Albardas e Alforges... nunca vi nada assim! Minto... já vi!
Sexta-feira, 15 de Janeiro de 2010
Uma incumb~encia de ofertar... de albardeiro para albardeiro!

Creio que foi o FJV na Origem das Espécies que falou de educação e como acho "interessante" esta temática (quando se juntam umas pessoas que eu cá sei e que me são... e dizem muito, invariavelmente as "conversas" ou o pôr a "escrita em dia" encarreiram para a "avenida" da educação) e para que, face ao andar da carruagem, a "matéria" não fique esquecida e se passe outro "capítulo", nada melhor que deixar algumas "sugestões" com as actividades que importa consolidar. E o texto que segue é sugestivo...

Se é a falar, falemos

border=0 alt="" src="http://www.eb1-aiana.rcts.pt/images/Escola1.jpg">

Paulo Rangel fala — e bem — de uma revolução conservadora no ensino. Uma revolução «que substitua o facilitismo pela exigência». Anos de atraso nesta conversa. Duas décadas, pelo menos. Nesta matéria, é preciso ter alguma memória para não cair no espectáculo. Lembram-se quando um ministro (do PSD) tratou de substituir a designação «alunos» pela de «aprendentes»? Lembram-se como, que me lembre, todos os ministros que tentaram reformas curriculares e chamaram a atenção para o problema dos programas de ensino (como David Justino e Marçal Grilo, por exemplo) foram trucidados pelas máquinas partidárias?

O conceito (revolução conservadora) tinha graça há uma ou duas décadas. Nessa altura, muito antes de aparecerem «os números da Finlândia» (descansem, que não foi só com computadores na sala de aula que apareceram os bons resultados), já se falava de outros modelos, como os da Coreia do Sul (descansem, que não foi só com computadores na sala de aula que apareceram os bons resultados), «que não tinham a ver com a nossa cultura, pá». Pobre gente que nunca tinha lido David Landes. Agora, o próprio Paulo Rangel levanta a ponta do véu: associado ao lema «revolução conservadora» adianta logo o «estatuto do aluno». Já se vê. Uma piscadela de olho que não é nada conservadora, mas que apenas transporta o seu tique disciplinador e de «cada coisa no seu lugar». Infelizmente, o «estatuto do aluno» é o menor dos males — vai ser coisa para a fedelhagem tratar da «participação na escola», do «modelo de gestão», do «poder da escola» e dos vícios congéneres.

Não. O que é preciso discutir, realmente, é o que se vai ensinar na escola. E para isso é preciso questionar seriamente uma geração de burocratas das ciências pedagógicas que, durante os últimos trinta anos, torturaram professores e alunos com as suas ideias de «engenharia escolar e social», os seus manuais deficientes, as ideias feitas, as vulgaridades e erros nos manuais de Português, História ou — ah, sim — até Matemática. Não se trata, apenas de mudança de mentalidade; isso, como o país está, ligeirinho e moderno, é o menos. Portugal muda de mentalidade todos os anos, conforme as conveniências, as oportunidades, o «Prós e Contras», as «fracturas» e os «psis» chamados ao estrado do Ministério da Educação.

A «revolução conservadora» tinha graça há duas décadas quando valia a pena construir o edifício. Hoje, ele está deficiente. Em primeiro lugar, chamem os professores. Os professores-professores — não os técnicos em Ciências da Educação que não dão aulas há vinte anos. Chamem os professores que contactam com os alunos, que dão aulas, que passam pelos corredores e sabem do que se fala quando se fala de educação. A tentação da reforma a todo o custo cria vítima insuspeitas; para legislar sobre o «modelo de avaliação dos professores» a primeira coisa que fizeram foi afastar os professores. Não queiram fazer a reforma curricular afastando-os de novo. Basta ouvir, tomar notas, recolher histórias reais. Isto não são os cientistas da pedagogia que o podem fazer; eles não têm histórias reais para contar — aliás, lendo o que eles escrevem nas introduções aos programas escolares e nos materiais ideológicos produzidos pelo Ministério da Educação, até é legítimo supor que não falam Português.



publicado por albardeiro às 00:41
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Sábado, 2 de Janeiro de 2010
TIPOS

Não é meu propósito falar de José Sócrates enquanto indivíduo. É uma pessoa de fracas qualidades e de pouco interesse. Tudo muda de figura, no entanto, se o encararmos enquanto expressão sociológica de um certo modo de ser português. Aquilo que Max Weber definia como tipo-ideal. É evidente que este tipo é sempre uma construção teórica, uma abstracção da realidade que, juntando uma série de elementos significativos presentes nessa mesma realidade – embora não da forma sistemática com que acaba por ser apresentada – nos ajudam à sua compreensão. É um instrumento analítico usado pelos cientistas sociais com o objectivo de tornarem a sociedade mais inteligível. Baseia-se, essencialmente, numa caracterização e combinação metódica e persistente de padrões individuais concretos ou, como explica Weber em “A «Objetividade» do Conhecimento nas Ciências Sociais” (in Cohn, Gabriel, Max Weber: Sociologia, São Paulo, Ática, 1979, p. 106), na " acentuação unilateral de um ou vários pontos de vista, e mediante o encadeamento de grande quantidade de fenómenos isoladamente dados, difusos e discretos, que se podem dar em maior ou menor número ou mesmo faltar por completo, e que se ordenam segundo os pontos de vista unilateralmente acentuados, a fim de se formar um quadro homogéneo de pensamento.” Deste ponto de vista, José Sócrates torna-se, sem dúvida num autêntico case studie.


            Não falo apenas das suspeitas nos casos Freeport ou Face Oculta, do aludido controlo editorial da TVI através da compra da Media Capital pela PT, do afastamento de Moura Guedes do Jornal de Sexta da TVI, das mencionadas pressões sobre o Público e o Sol alegadamente a troco de contrapartidas financeiras (garantia de publicidade e de empréstimos bancários), dos processos movidos a jornalistas e a adversários políticos, que rechearam inúmeras manchetes de jornais, aberturas de noticiários televisivos, preencheram múltiplos comentários políticos ou conversas de café, sempre transmitindo a ideia de presumíveis actos de corrupção, tráfico de influências, fraude fiscal, “crime de atentado ao Estado de Direito” (alegação feita por um juiz de acção criminal e mesmo pelo Procurador-coordenador do Departamento de Investigação e Acção Penal de Aveiro) ou nepotismo praticado pelo Primeiro-Ministro ou pelos homens da sua confiança. Nem dos episódios rocambolescos da sua licenciatura, da contestada autoria de mais de duas dezenas de projectos de engenharia assinados por si nos anos 80 ou da polémica a propósito do valor da aquisição de apartamentos num conceituado prédio lisboeta.


            O que acontece é que, como disse há tempos Pacheco Pereira, “não há pedra em que não se dê um pontapé (…) em que Sócrates não apareça.” (Público, 14/11/09). E não se trata de perseguição ou da “campanha negra” com que o Primeiro-Ministro gosta de se vitimizar. Trata-se da simples constatação de que “Sócrates aparece sempre lá, perto ou longe, com mais ou menos responsabilidades, e aparece porque está lá. Ele, a família, os seus amigos do PS, as pessoas que escolheu, as áreas onde governou e governa.” (idem). Ora é neste ponto que se justifica falar do tal tipo ideal weberiano, ainda que com a linearidade exigida pela economia de um texto como o que agora se apresenta. Para todos os efeitos, podemos caracterizar o tipo de actuação referida como expressão do mais puro chico-espertismo. Este é infelizmente um padrão comportamental recorrente e transversal à sociedade portuguesa. O chico-esperto é o “malandro” que usa a malícia e o fingimento para obter o que quer, sem que os outros se apercebam disso. É o “falinhas mansas”, o “sonso” – ou, numa versão mais hard, o “pato-bravo” – que “leva sempre a água ao seu moinho”, recorrendo a todos os meios necessários e sem olhar às consequências que os seus actos possam causar a terceiros. A falsidade e a falta de escrúpulos são, aliás, características matriciais da relação que estabelece com os outros. O desvio mais ou menos declarado à norma – quando não à própria legalidade – constitui a sua verdadeira idiossincrasia. Encontramo-nos, portanto, em pleno domínio do “desenrasque”.


Atentemos, a este propósito, nas certeiras palavras de José Gil, no seu mais recente ensaio Em Busca da Identidade – o desnorte (Lisboa, Relógio D’Água, 2009, pp. 30-34): “O chico-esperto não é o mentiroso, o grande escroque, o corrupto que se coloca claramente fora da lei. Pelo contrário, aproveita um espaço não-preenchido pela lei para cometer um acto quase legal, mesmo quando implica pequenas transgressões das normas jurídicas. (…) O chico-esperto infringe a lei como se estivesse a cumpri-la, como se fosse uma boa partida sem consequências de maior. Porquê? Porque, no fundo, a pequena transgressão que comete não faz dele um criminoso, apenas um «malandreco».” E o que é mais grave é que pode contar com a conivência – e, mesmo, declarada aprovação – de uma opinião pública largamente formatada à imagem e semelhança do mesmo tipo de atitudes. A cumplicidade geral, mesmo quando há uma condenação pública, faz do chico-esperto bem sucedido uma personagem digna de realce e mesmo consideração. Como refere José Gil, “a sua acção ganha valor – o valor da sua esperteza. Esta necessita de descaramento, mas contém ousadia, temeridade e até coragem – valor moral enviesado, mas que todos os portugueses reconhecem.” Por isso, o filósofo conclui que o chico-esperto “Define-se como o que se aproveita, à beira da ilegalidade ou mesmo dentro dela, dos espaços deixados em branco pelos códigos e as normas, para obter fins que não alcançaria de outro modo. O chico-esperto não nega o poder e a lei, contorna-os pontualmente.” A sensação de impunidade dá-lhe a falsa ideia de superioridade em relação aos outros. É desse sentimento e das vantagens da sua acção que se alimente o chico-esperto. Traçando um perfil necessariamente esquemático, este tem um temperamento vivaço e irascível (dependendo do sucesso ou insucesso dos seus empreendimentos), é egocêntrico e vaidoso (seguidor das modas e adorando gadgets) é ignorante q.b. (pois não tem vontade nem paciência para se cultivar) e, sobretudo, está obcecado pelo permanente protagonismo (a qualquer preço). O retrato faz-vos lembrar alguém?


Este ethos português é velho de séculos. Sempre fomos bons a viver de expedientes e de esquemas manhosos. Também por isso sempre vivemos numa sociedade envenenada pela corrupção e pelo compadrio. O império da cunha, verdadeira instituição nacional, tornou-nos, ao longo dos tempos, um país atrasado e desleixado. Mas a questão que se põe é saber se a acção social e política no mundo de hoje pode continuar a compadecer-se com semelhantes procedimentos. Até pela simples razão de que a concorrência internacional é muita e, em geral, melhor apetrechada. Assim, a persistirmos nesta postura, à falta de princípios éticos e valores morais acresce uma inevitável falta de eficácia na resolução dos problemas que se nos deparam. Ora, a modernidade tantas vezes proclamada passa, precisamente, por erradicar dos hábitos e comportamentos dos portugueses estes atavismos tão arreigados. De forma sistemática e reiterada. Nos grandes como nos pequenos poderes. Estaremos dispostos a denunciar estas situações e, de uma vez por todas, deixar de transigir com o chico-espertismo? Estaremos realmente dispostos a crescer como sociedade?


 


Hugo Fernandez



publicado por albardeiro às 14:30
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