Está desencantado com o rumo da democracia em Portugal?
Não só em Portugal. O mundo actual defrontase com problemas muito graves de que as pessoas não têm consciência precisamente porque são incultas e porque não estudaram História. Os regimes políticos que, no pós-IIa Guerra Mundial, se tinham construído sobre uma base democrática retrocederam de modo que o processo de democratização não se completou. Quando se fala em Estado de Direito não se diz absolutamente nada. Lamento muito mas o nazismo era um Estado de Direito. Votar sem opções verdadeiras, sem discussão nacional, sem consciência, não é Democracia. Aliás, basta ver que foi aprovado um Tratado para a Europa sem ouvir os cidadãos e ratifi cando um incrível Acordo Ortográfi co contra os pareceres competentes e o sentir das populações. Como tal, não estamos em Democracia em nenhum país. Nem sequer é um ideal porque todos os objectivos estão voltados para o mercado, que é o único valor. Precipitámo-nos para actividades económicas que nos encaminharam para becos sem saída. Todo o processo económico está estrangulado de tal maneira que o mundo é dirigido por grandes redes em relação aos quais os governos não têm qualquer poder, como se vê agora com os preços do petróleo. Dizem-nos que não pode haver emprego que não seja precário? Quem diz isto não ganha 400 ou 500 euros nem tem empregos precários. As políticas ditas neoliberais fracassaram, desembocando numa crise mundo de incalculáveis dimensões, mas certamente estrutural. A orientação do equilíbrio das contas públicas não integradas num planeamento económico que vise o bem público não evita essa derrapagem. Lembre-se que Salazar saneou as fi nanças, chegando a obter superavite - e o que tivemos depois? 40 anos de atraso do país. Além do fracasso das democracias e do triunfo de uma economia da desigualdade, defrontamo-nos com outro problema crucial: o fanatismo religioso e o ataque à laicidade. Volta-se à obsessão da tradição como combate à modernidade, violando-se direitos humanos essenciais. Esse enquistamento de doutrinas e práticas que consideraríamos obsoletas ateiam vagas de extrema violência, tornando insuportável a vida quotidiana. Porque não voltamos à utopia?
Quem disse isto foi o Senhor que está na imagem que se segue... faleceu ontem. O seu túmulo pode ficar ao lado do de Herculano. É uma obrigação e a homenagem devida.
Podem ler em
http://aeiou.visao.pt/morreu-vitorino-magalhaes-godinho=f600150
"O Caso Nobre é um caso de salsicharia política. Ou como este país anda tresloucado, começando no eleitorado acabando na classe política. Uma classe sem classe.
Estava na cara que a candidatura de Nobre às presidenciais tinha sido uma manobra de Mário Soares para tramar Alegre. E não era preciso ser psicólogo para se ter logo percebido que por detrás do bom samaritano, do médico voluntarista, do ami Nobre, estava um tipo narcisista, ambicioso, que tinha tido um clique, porventura depois de uma mordidela de mosca tsé-tsé, e se convenceu empurrado pelos soaristas que podia ser um Presidente. O seu tom crispado, a sua indelicadeza para com Manuel Alegre (ao ponto de nem o ter cumprimentado depois do debate televisivo ter acabado) dava a conhecer um tipo que era a antítese do anjinho da guarda para se tornar no anjola da campanha.
Curiosamente, ou nem por isso, o Nobre sem nobreza nunca atacou Cavaco e até mostrou uma certa reverência durante os debates. O Nobre era a lebre de Cavaco e o cão de guarda de Soares. Embora fosse mais o barulho do que a mordidela.
Depois das eleições o homem foi poupado por Cavaco, e Soares convidou-o para jantar em sua casa pondo Sócrates a fazer de mordomo. Bom, o melhor estava para vir. Quando há um mês, Nobre veio à televisão dizer que em Maio ia haver novidades quanto ao seu futuro político, ele estava a pensar num PRD pós-moderno. Não precisou de abrir uma empresa unipessoal. Os rapazes de Coelho arranjaram-lhe um emprego, poupando-lhe as chatices de abrir uma empresa, arcar com os prejuízos e ficar sem trabalho.
O virgem da política, o anti-partidos, o moralista, o sacrista, o anjólas, o justiceiro, a Madre Teresa de Calcutá portuguesa de calças, converteu-se ao sistema, deixou-se comprar por um partido neo-liberal e aceitou ser atado a um foguete numa rampa de lançamento para....Presidente da Assembleia da República. Isto é mau em demasia para ser verdade. Digam-me que é mentira e que eu enlouqueci! Ou digam-me que isto é mais uma bojarda de Passos Coelho a caminho da frigideira para ser frito em azeite a ferver. Só pode.
Como pode um laranjinha de Cristo votar num tipo que teve a ousadia de lutar na praça pública contra Cavaco? Como pode um venerando do busto de Sá Carneiro meter o voto num tipo destes, num vira-casacas?
E que pensarão os barões do PSD que se perfilavam para esse lugar que é a 2ª figura da Nação? Anda um tipo a bulir pelo partido para o 2º lugar da Pátria ser entregue a um free-lancer?
E que sentirão aqueles totós que têm a mania que são de esquerda e que andaram a temperar o Nobre com mostarda e ketchup para venderem aquilo como mata-fome para a esquerda faminta?
Fernando Nobre era uma mentira como candidato a PR, agora tornou-se no verdadeiro salsicheiro da política portuguesa!"
Mais do que um instante, isto é INSTANTE FATAL.
No passado dia 6 de Abril, José Sócrates era um homem preocupado. O Governo português ia fazer o anúncio que tantos temiam. A situação das finanças públicas era de tal modo grave que não restava outra alternativa senão recorrer ao fundo de resgate europeu e à sempre dramática intervenção do FMI. Seria certa a aplicação de uma receita tantas vezes experimentada e com resultados sociais tão desastrosos um pouco por todo o mundo: desmantelamento dos serviços públicos, privatização generalizada da economia, total precarização laboral, escalada dos despedimentos, cortes nas pensões e nos salários, empobrecimento acentuado da população.
Podia ser até, como alguns alvitravam, que Sócrates estivesse preocupado com o golpe de rins que teria que dar para explicar aos portugueses como é que ainda há duas semanas (dia 25 de Março de 2011, para ser mais preciso) declarava que “Portugal não precisa de aderir a nenhum fundo de resgate e manterei a mesma determinação na defesa do meu país para que isso não aconteça”, ou que, na precisa manhã do “dia D”, uma nota do seu gabinete de imprensa fosse perentória em afirmar que o dito pedido de financiamento “Não passa de um rumor sem fundamento.”
Claro que podia sempre desculpar-se com a crise política despoletada com a apresentação em Bruxelas do PEC IV e disfarçar a total irresponsabilidade e falta de cultura democrática – estilo quero, posso e mando – de que deu provas na condução do processo e que até alguns dos seus fieis correligionários acabaram por admitir (ou teria sido um esticar de corda intencional?). Afastaria, desta forma, a responsabilidade absoluta (sim, porque a maioria absoluta traz consigo responsabilidades de igual quilate!) pelos anos de desmando e de esbanjamento à tripa forra, alimentando cortes de assessores, boys, nababos e interesses megalómanos de toda a espécie, e lançando sobre todos os outros o ónus da presente situação.
Era também compreensível que estivesse preocupado em explicar aos seus concidadãos como ia continuar a governar quando tinha afiançado, ainda não há um mês (19 de Março de 2011, para ser mais preciso), que não estaria disponível para tal caso fosse necessário recorrer à intervenção do FMI. Ou como justificar uma nova apresentação a eleições na qualidade de secretário-geral do seu partido e, desta forma, com a hipótese real de ser chamado a formar, mais uma vez, governo…com o FMI instalado em Portugal.
Razões para preocupação não faltavam. A hora da comunicação anunciada aproximava-se e o país estava suspenso. As televisões entraram em directo. Ecce homo. Por momentos vislumbramos na SIC um Primeiro-ministro em mangas de camisa num plano aproximadíssimo e pouco ortodoxo. Tinha sido engano. Ainda não tinha chegado a altura do acto propriamente dito. Na TVI, este lapso de emissão foi mais completo; durou um pouco mais e teve um som bem audível. A mesma personagem, a mesma camisa branca, a mesma gravata azul clara. E… a preocupação de José Sócrates: “Ó Luís, vê lá na… (no monitor) como é que fico a olhar para os… (referia-se aos telepontos)” – dando um jeitinho à cabeça, ora para a direita, ora para a esquerda – “Assim fica melhor? Ou fica melhor assim?”
Como é possível sermos governados por gente desta!?
Hugo Fernandez
O Tribunal Europeu dos Direitos Humanos errou. E errou nas duas coisas onde jamais o poderia ter feito: no Direito e na Justiça.
Com efeito, no passado mês de março, os europeus foram surpreendidos com a inconcebível decisão de Estrasburgo em considerar que o uso de crucifixos nas salas de aula não violava o direito à educação, ou de os pais educarem os seus filhos de acordo com as suas convicções, dando razão ao recurso interposto pelo Governo italiano. Este veredito vem assim contrariar decisão anterior do mesmo órgão em 2009, na sequência da ação da italiana de origem finlandesa Soile Lautsi, que contestou a presença destes símbolos religiosos numa escola pública da localidade de Abano Treme, perto de Veneza, e o direito a educar os filhos de uma forma laica. A decisão inicial do tribunal europeu tinha considerado, com efeito, que esta circunstância podia significar uma agressão a alunos de outras religiões ou sem quaisquer crenças religiosas, no cumprimento, aliás, do disposto na Convenção Europeia dos Direitos do Homem, em vigor desde 1953, e que no número dois do seu artigo nono, relativo à “Liberdade de pensamento, de consciência e de religião”,estipula que “A liberdade de manifestar a sua religião ou convicções, individual ou colectivamente, não pode ser objecto de outras restrições senão as que, previstas na lei, constituírem disposições necessárias, numa sociedade democrática, à segurança pública, à protecção da ordem, da saúde e moral públicas, ou à proteção dos direitos e liberdades de outrem.”
Este tribunal errou assim em matéria de Direito, porque renegou as normas internacionalmente aceites de direitos, liberdades e garantias, conforme se encontram estabelecidas na Declaração Universal dos Direitos Humanos, adoptada pela ONU em 1948 e que constitui a base doutrinária da sua jurisprudência, ao violar de forma flagrante os princípios iniludíveis da universalidade (abrangência universal dos direitos, independentemente da nacionalidade, sexo, raça, credo religioso ou convicção político-filosófica) e efectividade (obrigação da garantia dos direitos por parte do poder público e dos orgãos da administração do Estado) na aplicação da norma jurídica. Convém lembrar que no seu artigo VII, este documento das Nações Unidas é muito claro ao afirmar que “Todos são iguais perante a lei e têm direito, sem qualquer distinção, a igual proteção da lei. Todos têm direito a igual proteção contra qualquer discriminação que viole a presente Declaração e contra qualquer incitamento a tal discriminação.” Com esta decisão, violam-se igualmente os princípios básicos constantes no documento internacional dos direitos humanos de 1948 da irrenunciabilidade dos direitos, já que não podem ser objecto de renúncia ou alienação e, principalmente, da sua inviolabilidade, implicando a responsabilização civil, administrativa ou criminal pelo seu desrespeito por determinações ou actos das autoridades públicas.
Mas o Tribunal Europeu dos Direitos Humanos errou sobretudo no campo da Justiça, porque violou os mais sagrados princípios da Liberdade e da Igualdade, regras basilares que norteiam o nosso viver colectivo e que assentam na ideia simples de que, usufruindo todos dos mesmos direitos, a nossa liberdade tem como limite a liberdade dos outros. Ao promover uma discriminação, ao incentivar uma desigualdade no tratamento de cidadãos por causa das suas convicções religiosas – ou da ausência delas – foi parcial e avalizou, em iguais circunstâncias, uns em detrimento de outros. Quebrou assim a regra da equidade, isto é, considerar igual o que é igual e diferente o que se afigura diferente. Mais do que isso. Envolveu-se diretamente numa disputa doutrinária de que deveria estar arredado, preferindo os “cantos de sereia” ultramontanos de uma proclamada identidade cristã da Europa, em detrimento do tratamento igual de todas as crenças religiosas no espaço público. Imperdoável!
E se a decisão é espantosa, a sua justificação é verdadeiramente aberrante. Os 15 juízes (em 17) que votaram a favor da sentença consideraram que “um crucifixo colado a uma parede é um símbolo essencialmente passivo, cuja influência sobre os alunos não pode ser comparada a um discurso ou à participação em actividades religiosas” (Público, 19/3/2011), alegando que “não há nenhuma prova de que a visão de um crucifixo nas paredes da sala de aula possa ter influência sobre os alunos”. Trata-se de uma flagrante falácia. Certamente conhecedores da enorme importância do poder simbólico – cuja ação se exerce “por sinais capazes de produzir coisas sociais”, conforme a sugestiva explicação do famoso sociólogo francês Pierre Bourdieu na sua obra de referência O Poder Simbólico – os juízes escamotearam o facto da representação simbólica constituir instrumento integrante e indispensável à percepção da realidade e à construção de uma determinada visão do mundo, ainda para mais se tivermos em conta que se tratam de jovens em idade escolar, numa altura em que estes fatores identitários são de extrema relevância. Longe de constituir um mero epifenómeno social, a eficácia da representação simbólica explica-se por aquilo que Bourdieu refere como a “crença mobilizadora que ela suscita pela força da objetivação”, fator que certamente não é desconhecido dos magistrados europeus.
As reações entusiásticas do poder político e religioso não se fizeram esperar. O Ministro dos Negócios Estrangeiros italiano, Franco Frattini, em declarações ao diário La Repubblica, considerou que “a decisão sublinha, antes de mais, o direito de os cidadãos defenderem os seus próprios valores e a sua identidade” e o porta-voz do Vaticano, Frederico Lombardi, rejubilou, afirmando tratar-se de “uma decisão histórica e importante” (Público, 19/3/2011). Isto numa altura em que no Egito se discute, em sede de revisão constitucional, a possibilidade da separação da religião e do Estado, ou quando o imã de Meca, lugar cimeiro na hierarquia do Islão, critica fortemente os movimentos de contestação que eclodiram no mundo árabe e que, ao reclamarem a laicização e democratização do Estado, rejeitando a sharia (lei islâmica), estariam a promover o “caos religioso e moral” (Público, 26/3/2011). É obra!
Ecoa, a este propósito, o ensinamento do filósofo setecentista Immanuel Kant que, no seu projecto para A Paz Perpétua, lembrava que “O direito dos homens deve considerar-se sagrado, por maiores que sejam os sacrifícios que ele custa ao poder dominante”. É caso para dizer ita missa est, amen.
Hugo Fernandez