Há coincidências assim. A 25 de Abril de 1983 nascia o Governo do Bloco Central, resultado do entendimento entre o PS de Mário Soares e o PPD de Mota Pinto. Foi este Governo, lembremos, que preparou a adesão de Portugal à CEE, mas sobretudo que iniciou a implementação de uma brutal política de austeridade, à custa dos direitos sociais, para equilibrar a situação orçamental aquilo que, em tempos mais recentes, veio a ser designado por obsessão do deficit e que abriu as portas à privatização do sector estatal. Estávamos, então, perante objectivos estratégicos para Portugal que eram comuns aos dois partidos que, no entanto, se afirmavam diferentes. Não foi caso único. A coincidência de posições entre PS e PSD tem sido, com raras excepções, uma constante da nossa realidade política. A suposta alternativa de poder que ambos reivindicam, não passa, afinal, de uma convergência substantiva nas ideias e nos propósitos a que se deu, apropriadamente, o nome de centrão. Mesmo a tradicional divisão sociológica de um eleitorado PS mais urbanizado face a um eleitorado PSD de proveniência mais rural, se fez algum sentido nos inícios da nossa democracia, deixou hoje de ter qualquer relevância.
Mais de 20 anos depois, a cena política portuguesa continua a ser dominada pelos mesmos protagonistas e a colocar estes irmãos gémeos numa estrita dependência recíproca. Desta feita, e talvez de forma mais evidente do que em qualquer outra altura, o espaço político preenchido pelo PSD vê-se reduzido à insignificância, a favor de um PS que, por seu lado, mimetiza o primeiro, pelagiando despudoradamente a sua visão do mundo e os seus projectos societais. Enquanto o PS, como partido do poder, capitaliza esta circunstância, o PSD, et pour cause, atravessa uma profunda crise de identidade e de liderança.
Não quero com isto dizer que não haja diferenças entre as duas formações políticas, nem que, sem mais, esteja aberto o caminho da fusão, como sugeriu há poucos dias José Miguel Judice. Até porque à sobreposição de projectos políticos obsta uma efectiva diferenciação de clientelas mais do que de interesses gerais a sustentar. Mas que os pontos comuns são muito mais significativos que as divergências, parece-me uma evidência histórica. A começar pelo desfocagem ideológica que ambos os partidos, desde sempre, apresentaram: um partido que se diz socialista e que sempre foi social-democrata e um partido dito social-democrata que é, na verdade, liberal. Tudo se torna ainda mais nebuloso quando, no presente, os dois advogam, em perfeita sintonia, políticas claramente neo-liberais.
Penso que só à luz destas considerações se pode interpretar a afirmação de Pedro Lomba de que O PSD é um partido negativo composto por pessoas radicalmente diferentes que têm apenas uma convicção em comum: não são do PS. (Diário Económico 23/4/08). Com efeito, esta afirmação permite evidenciar o carácter clubístico e não, como era suposto, ideológico-político na definição do respectivo espaço partidário.
Aliás, os jogos de poder despoletados pela actual crise de liderança no PSD demonstram-no em todo o seu esplendor. A luta entre os barões e seus sindicatos de votos os notáveis e os interesses (ou deveria antes dizer os notáveis interesses!) reflectem o grau zero daquilo que se podia esperar de um combate partidário. Discutem-se pessoas e não ideias, lugares e não projectos. O insuperável Luís Afonso (Público, 25/4/08) retrata fielmente a situação no seu Bartoon; quando uma cliente lê no jornal que Alberto João Jardim diz que está próximo ideologicamente de Santana Lopes e se questiona Santana Lopes está ideologicamente onde? o barman hesita, mas acaba por responder Já sei! Próximo de Jardim. Por isso, também não podia estar mais de acordo com Vasco Pulido Valente, quando diz O que divide o PSD não é o programa ou a ideologia, em sentido estrito, mesmo porque o programa e a ideologia contam pouco num movimento populista. O que divide o PSD é uma questão política, a questão nua e crua do poder: quem manda ou não manda no partido. (Público 25/4/08). Será diferente no PS? Não creio.
Uma coisa é certa. Quando José Sócrates perder a maioria absoluta em 2009, todos sabemos com quem se irá aliar.
Hugo Fernandez
Portugal, nas palavras de um atrevido português em honra ao seu criador e como espelho do que somos!!
Como é que o senhor definiria Portugal, em quatro palavras?
Isto é uma choldra.
Mas não está a melhorar? A política do país não mostra progresso?
A política! Isso tornou-se moralmente e fisicamente nojento. Os políticos hoje são homens de engonço que fazem gestos e tomam atitudes porque dois ou três financeiros por trás lhes puxam os cordéis... Ainda assim podiam ser bonecos bem recortados, bem envernizados! Mas qual! Aí é que está o horror. Não têm feitio, não têm maneiras, não se lavam, não limpam as unhas... Os três ou quatro salões que em Lisboa recebem todo o mundo, seja quem for, largamente, excluem a maioria dos políticos. E por quê? Porque as senhoras têm nojo.
Quem está com a palavra é João da Ega, português cujo nome soa a escândalo, adepto do "massacre das classes médias", do amor livre e da repartição das terras, tão peculiar pelas ideias como pela figura esgrouviada e seca, os pêlos do bigode arrebitados sob o nariz adunco, um monóculo entalhado no olho direito. Continuemos a entrevista.
E, no entanto, na imprensa, lêem-se com frequência elogios aos políticos, descritos como homens de grande talento...
É extraordinário! Neste abençoado país todos os políticos têm "imenso talento". A oposição confessa sempre que os ministros, que ela cobre de injúrias, têm, à parte os disparates que fazem, um "talento de primeira ordem". Por outro lado a maioria admite que a oposição, a quem ela constantemente recrimina pelos disparates que fez, está cheia de "robustíssimos talentos". De resto todo o mundo concorda que o país é uma choldra. E resulta portanto este fato supracómico: um país governado com imenso talento, que é de todos na Europa, segundo consenso unânime, o mais estupidamente governado!
O que se deve fazer diante disso?
Eu proponho isto, a ver: que, como os talentos sempre falham, se experimentem uma vez os imbecis!
João da Ega, se o leitor não sabe, é personagem do romance Os Maias, de Eça de Queiroz. As perguntas desta entrevista são inventadas. As respostas são todas extraídas do livro.
O senhor censura muito a falta de soluções próprias em Portugal...
Aqui importa-se tudo. Leis, ideias, filosofias, teorias, assuntos, estéticas, ciências, estilo, indústrias, modas, maneiras, pilhérias, tudo nos vem em caixotes pelo paquete. A civilização custa-nos caríssima com os direitos de alfândega: e é em segunda mão, não foi feita para nós, fica-nos curta nas mangas.
O senhor seria capaz de dar exemplos do que está a dizer? De como as importações chegam deformadas a Portugal?
O figurino da bota que veio de fora era levemente estreito na ponta; imediatamente o janota estica-o e aguça-o até ao bico de alfinete. Por seu lado, o escritor lê uma página de Goncourt ou de Verlaine em estilo precioso e cinzelado; imediatamente retorce, emaranha, desengonça a sua pobre frase até descambar no delirante e no burlesco. Por sua vez o legislador ouve dizer que lá fora se levanta o nível da instrução; imediatamente põe no programa dos exames de primeiras letras a metafísica, a astronomia, a filologia, e egiptologia, a cresmática, a crítica das religiões comparadas e outros infinitos terrores.
O senhor uma vez viu um certo Sousa Neto perguntar se na Inglaterra também havia literatura, como em Portugal. Que faz esse Sousa Neto?
Oficial superior duma grande repartição do Estado!
Qual?
Ora, de qual! De qual há-de ser?... Da instrução pública!
Uma última pergunta: como é que o senhor definiria Portugal, em cinco palavras?
Isto é uma choldra torpe. Portugal não precisa de reformas, mas é da invasão espanhola.