Saltar para: Posts [1], Pesquisa [2]

albardeiro

Albardas e Alforges... nunca vi nada assim! Minto... já vi!

albardeiro

Albardas e Alforges... nunca vi nada assim! Minto... já vi!

A COR DO DINHEIRO

albardeiro, 15.03.13

Na sua habitual crónica “A Cor do Dinheiro”, no Jornal de Negócios, Camilo Lourenço criticou asperamente Maria do Céu Guerra por esta se ter insurgido contra a contratação de Paulo Futre para dobrar um filme infantil, alegando que escolhas deste tipo prejudicam os atores profissionais que, a braços com uma aflitiva falta de trabalho, se veem com frequência ultrapassados por indivíduos que se notabilizaram noutras áreas. Afirma o economista que o que a atriz defende é “corporativismo. Puro.”, em que “guildas” teriam a capacidade de condicionar o acesso a certas profissões. Conclui Camilo Lourenço que “No fundo, Céu Guerra está a defender aquilo que o dr. Salazar implementou em Portugal durante 40 anos: a primazia das corporações sobre a sociedade.” (Jornal de Negócios, 27/12/2012) [o artigo intitulava-se, acintosamente, “O Salazar que habita em cada português…”].

Paulo Futre é uma personalidade sobejamente conhecida no campo desportivo, como jogador de futebol e como dirigente (ainda para mais num clube estrangeiro), circunstâncias que lhe granjearam uma popularidade que não parece esmorecer com o passar dos anos. A sua natural simpatia e disponibilidade tornou-o num agente predileto da comunicação fácil e direta, quer no domínio publicitário, quer na promoção de eventos, onde a sua comparência é frequentemente requisitada. Paulo Futre transformou-se, assim, num apetecível produto de marketing, usado não por aquilo que faz ou sabe fazer (nestes domínios, a sua prestação é pouco mais do que medíocre) mas por aquilo que é. É a sua presença que é requerida e não a sua competência.

Dir-se-á, “mas vende!”. É verdade, cumpre a sua função e ninguém lhe pode negar essa virtude. Mas convenhamos que o domínio artístico exige um pouco mais de todos os seus intervenientes. A locução na dobragem de uma obra cinematográfica, por mais irrelevante que ela seja, é um trabalho que deve ser cuidado e entregue às pessoas que sabem fazê-lo. É uma técnica que exige aprendizagem e esforço, que alguns estão habilitados a fazer com uma qualidade minimamente aceitável e outros não. Comparar tal desiderato a “corporativismo” é distorcer totalmente a realidade. É esquecer a importância da habilitação profissional, consubstanciada num percurso mais ou menos longo de aprendizagem e no reconhecimento do trabalho desenvolvido pela certificação das respetivas competências. Não é um preconceito orgânico ou uma monopolização corporativa da produção que estão em causa, mas o reconhecimento efetivo do mérito e esforço profissionais. Não se trata de restringir a ninguém o acesso a determinado trabalho – principal desiderato da lógica corporativa – mas tão-só de lhe exigir a capacitação necessária para o efeito. Parece-me uma atitude do mais elementar bom senso. A não ser assim, diluem-se aptidões, subestima-se o valor da diligência, confundem-se interesses e vocações, promove-se a displicência, campeia o compadrio, o oportunismo “chico-espertista” e a mediocridade dos Relvas deste país.

Camilo Lourenço fala do negócio, dos resultados comerciais; Maria do Céu Guerra refere-se à performance artística, ao ato cultural. Infelizmente sabemos no mundo de hoje para que lado pendem os pratos da balança. Mas isso não pode justificar tudo. Muito menos o menosprezo do trabalho dos artistas em benefício de interesses que têm muito pouco a ver com a cultura.





Hugo Fernandez