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albardeiro

Albardas e Alforges... nunca vi nada assim! Minto... já vi!

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Albardas e Alforges... nunca vi nada assim! Minto... já vi!

Ameaçados, Intimidados, Atemorizados, Acobardados…

albardeiro, 24.06.07

A propósito do artigo do António Barreto publicado no Público de hoje…


A ameaça é um recurso de poder tão antigo quanto a própria política. Tem sido utilizada de forma manifesta, seguida do anúncio de castigos, ou com luvas acetinadas, acompanhada da promessa de recompensas. Mas pretende sempre gerar o receio de que haverá algo de nefasto e pernicioso se vier a faltar o líder virtuoso ou não for seguida a palavra verdadeira. Que triste fado - viver sempre sob o signo da ameaça. Na época da ditadura, ela integrava o nosso quotidiano. Acreditámos que, com a democracia, a ameaça seria banida. Afinal de contas, não me parece que fosse/seja assim: Será que estamos condenados a uma só ideia, a uma só solução, a um único e bom mundo. Fora isso, o caos ou o nada. A ameaça, converteu-se no esteio de uma estratégia de dominação. Aceitou-se também como parceiro de um projecto de hegemonia. Nesse projecto, há uma ideologia que não se consegue conter. Ela dedica-se a disseminar uma imagem de sociedade como um território de obedientes (o respeitinho…). Nessa sociedade, não há necessidade de oposição; bastam algumas oposições dóceis, lamurientas quanto baste, distantes da contestação sistémica. Os cidadãos devem permanecer colados ao seu viver poucochinho, apenas aos seus direitos de consumidor, despojando-se de futuro. O establishment não tem poupado esforços para viabilizar essa estratégia de dominação. O establishment passou a deslegitimar aqueles que não concordam, dizendo basicamente que ser contra o governo era facilitar a volta dos tempos “perigosos”, era ser contra o País, contra a estabilidade, contra as reformas que nos trarão a nova sociedade de amanhã. O establishment, por isso, passou a atribuir ao governo o papel de única verdade e única certeza, algo quase etéreo, posto que incapaz de se equivocar: os problemas nacionais jamais derivariam de erros de orientação governamental, mas seriam impostos ou pela crise externa ou pela cegueira dos que são "contra". Está ser-nos roubada a alma. Temos que encontrar formas de estancar este clima de ameaça, que mobiliza poderosos recursos de poder.


"A lei das chefias da Administração Pública, ditas de "confiança política" e cujos mandatos cessam com novas eleições, foi um gesto fundador. O bilhete de identidade "quase único" foi um sinal revelador. O Governo queria construir, paulatinamente, os mecanismos de controlo e informação. E quis significar à opinião que, nesse propósito, não brincava. A criação de um órgão de coordenação de todas as polícias parecia ser uma medida meramente técnica, mas percebeu-se que não era só isso. A colocação de tal organismo sob a tutela directa do primeiro-ministro veio esclarecer dúvidas. A revisão e reforma do estatuto do jornalista e da Entidade Reguladora para a Comunicação confirmaram um espírito. A exposição pública dos nomes de alguns devedores fiscais inscrevia-se nesta linha de conduta. Os apelos à delação de funcionários ultrapassaram as fronteiras da decência. O processo disciplinar instaurado contra um professor que terá "desabafado" ou "insultado" o primeiro-ministro mostrou intranquilidade e crispação, o que não é particularmente grave, mas é sobretudo um aviso e, talvez, o primeiro de uma série cujo âmbito se desconhece ainda. A criação, anunciada esta semana, de um ficheiro dos funcionários públicos com cruzamento de todas as informações relativas a esses cidadãos, incluindo pormenores da vida privada dos próprios e dos seus filhos, agrava e concretiza um plano inadmissível de ingerência do Estado na vida dos cidadãos. Finalmente, o processo que Sócrates intentou agora contra um "bloguista" que, há anos, iniciou o episódio dos "diplomas" universitários do primeiro-ministro é mais um passo numa construção que ainda não tem nome. Não se trata de imperícia. Se fosse, já o rumo teria sido corrigido. Não são ventos de loucura. Se fossem, teriam sido como tal denunciados. Nem são caprichos. É uma intenção, é uma estratégia, é um plano minuciosamente preparado e meticulosamente posto em prática. Passo a passo. Com ordem de prioridades. Primeiro os instrumentos, depois as leis, a seguir as medidas práticas, finalmente os gestos. E toda a vida pública será abrangida. Não serão apenas a liberdade individual, os direitos e garantias dos cidadãos ou a liberdade de expressão que são atingidos. Serão também as políticas de toda a espécie, as financeiras e as de investimento, como as da saúde, da educação, administrativas e todas as outras. O que se passou com a Ota é bem significativo. Só o Presidente da República e as sondagens de opinião puseram termo, provisoriamente, note-se, a uma teimosia que se transformara numa pura irracionalidade. No país, já nem se discutem os méritos da questão em termos técnicos, sociais e económicos. O mesmo está em vias de acontecer com o TGV. E não se pense que o Governo não sabe explicar ou que mostra deficiências na sua política de comunicação. Não. O Governo, pelo contrário, sabe muito bem comunicar. Sabe falar com quem o ouve, gosta de informar quem o acata. Aprecia a companhia dos seus seguidores, do banqueiro de Estado e dos patrícios das empresas participadas. Só explica o que quer. Não explica o que não quer. E só informa sobre o que lhe convém, quando convém."


António Barreto, in Público


(agradecimentos ao João Gonçalves do Portugal dos Pequeninos http://portugaldospequeninos.blogspot.com/)

PERPLEXIDADES

albardeiro, 17.06.07

Numa recente reportagem televisiva, um indivíduo de vinte e poucos anos, casado e pai de um bebé de meses, constatou com dramática lucidez que o seu nível de vida iria ser pior que o dos seus pais e que, provavelmente, o seu próprio filho iria ter um nível de vida ainda mais precário. Esta constatação não pode deixar de nos chocar. Antes de mais pelo que significa em termos do fim do ciclo de progresso e de preocupação com o bem-estar social no nosso país, que a Revolução de 25 de Abril de 1974 iniciou. Mas o que é mais preocupante é que esta realidade resulta de uma tendência mundial de regressão civilizacional e de agravamento dos padrões de desenvolvimento humano tidos, até agora, como desejáveis. De facto, com a ordem neoliberal, assistimos a uma verdadeira involução da vida da humanidade, como o demonstram todos os indicadores disponíveis. E isto numa época em que, provavelmente, nunca houve tantos recursos e tantos meios para assegurar uma distribuição mais equitativa da riqueza.


Eis-nos, pois, chegados ao fim de um ciclo, iniciado com a industrialização e o advento da modernidade, bem como com as conquistas da cidadania dos séculos XIX e XX. O que parece certo é que as políticas da cartilha neoliberal farão do século XXI um regresso a um passado pré-moderno e a lógicas de governação arcaicas, que julgávamos estarem, já há muito, ultrapassadas. Esta evolução negativa – para usar um eufemismo – camuflada pelo chavão da globalização, traduz-se na insegurança dos indivíduos e das comunidades e na precarização da sua existência, numa lógica de arbítrio e sujeição mais própria das sociedades estamentais do Antigo Regime. Com o seu cortejo de desregulações, flexibilizações e deslocalizações – erigidas em verdades dogmáticas e inevitabilidades escatológicas – o que se verifica é a destruição sistemática do respeito pelos indivíduos e pela sua liberdade, património civilizacional que tínhamos por adquirido. E o que talvez seja ainda mais perverso é que o neoliberalismo pretende fazer do aumento exponencial das desigualdades sociais e dos níveis de pobreza, numa escala nunca antes atingida, o caminho único para o suposto “bem-estar da humanidade”. De qual humanidade? Dificilmente se pode compreender que o alastramento da miséria e o sacrifício de vidas humanas, seja a solução para o que quer que seja. A crença neoliberal nas virtudes da globalização e nas vantagens da desregulação dos mercados, estão, isso sim, a levar a humanidade para o abismo.


Do que se trata é de um verdadeiro retrocesso civilizacional. Não admira, por isso, que em declarações que recentemente fez em Portugal, o actual subdirector-geral da UNESCO, Pierre Sane, tenha considerado a pobreza no mundo como “a questão central neste início do século XXI” (Público, 27/5/07). Esta preocupação é confirmada pelo Relatório do PNUD (Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento), segundo o qual, nos países em desenvolvimento há, presentemente, perto de mil milhões de pessoas com fome, número esse que aumenta ao ritmo de 4 milhões de pessoas por ano. Cerca de 300 milhões de jovens entre os 15 e os 24 anos vivem abaixo do limiar da pobreza, sendo que o desemprego desta faixa etária aumentou 15 % na última década. Que futuro pode, então, esperar a humanidade?


Mesmo nos países considerados mais desenvolvidos, a situação tende a agravar-se. Não é, aliás, por acaso que até o insuspeito Fundo Monetário Internacional (FMI) tenha reconhecido que a globalização gerou desemprego e contenção salarial, em especial nos países mais ricos. No estudo integrado no Relatório Mundial de Primavera, agora divulgado, esta instituição internacional reconheceu – pela primeira vez, sublinhe-se – que a globalização e, em particular, os efeitos do aumento da mão-de-obra disponível na economia mundial estão a acentuar a desigualdade na distribuição de rendimentos nos países mais ricos e a provocar uma contenção salarial generalizada. Como aí se diz, “A globalização é um dos factores que têm levado à redução da parte do rendimento que é distribuído pelo factor trabalho nos países avançados.” (Público, 6/4/2007). Refira-se que este aumento do número de trabalhadores (segundo consta no relatório, mais do que quadruplicou nos últimos 25 anos), em especial à custa da integração das economias asiáticas e dos países do Leste europeu no mercado mundial desde 1990, resulta da exploração de uma mão-de-obra barata, pouco qualificada e sujeita a condições de trabalho intoleráveis num mundo civilizado. No entanto, essa entrada de mão-de-obra barata no mercado mundial nem sequer – como se poderia supor – reverte a favor dos países mais pobres e explorados, já que, como referiu Ulpiano Nascimento na Seara Nova (Primavera de 2007), segundo as estatísticas oficiais, a diferença do nível de rendimento entre países ricos e pobres não pára de aumentar. Se em 1820, era de apenas 3 para 1, em 1992 cifrava-se em 72 para 1. As desigualdades na distribuição do rendimento, levam mesmo o FMI a aconselhar os países a apostar na educação (para fazer face às inovações tecnológicas) e – pasme-se! – no reforço dos sistemas de segurança social. O reconhecimento da gravidade da crise gerada e a necessidade de encontrar mecanismos compensatórios que evitem perturbações sociais em larga escala parecem ditar esta última recomendação.


De modo inverso e aparentemente paradoxal, esta situação tem resultado no aumento exponencial dos lucros registados pelas grandes empresas do mundo desenvolvido, detentoras das quotas mais importantes da produção mundial e do capital financeiro internacional. Não é por acaso que, há pouco tempo, o New York Times assinalava que os lucros das empresas norte-americanas – os mais altos desde os anos 60 – beneficiaram do aumento da produtividade dos trabalhadores, apesar da parcela do Produto Interno Bruto (PIB) com salários e remunerações de trabalho nunca ter sido tão baixa desde 1947. No primeiro trimestre de 2006, os salários representavam 45% do PIB, contra cerca de 50% no primeiro trimestre de 2001 e quase 54% no primeiro trimestre de 1970. A ganhos de produtividade na ordem dos 17 % corresponde um aumento média das remunerações de apenas 7 %. Os lucros tornam-se fabulosos. A globalização torna-se assim, como refere o filósofo italiano Gianni Vattimo, “a multiplicação das vantagens dos ricos.” (Visão, 31/3/06).


O peso das indústrias de mão-de-obra intensiva faz com que Portugal seja dos países mais afectados pelos fenómenos conexos das deslocalizações da produção – em especial nos sectores têxtil e de calçado, bem como no sector automóvel – por um lado, e das vagas migratórias, por outro. Da mesma forma, os dados do Instituto Nacional de Estatística (INE) recentemente divulgados, mostram que o poder de compra dos portugueses registou em 2006 a maior quebra dos últimos 22 anos, em consonância, aliás, com os cálculos do relatório semestral da Comissão Europeia. Isto significa que os tímidos aumentos salariais verificados foram superados e, portanto, anulados, pela evolução dos preços. Com o crescimento mais fraco da zona euro e um desemprego bem acima da média europeia (8% contra cerca de 6%), Portugal está, seguramente, no mau caminho. A divulgação pelo INE da taxa de desemprego no final do ano passado corresponde a cerca de meio milhão de desempregados no nosso país, duplicando os valores de 2000 e representando a taxa de desemprego mais alta dos últimos 21 anos. Os dados do INE do primeiro trimestre de 2007 mostram o agravamento desta tendência, com uma nova subida da taxa de desemprego, que se situa já nos 8,4%. A situação mais grave verifica-se na população entre os 15 e os 24 anos, com uma taxa de desemprego de 18,1%, um valor que representa um claro aumento em relação aos 15,7% registados em período homólogo no ano passado e aos 17,9% no final de 2006. A obsessão com o défice orçamental considerado “excessivo” pela UE – isto é, superior ao limite autorizado de três por cento do PIB, à luz do estabelecido no Pacto de Estabilidade e Crescimento (PEC) da zona euro – também não pode deixar de ser um factor de forte agravamento desta situação. Não admira por isso que, segundo o Eurostat, o ano de 2006 tenha registado a variação mais baixa dos custos de trabalho em toda a União Europeia. Apesar destes números, o presidente do Banco Central Europeu, Jean-Claude Trichet, insistiu, em entrevista televisiva, numa “maior flexibilidade no mercado de trabalho para lutar contra o desemprego em massa”. Elucidativo!


Há tempos, também o economista Daniel Bessa sublinhou a ideia de que o emprego não deve nunca ser um objectivo prioritário dos governos. Defendeu mesmo que se tratava de “um erro profundíssimo” (Público, 12/3/2006) se isso acontecesse. Falando por ocasião da Semana Social Católica dedicada à problemática do emprego, que decorreu na cidade de Braga em Março de 2006, Bessa declarou que “O emprego não é o nosso maior problema, pelo menos do colectivo, e não é o maior problema que a vida pública deva assumir”, já que é ao mercado e à iniciativa empresarial privada que cabe assegurar tal desiderato. Acusou mesmo o Estado de, nos últimos anos, ter criado demasiados empregos. No mesmo sentido, o “patrão dos patrões” (presidente da Confederação da Indústria Portuguesa) Francisco Van Zeller afirmou que “o bem-estar das pessoas tem que se subordinar ao bem-estar das empresas”. Como se o bem-estar das populações não devesse, pelo contrário, ser o objectivo de toda a actividade produtiva e de toda a sociedade de dimensão minimamente civilizada e que procura uma divisão o mais equitativa possível da riqueza nacional. Como se, para haver progresso, seja necessária a desintegração social e a promoção do desemprego e da miséria. Talvez assim se perceba porque Bertrand de Jouvenel se refira aos economistas como “eunucos éticos”, dada a sua proverbial indiferença para com os fenómenos sociais.


Para os neoliberais, as pessoas são pobres porque querem e porque certamente não se aperceberam das vantagens da empresa privada, da livre concorrência e do sistema de mercado. Nas palavras de Joaquim Jorge Veiguinha, “Considera-se uma espécie de lei natural que os direitos laborais e a estabilidade de emprego sejam subordinados à competição económica e que os trabalhadores compreendam que só adaptando-se a uma ordem em que os despedimentos são facilitados e os contratos colectivos recuam perante os contratos atípicos se criarão novas perspectivas de progresso económico e social.” (Público, 8/2/2007). Como salienta ironicamente este dirigente do Sindicato dos Professores da Grande Lisboa (e representante da tendência socialista da CGTP-IN), “A palavra de ordem é, pois, sacrifiquem-se em prol da economia nacional e dos seus empresários inovadores que competem no mercado internacional, pois, mais cedo ou mais tarde, o maná da prosperidade inundará o país e o mundo e todos viveremos felizes para sempre.” É a lógica da tão famigerada flexi-segurança que prevê a flexibilização dos despedimentos e a proliferação dos contratos de trabalho precários e casuísticos, pretendendo assegurar, como contrapartida, uma melhor protecção social em caso de despedimento. Trata-se, verdadeiramente, como refere este sindicalista, de solucionar a quadratura do círculo, em especial em países com o nosso baixo nível de desenvolvimento. Por isso, conclui: “Pelo que o termo “flexi-segurança” apenas me evoca duas aplicações criativas: flexibilizar a insegurança laboral ou securizar a inflexibilidade patronal. Entre uma e outra, ao diabo a escolha.”


È sintomático que os primeiros resultados conhecidos de um estudo que está a ser feito sobre a pobreza em Portugal, sob a coordenação de Alfredo Bruto da Costa, revele que metade – sim, metade! – das famílias portuguesas esteve em situação de graves dificuldades económicas pelo menos durante um ano, entre 1995 e 2000, sendo que 72% dessas famílias, se acharam nessa situação durante dois ou mais anos. Concluiu-se mesmo que a pobreza em Portugal é um fenómeno persistente e de larga escala, atingindo perto de um quarto da população. Este panorama já de si sombrio certamente será agravado com os cortes previstos pela OCDE para as pensões que, no caso português, poderão chegar aos 40%. Como se sabe, o desemprego generalizado e de longa duração é uma das principais causas da pobreza.


Precarizar o emprego, diminuir os salários e fomentar a insegurança social é a receita neoliberal. Mas o que fazer quando esta litania tem sido a orientação da política económica nos últimos 30 anos e se vêm resultados rigorosamente opostos aos prometidos? Aliás, a demonização do Estado, como se este fosse o culpado de todos os problemas económicos existentes, tem vindo a debilitar de tal maneira o serviço público e os seus agentes que se corre o risco da erosão total das suas funções mais básicas e a diluição da ordem social tal como a conhecemos.


Portugal é o país da União Europeia que apresenta maiores índices de desigualdade e exclusão social. Como é possível que seja um governo socialista a levar os propósitos neoliberais a dimensões nunca antes vistas? Talvez porque, como lembra Gianni Vattimo, “a esquerda perde a alma quando tem que governar.” Ou talvez porque já nem esquerda é.


Hugo Fernandez