino) num teatro de corporações enrijecidas, arrogantes e arbitrárias, onde transcorre um drama sem alma.

Sobre os estudantes, presentemente, a sua participação e ações são residuais para não dizer nulas. O estudante de hoje não protesta, capitula. Quando o faz, muitas vezes “ordeiramente”, porque os campus em que estuda não o auxiliam a construir uma identidade profissional, intelectual ou política, ou seja, a crescer como indivíduo e como movimento. A falta de iniciativa institucional, o desdém sobranceiro de muitos docentes, o burocratismo de alguns funcionários, a massificação consumista e alienante, tudo o impele nesta direção.

O protesto estudantil dignifica a vida universitária, ainda que nem sempre consiga ser eficiente ou produzir impulsos de transformação. Pode até mesmo repercutir-se negativamente e servir de pretexto para os que desejam enquadrar e amordaçar a universidade. Mas é um protesto sem o qual a universidade não pode funcionar democraticamente.

A saída está à esquerda.

Mas não de qualquer esquerda. Pois a esquerda também tem as suas taras autoritárias e conservadoras. Nem sempre sabe o que fazer com o pluralismo, adora estigmatizar os divergentes e os mais rebeldes, tropeça seguidamente nos seus “princípios” e doutrinas, fazendo com que se afaste da realidade. Parte dela acredita possuir uma forma tão nova de democracia que menospreza todas as práticas, regras e condutas democráticas, tidas como inferiores ou desvirtuadoras do seu relativismo

A universidade ( e o ensino em geral) está repleta de pessoas que se dizem de esquerda mas têm um verdadeiro horror à mudança, sobretudo porque mudar pode significar perder posições e vantagens, e quase sempre exige a desconstrução de verdades e convicções. Não sendo politicamente correto (bem sei que vou ficar com as "orelhas" a fritar!) tais pessoas resistem a tudo o que seja novo ou alternativo, usam e abusam da retórica inflamada, agarrando-se, como diria Marco Aurélio Nogueira1 a alguns "mantras surrados" como se fossem as palavras mágicas de Ali-Babá.

A esquerda que é indispensável hoje é parte da democracia e faz da democracia um “valor universal”, como se dizia tempos atrás. É ela que tem que incomodar, desassossegar os guardiões do status quo, sejam eles direitista, neoliberais compulsivos, "esquerdelhos" dogmáticos ou sindicalistas corporativistas.

Seguindo ainda Aurélio Nogueira, um programa de esquerda factível deveria começar por recuperar o tema da democracia progressiva, tão caro ao marxismo italiano. Uma visão atualizada da democracia progressiva teria de começar e também deixar claro que o seu eixo é a ação coletiva de crítica, debate e proposição. Nesta linha gramsciana, ela, a democracia progressiva, faz, aliás, uma crítica dupla: ao sistema e à oposição meramente negativa a ele. Contesta e constrói instituições. Não exclui o momento do antagonismo e da luta, mas não o absolutiza. A defesa do diálogo, da negociação e da legalidade não implica deixar de atacar adversários ou contrariar opiniões. O Seu maior suposto é que qualquer processo de mudança efetiva precisa de articular diferentes temas, planos e problemas numa sucessão de reformas concatenadas, distribuídas num tempo que não se pode determinar de antemão. A questão central não é “conquistar o poder”, mas organizar capacidades intelectuais e morais para dirigir a vida. Não é apenas melhorar o funcionamento dos sistemas, mas ativar uma dialética poder/instituições/pessoas que faça de cada conquista a base e o impulso para novas conquistas sucessivas. Precisamente por isto, a democracia progressiva funde política e cultura, que caminham juntas, uma alimentando a outra. Cai, portanto, a meu ver, como uma luva na universidade, onde as ideias têm peso relevante.

Uma esquerda com estes pressupostos — moderna, democrática, dialógica — contém um impulso ético e moral suficiente para ajudar a que se projetem novos modelos de universidade. Ela tem, no entanto, pouca força política, corroída que foi nas últimas décadas por um capitalismo globalizado selvagem, de desregulação produtiva e de “neoliberalismo” demolidor. É uma esquerda que também não está muito agregada intelectualmente. Na minha opinião, existe hoje mais como um estado de espírito, que no entanto precisa de ganhar corpo e voz ativa para interagir com os ambientes complexos da universidade realmente existente. Fiel a sua própria teoria, só se afirmará progressivamente. Do mesmo modo, a universidade depende de liberdade e efervescência de ideias, e age tanto melhor quanto mais conseguir lutar pela autonomia sem cair no corporativismo e sem deixar de responder pelo que lhe cabe de responsabilidade política e social.

 

1Marco Aurélio Nogueira é professor do Departamento de Política, Antropologia e Filosofia da Faculdade de Ciências e Letras da Universidade Estadual Paulista — Unesp, campus de Araraquara, e técnico (ex-diretor) da Fundap — Fundação do Desenvolvimento Administrativo, órgão do governo de São Paulo. É também autor de um dos melhores, se não o melhor, estudos do pensamento e da ação política do grande líder abolicionista Joaquim Nabuco, As desventuras do liberalismo Joaquim Nabuco, a monarquia e a república, 1984 ; outra referência: As possibilidades da política Idéias para a reforma democrática do Estado. São Paulo: Paz e Terra, 1998 .

INDIGNAÇÃO

albardeiro, 08.12.13

 

São seguramente dois dos mais violentos libelos contra o atual governo e na denúncia da situação a que chegou o nosso país. Foram ambos publicados na imprensa (diária e semanal) e provêm, um e outro, de homens da cultura: António Pinto Ribeiro e António Lobo Antunes.

O primeiro, fazendo um balanço de alguns marcos recentes da realização cultural portuguesa e da construção da nossa identidade coletiva, pela invocação de figuras como José Saramago, Manoel de Oliveira, Eduardo Lourenço, António e Ana Damásio, António Pinho Vargas, Teresa Villaverde e Sérgio Tréffaut, ou do papel insubstituível de associações como os Artistas Unidos ou de instituições como o Teatro da Cornucópia, a Casa da Música ou o MUDE, entre muitas outras, não hesita em referir-se ao presente da nossa desesperança com a certeira mas terrível formulação da “certeza de «ter sido»” (Público – Ípsilon, 8/11/2013). “Aqui chegados – diz Pinto Ribeiro –, há um presente que se desmorona e um futuro que nos é interdito.”, acrescentando, mais adiante, “Ou seja, saímos da ordem social construída sobre a ideia de uma partilha equitativa de bens e de recursos, fundamentada na liberdade e na autoridade da argumentação sobre o domínio, sobre a tecnocracia e a irracionalidade da pobreza, para uma catástrofe de vidas pequeninas (conforme o imaginário destes governantes) e de tentativa de sobrevivência no meio dos escombros.” É a esta realidade – em que “a alegria será apagada das fotos colectivas” – que estaremos condenados?

“Um Dó Li Tá” é o título da habitual crónica de António Lobo Antunes na revista Visão (31/10/2013). Texto notável, não tanto pela ironia mordaz a que o escritor já nos habituou, mas pela brutalidade desencantada da crítica política que encerra. “Perguntam-me muitas vezes – diz Lobo Antunes – por que motivo nunca falo do governo nestas crónicas e a pergunta surpreende-me sempre. Qual governo? É que não existe governo nenhum. Existe um bando de meninos, a quem os pais vestiram casaco como para um baptizado ou um casamento.” Acusando sarcasticamente os portugueses de serem demasiado severos com a infância, o autor interroga-se “que mal fazem eles para além de empobrecerem a gente, tirarem-nos o emprego, estrangularem-nos, desrespeitarem-nos, trazerem-nos fominha, destruírem-nos? São miúdos queridos, cheios de boa vontade, qual o motivo de os não deixarmos estragar tudo à martelada?”, rematando esta ideia com um parágrafo verdadeiramente assassino: “Ensinaram-me que as pessoas não devem ser criticadas pelos nomes ou pelo aspecto físico mas os meninos exageram, e eu não sei se os nomes que usam são verdadeiros: existe um Aguiar Branco e um Poiares Maduro. Porque não juntar-lhes um Colares Tinto ou um Mateus Rosé? É que tenho a impressão de estar num jogo de índios e menos vinho não lhes fazia mal.” Assim, sem mais!

Ora, como também disse o conhecido cientista Manuel Sobrinho Simões, “Este Governo fez uma espécie de destruição criativa: rebentou com tudo” (Público, 22/11/2013). Perante a catástrofe haverá ainda lugar para hesitações?

 

Hugo Fernandez