Temos tido aqui, neste espaço "blogueiro", uma atenção muito especial para aquilo que se tem produzido no campo do pensamento social e político, dentro do espaço da lusofonia, em especial no Brasil, o qual, denominámos essa atenção blogueira de DESASSOMBRAMENTO, consequência devedora das Leituras da Ponte Atlântica. Nesse contexto, têm sido vários os autores/individualidades que temos convocado para dar corpo e pretexto para as várias ideias que periodicamente aqui questionamos e sobre as quais tentamos dar alguma visibilidade publicitando-as. Ora, um dos autores que mais vezes citamos, tem sido, Aurélio Nogueira, [professor de Teoria Política da Unesp/Araraquara (São Paulo) e pesquisador da Fundap] e que, em 1998, escreveu uma obra, quanto a nós uma referência incontornável para se perceber politicamente algum desnorte das esquerdas, obra essa intitulada As possibilidade da política. Idéias para a reforma democrática do Estado, São Paulo, Paz e Terra, 1998.
Apesar do tempo que já decorreu, é decididamente um livro contra a corrente. Escrito por um intelectual e cientista político de esquerda, não deixa de polemizar com alguns traços que têm caracterizado a esquerda desta viragem de milénio, como, por exemplo, a disponibilidade para aderir a políticas económicas e sociais de tipo neoliberal, bem mais típicas da direita tecnocrática, à qual a esquerda pudicamente se associa para tentar fazer com que a sua própria matriz ideológica caia no esquecimento. O resultado disto é uma esquerda desnaturada, que despreza as suas próprias raízes culturais e as suas próprias tradições sem, no entanto, convencer a direita de que a repentina conversão ao neoliberismo é coisa que perdure.
Aurélio Nogueira estigmatiza sem vacilação esta política e sustenta que a esquerda deveria voltar a compreender algumas relações fundamentais para o projecto de uma sociedade progressista: "As condições de avanço e êxito dependem, antes de mais nada, da categórica superação da postura neoliberal com que liberais, conservadores e até mesmo muitas pessoas de esquerda enfrentam a questão do Estado, apresentando-o como verdadeira encarnação do mal, algo a ser descartado por inteiro, a ser sempre visto com desconfiança e suspeita. Dependem também, como nunca, de um grande esforço para articular as várias dimensões da questão do Estado, que é, como se sabe, uma questão intrinsecamente política, vinculada portanto ao problema do relacionamento entre o Estado e a sociedade" (p. 16).
Desta citação emerge claramente o fio condutor que percorre todo o livro de Aurélio Nogueira, como diz Antonino Infranca: o retorno à centralidade da política. Outro tema que a esquerda abandonou há já algum tempo e que acabou por demonizar, talvez para facilitar que os neoliberais aceitem a sua própria descaracterização como esquerda. Quem quer que hoje se ponha à esquerda pode falar de centralidade da política sem ser acusado de "antiquado", "superado", "moderno". Nogueira não é certamente um pensador pós-moderno, quando relembra aquilo que é necessário para repor uma política mais tipicamente de esquerda: "Precisamos encontrar os meios de pôr em curso uma prática quotidiana que invada as instituições mas vá além delas e que se dedique a desmascarar criticamente o cinismo, as mentiras e as injustiças, a arrogância dos poderosos e a frieza dos tecnocratas; uma prática que combata a indiferença e o egoísmo; que reinvente a política como actividade e como cultura, trazendo consigo uma outra ideia de Estado, de desenvolvimento e de sociedade. Com isso, será possível fixar um novo horizonte de sentido e recuperar a capacidade social de 'projectar', isto é, de tornar pensável o futuro e delinear novas esperanças" (p. 290).
As passagens aqui reproduzidas denunciam claramente a matriz intelectual de Aurélio Nogueira: alguma reactualização de Gramsci e do marxismo europeísta italiano dos anos Sessenta. Nogueira traduziu Gramsci e Bobbio para o português (Brasil) e conhece bem a filosofia política italiana dos últimos trinta anos, graças à intensa convivência sobretudo com o Brasil. De notar que o interesse dos intelectuais latino-americanos pela filosofia política italiana mostra a vitalidade daquilo que, desajustadamente, na Itália é considerado ultrapassado. Aliás, isso patenteia paradoxalmente, por mais globalização que haja, que não apenas as condições sociais entre os dois continentes são profundamente diversas mas também que na América Latina ainda é possível uma política tipicamente de esquerda, mesmo que isso possa parecer paradoxal na Europa, onde a esquerda (embora não tendo consciência disso) tem cedido à direita não só o controlo da política, mas também outro aspecto, e mais determinante a produção das ideias.
Partindo de um exame cuidadoso do desenvolvimento da sociedade burguesa e passando através do desenvolvimento da sociedade civil, que hoje está no centro do debate político na generalidade das sociedades ditas democráticas, Aurélio Nogueira vale-se precisamente de um conceito de Bobbio para extrair uma primeira conclusão da sua análise das possibilidades mas também das potencialidades da política: "A 'era dos direitos' parece, assim, conviver com uma situação de 'regressividade' no campo dos direitos humanos e da democracia representativa" (p. 246): isto é, trocando por miúdos, os excluídos do mercado de trabalho e do consumo perdem progressivamente as condições materiais para exercer plenamente os seus direitos humanos.
Aurélio Nogueira não tem a cura milagrosa adequada para toda e qualquer situação ou para qualquer sociedade civil. O seu pressuposto, afinal, é que "toda sociedade tem o sistema de governo que merece e pode construir"(p. 140), onde é que já ouvimos isto!? Apesar disso, está em condições de indicar o ponto de partida de todo o sistema político moderno: a democracia. A democracia no sentido mais amplo possível do termo, portanto incorporando o controlo por parte dos cidadãos do funcionamento das instituições, aliás, como mencionado antes, a "invasão" das instituições para não apenas torná-las transparentes mas para fazer com que funcionem segundo as finalidades dos cidadãos e não dos poderosos e engajados com o poder dominante é o instrumento para que se realize um sistema mínimo de convivência civilizada e de integração de todos os cidadãos na sociedade civil. Aurélio Nogueira sugere, portanto, uma subordinação do Estado à sociedade civil e um reforço da sociedade civil em sentido democrático: "A ordem democrática, com os seus partidos, a sua rotina, os seus ritmos e valores, hostiliza as condições objectivas e os grandes interesses do capitalismo que se reproduz. Por um lado, porque pode favorecer a ampliação das acções públicas em detrimento do mercado, com o consequente engessamento (sic) da iniciativa privada. Por outro lado, porque pode moderar o prolongamento egoísta de conquistas sectoriais, reduzindo assim o poder de fogo das organizações privadas e das autonomias" (p. 226). Completar-se-ia deste modo um processo histórico que, nas novas democracias da América Latina, mas analogamente também nalgumas democracias da Velha Europa, nomeadamente os casos de Itália, Espanha e Portugal, não foi levado a cabo pela ausência de uma autêntica revolução burguesa.
Não é por acaso, que justamente no campo do desmantelamento do Estado a nova esquerda neoliberal e a direita de hoje competem para obter o efeito de maior amplitude chamam-lhe, eles, eufemisticamente, controlo do défice e das despesas públicas. Aquisição de direitos, como os sindicais ou no campo do trabalho, que permitiram a integração dos cidadãos na sociedade e na política, são tão seráfica e despudoradamente postos em questão quotidianamente, dando assim a medida mais desavergonhada e impúdica do processo de "regressividade", conceptualizado por Bobbio. Mas atenção, muita atenção não é difícil perceber que se chega a um ponto limite quando se começa a corroer aquele grau zero da moderna sociedade civil, ou seja, precisamente a democracia. Hoje em dia, os processos de alargamento e domínio da economia sobre a política estão incontornavelmente a golpear a democracia: a obtenção do lucro e a acção do capital a qualquer preço, está a devorar as suas próprias raízes ou, no mínimo, está a recolocar em discussão, ou melhor, a pôr em causa, aquilo que tem sido até agora a sua maior bandeira para todas as batalhas: as liberdades individuais e sociais. O livro de Aurélio Nogueira dedica-se exactamente à descrição destas liberdades, não tanto para conservá-las, mas para relançá-las, em nome da ideia de que uma verdadeira democracia ou é progressiva ou não é democrática.
PARTE II (continuação do "post" anterior)
A definição que a ciência política normalmente dá acerca deste fenómeno é a de que o paternalismo é a tendência para exercer o poder político, solucionando os problemas individuais e sociais através de métodos meramente administrativos ou de carácter burocrático, que alienam o indivíduo da sua cidadania e do sistema político em geral. O paternalismo tende, por isso, a ser casuístico na resolução dos problemas e discricionário nos favores e benesses distribuídos. As situações são tratadas individualmente e os problemas resolvidos de forma pontual. Assim sendo, a participação popular é afastada quer-se antes a passividade das populações e uma política simultaneamente autoritária e benévola, análoga à atitude parental para com os filhos menores, passa a ser a regra da actuação política. Esta atitude de carácter assistencial, exercida exclusivamente desde o alto e sem interferências populares, usando métodos administrativos, esvazia o significado da cidadania e mina o funcionamento da democracia.
Apesar de eleitos, estes dirigentes subvertem a representação política, pelo aniquilamento da participação cidadã, confinada que está a actos particulares de agradecimento pelas graças concedidas. O amiguismo e o compadrio são métodos recorrentes de acção. Toda a oposição é silenciada e ostracizada. Os governantes governam segundo a sua exclusiva vontade e não segundo os desejos mais profundos das populações. Podendo coincidir, segundo o seu arbítrio, com alguns destes desejos, reforçam incontestavelmente a sua posição e potenciam o seu domínio. O governo paternal confunde-se, por isso, com o governo despótico ou absoluto reminiscência de um passado longínquo que julgávamos já ultrapassado. Este imperium paternale como lhe chamava Kant infantiliza os cidadãos, torna os indivíduos incapazes de um querer autónomo, esvaziando a democracia e tolhendo a liberdade.
Ora, o paternalismo só pode existir numa sociedade atomizada, onde um individualismo extremo, longe de alargar o campo de actuação de cada um, tolhe os seus movimentos no círculo restrito da dimensão familiar e dos interesses domésticos. Falhos de preocupações sociais e da necessidade de uma intervenção cívica alargada, os indivíduos definham no seu isolamento, incapazes de alcançar o significado democrático da vida em comunidade. As questões de carácter mais geral e de interesse colectivo afinal, aquilo que significa a própria Política perdem-se numa escala microscópica ou paroquial. Aproveitam-se disso, naturalmente, todos aqueles que beneficiam com esse estado de coisas, seguindo os ditames da ordem neo-liberal.
De facto, o que o neo-liberalismo e a teocracia do mercado pretendem é a desregulação das sociedades e solidariedades tradicionais, a falência das ideologias, a proclamação da relatividade ética e moral de que o anything goes do tão propalado pensamento pós-moderno é uma inequívoca manifestação e a redução dos cidadãos à anomia social. Com que objectivos? Atomizar os indivíduos, remetidos à mera condição de consumidores acéfalos, para que uma máquina de consumo desenfreado possa ditar a sua lógica e para que a perpetuação e aprofundamento das desigualdades sociais e do domínio incontestado de alguns possa prevalecer.
O diagnóstico feito por um grupo de cidadãos anónimos de Amarante, numa revista sarcástica que editaram para estas eleições, insurgindo-se contra a anarquia, a demagogia e a opressão protagonizadas pela candidatura do inefável Avelino Ferreira Torres, é certeiro: Às vezes, ponho-me a pensar: se a gente deita o lixo nas praias, cospe para o chão, insulta a mulher, dá porrada nos filhos, foge ao fisco por que raio não havíamos de votar no Avelino?! Felizmente não votaram! Mas os problemas estruturais de desenvolvimento, quer económicos e sociais, quer culturais, e o enorme deficit de cidadania que aqui se denunciam, obrigam-nos a um outro tipo de interrogações que não podem quedar-se pela alegada "má" qualidade do povo. É uma visão demasiado parcial do problema. O modelo de sociedade seguido e a aquiescência dos nossos governantes são factores essenciais a ter em conta.
Antes de julgar apressadamente as populações, devemos, isso sim, começar a exigir aos responsáveis políticos que respondam a uma série de perguntas fundamentais para o nosso devir colectivo. Qual o modelo de sociedade que o nosso país deve adoptar? Que estratégias de desenvolvimento devemos escolher? Qual o papel das autarquias no conjunto nacional? A qualidade do povo é, precisamente, condicionada pelas opções que se fizerem.
O exemplo da Madeira é paradigmático. Aqui, perante a escala e características do poder de que usufrui Alberto João Jardim, dificilmente podemos sequer falar em regime democrático. Neste caso, como em muitos outros, a complacência das nossas elites e governantes é verdadeiramente inadmissível. São eles que são os indigentes. É a eles que cabe a maior quota-parte de responsabilidade na perpetuação de uma situação intolerável. Há muito que este ditador insular devia ter sido afastado do exercício de cargos públicos da democracia portuguesa. Até por uma questão de decoro. Por tudo isto, pensamos que é sobretudo a atitude autista e sobranceira dos nossos governantes que faz com que o nosso país seja, como disse Fernando Sobral no Jornal de Negócios (27/9/05), um donut fora de prazo.
Uma análise do Hugo Fernandez sobre os grandes factores estruturantes da sociedade portuguesa o caciquismo, clientelismo e paternalismo -, essas permanências de mando discricionário e sem contraste que persiste desde os antigos chefes políticos, senhores do eleitorado e do voto de cabresto através de foguetório, cunha e mediocridade predicado do Portugal Liberal do séc. XIX. O texto pela sua extensão será dividido em duas partes.
PARTE I
No questionamento que fazemos da nossa vida quotidiana contentamo-nos, muitas vezes, com a enumeração de preceitos e razões que não ultrapassam a dimensão do senso comum. Não é mau que isso aconteça, se tivermos em consideração que, pelo menos, exercemos dessa forma a nossa capacidade crítica e a nossa competência racional. Este âmbito de análise conduz-nos, no entanto, a dois enviesamentos importantes na compreensão do que se passa em nosso redor. Por um lado, não conseguimos ultrapassar o nível da aparência dos fenómenos, perdendo com isso informação indispensável para uma reflexão mais fundamentada. Por outro lado et pour cause, falhamos na detecção das determinantes causais essenciais e na escala e implicações das consequências que advêm das situações com que nos confrontamos. Resultado? Desfocamos a realidade e falhamos o alvo das denúncias.
Vem isto a propósito das passadas eleições autárquicas. A previsível vitória das candidaturas populistas e trauliteiras de Fátima Felgueiras, Isaltino Morais e Valentim Loureiro (Avelino Ferreira Torres era demasiado troglodita para ganhar Amarante), pareceu confirmar aquilo que muitos já anunciavam em finais de Setembro; a glorificação daqueles que se encontram a braços com a justiça, ou mesmo dos mais rematados fora-da-lei, por parte de eleitores ignorantes e idiotas. Como dizia Nicolau Santos no Expresso (24/9/05), Dentro de 15 dias saberemos de que massa somos feitos. Saberemos se somos um povo com valores, que não premeia fugitivos à lei, pessoas que enriqueceram sem explicação válida ou que influenciaram decisões. Ou se somos um grupo de indigentes, que não merece existir como nação.. No mesmo registo, desta feita no Jornal de Notícias (24/9/05), David Pontes afirmava, Nas próximas eleições o que vai estar em escrutínio é a qualidade de um povo, perante o acto mais nobre que pode existir em sociedade, que é o de escolher os seus representantes pelo voto.
Compreendo o sentido de tais afirmações e a indignação que lhes está subjacente. Duvido, no entanto, que a perspectiva adoptada seja a mais pertinente. Cabe, então, interrogar-nos do porquê das sucessivas eleições de tais personagens e da passiva aceitação de um domínio político tão controverso. Isto partindo do princípio, que parece consensual, de que vivemos num regime democrático, onde a liberdade de expressão e a possibilidade de crítica são uma realidade.
É evidente que não é à ignorância ou mesmo a uma alegada estupidez das populações em causa, que podemos assacar as responsabilidades por tal atitude. Até porque se esquece que a qualidade de um povo tem sobretudo a ver com o modelo de sociedade que se adopta e o seu grau de desenvolvimento humano. E estes são, em grande parte, induzidos pelas suas elites e por aqueles que detêm o poder. E é talvez nestes últimos, mais do que naqueles, que temos de procurar as explicações para um conjunto de fenómenos que atravessam a sociedade portuguesa. Porque o que nos parecem ser as opções mais discutíveis e as escolhas mais disparatadas têm razões sociais, políticas e ideológicas profundas, a malha da nossa análise terá que ser bem mais fina.
Enfatizemos apenas um aspecto que nos parece verdadeiramente decisivo; o papel do paternalismo enquanto fenómeno estruturante da nossa sociedade. Este papel é, de resto, concomitante com a lógica da pretensa desideologização dos nossos tempos e o alegado apoliticismo da ordem neoliberal.
A tradição do poder estatal no nosso país é uma tradição eminentemente centralizadora, dando escassa margem de manobra a todos aqueles que não se encontram no Terreiro do Paço, ou que, de alguma forma, não têm capacidade para influenciar as decisões que aí são tomadas. Esta macrocefalia da capital tem, como reverso da medalha, a proliferação de miríades de redes de influência e compadrio locais e da manutenção das inúmeras prebendas e sinecuras dos pequenos poderes. A relatividade e fluidez dos mais elementares princípios éticos, a que assistimos nos dias de hoje, acaba por justificar o injustificável. Como disse no início da década de setenta do século passado o professor norte-americano John Rawls, na sua obra clássica de filosofia política Uma Teoria da Justiça, È fácil, para aqueles que possuem posições sociais mais poderosas, promover os seus interesses de forma injusta sem que se consiga demonstrar que ultrapassaram claramente os limites toleráveis. O óbvio desta constatação radica numa multiplicidade de elementos coadjuvantes dos quais não é despiciente a capacidade de controle sentimental das populações, numa dupla perspectiva ideológica e psicológica (de que, aliás, não podemos arredar o papel desempenhado por uma comunicação social subserviente quando não abertamente cúmplice). Tal como não se pode negar o poder económico e social de que estes tiranetes fazem uso para subjugar as populações.
O líder local é o mediador entre as populações que domina e o poder central. Essa posição acaba por granjear-lhe um estatuto muito particular junto de uns e de outros e a possibilidade de aceder a um conjunto de privilégios que, quando convenientemente usados, propiciam o feed back de todo o sistema e a perpetuação do seu poder. O paternalismo tem, nestas circunstâncias, um espaço de eleição.
CONTINUA
O DESASSOMBRAMENTO CONTINUA com a ajuda das leituras da ponte Atlântica, entre outros, de Milton Lahuerta, Marco Aurélio Nogueira, Fernando de La Cuadra, Alessia Ansaloni, Leandro Konder, Guido Liguori, etc.
Atenção: até prova em contrário a candidatura mantém-se de pé! (VER O ÚLTIMO TEXTO). No entanto, também me parece oportuno publicitar este texto.
O pior pesadelo de um governo (dito) de esquerda é ter problemas com a própria esquerda. Um governo (dito) de esquerda que não consegue manter uma sintonia com os diversos segmentos da esquerda e dá azo a uma contestação social (embora, é certo, um pouco corporativa... mas se os corpos sociais existem!) perde capacidade de acção política e social e pode ficar (irremediavelmente) incapacitado para pôr em prática os seus planos e programas. Passa a ter de dissipar, para além das energias, parte do seu tempo em negociações com aqueles que ao menos em tese são seus afeiçoados, carne da sua carne, refreando os embates bem mais estratégicos com aliados e adversários. Além do mais, e isto todos nós sabemos, o atrito consigo próprio põe a nu as suas entranhas. Mostra o lado mais ignóbil do jogo, o menos elegante, algo que seguramente contrasta a imagem positiva que a esquerda civilizada justamente se orgulha de carregar e faz absoluta questão de exibir. Mas alguns dirão: O que é que se espera do PS, enquanto governo! Eles sempre foram isso... uns pasmados. O Poder tolhe-os e encandeia-os. Depois só sai despautério!
Quando as divergências se acumulam e se explicitam no interior de um movimento, dizemos que uma luta interna se instaurou. Tal fenómeno integra a rotina das organizações políticas e é tanto mais inofensivo quanto mais se mantém próxima de um patamar mínimo, suportável, no qual as diferenças se manifestam no plano dos princípios e das ideias. Ultrapassado esse patamar, a luta interna converte-se numa guerra por posições e pela posse de recursos de poder, na qual princípios e ideias passam a valer pouquíssimo (veja-se o que se está a passar com a despropositada candidatura de Soares; nada mais que um marcar de terreno da facção soarista no novo aparelhismo socrático do PS. Com o PSD passa-se o mesmo, com agravante dos caciques levarem vantagem sobre os barões!). Mergulha-se numa fase de retaliações e golpes baixos, exclusões e ofensas recíprocas, ameaças e acusações de todos contra todos. Vêm à tona aspectos incómodos e desagradáveis, rememorações de atitudes e posicionamentos passados, facetas ocultas e tropeços, num festival de contradições que turvam e embaçam a fisionomia actual dos protagonistas envolvidos. Amplificados pelos meios de comunicação, pela própria dinâmica do embate e pela rápida socialização das informações, os dossiês produzidos pela luta interna fazem com que não se saiba mais quem tem razão, quem exagera e quem falta com a verdade.
Há muitas formas de se viver num clima de luta interna. Pode-se tentar manter uma postura zen e, valendo-se da reiteração de princípios éticos superiores, manter abertas as portas do diálogo e proteger os mais desalinhados e indefesos. Pode-se, também, cair para o extremo oposto e maximizar os recursos de poder, apelando-se para a obrigação que todo o militante teria de apoiar e defender o governo e o seu candidato oficial. É o procedimento seguido tipicamente pelos que compõem a maioria na direcção do partido, ou pelos que falam em nome do governo. Há, ainda, os que procuram fazer com que as ideias resistam e prevaleçam sobre a mediocridade, batendo-se pela discussão doutrinária, pela convocação das melhores tradições teóricas, e assim por diante.
Num certo ponto da luta interna, os protagonistas percebem que a tensão e a divisão podem abespinhar-se no governo e, de algum modo, acelerar o seu desgaste ou levar a uma crise institucional (e este é que é, embora não o pareça neste momento, o cerne da questão). Nesse momento, alguém terá de recuar, rever posições, alterar decisões. A maioria que está no poder pode jogar um papel decisivo aqui, especialmente porque tem o mando para tanto e porque é contra ela que a luta interna se dirige. O seu raio de manobra, porém, costuma ser reduzido, sobretudo quando se vive em contextos de crise ou de governabilidade difícil. Arma-se, então, um dos dois cenários de salvação: preserve-se o líder ou desencante-se um Messias. Matemo-nos todos, mas não deixemos que a imagem do Homem fique manchada demais, a ponto de inviabilizá-lo como chefe da Nação ou de liderança popular.
Noutros tempos foi uma saída inteligente, agora mais do que nunca tem um senão. É que a concentração de energias positivas numa situação deste tipo pode produzir uma hipertrofia da liderança, uma espécie de messianismo inconsciente que não só complicará as relações do governo com as instituições políticas do país, como também ajudará a que se criem ainda mais expectativas na população. Nesse último caso, ter-se-á uma ponte para o cesarismo... nesta matéria, a realidade é mais antiga que a própria ideia - e olhem que eles andam por aí! Já agora deixem que lhes diga, recorrendo ao sempre actual Gramsci que nestas coisas de poder e hegemonia é mais assertivo que Maquiavel ou Montesquieu: é bem verdade que se pode admitir que há um cesarismo progressivo, que actua para emancipar as massas, e um cesarismo regressivo, que se dedica a preservá-las na condição de subalternidade e que acaba por deixar um deserto atrás de si. Pode-se sempre lutar para que o primeiro prevaleça e produza todos os seus efeitos positivos. Mas a linha que o separa do cesarismo regressivo é sempre ténue, e a nítida distinção entre um e outro depende de muitas e complexas circunstâncias (materiais, culturais e políticas). A História quando tem repetições é sempre sob a forma de farsa. É um risco, portanto, que certamente não vale a pena correr. O que nós precisamos é de políticos e políticas que nos respeitem e não de nababos com a sua tralha.
Continuamos em sintonia com o bloguitica.
PODE O JORNAL «PÚBLICO» SFF ESCLARECER COM QUEM É QUE FÁTIMA FELGUEIRAS MANTEVE CONTACTOS NO SECRETARIADO NACIONAL DO PS? QUANDO É QUE ESSES CONTACTOS TIVERAM LUGAR? QUEM É QUE INFORMOU JAIME GAMA PREVIAMENTE DA LIBERTAÇÃO DE FÁTIMA FELGUEIRAS?
Aguardamos "serenamente" os esclarecimentos
Também estamos em sintonia com o BLOGUITICA.
PODE O JORNAL «PÚBLICO» SFF ESCLARECER COM QUEM É QUE FÁTIMA FELGUEIRAS MANTEVE CONTACTOS NO SECRETARIADO NACIONAL DO PS? QUANDO É QUE ESSES CONTACTOS TIVERAM LUGAR? QUEM É QUE INFORMOU JAIME GAMA PREVIAMENTE DA LIBERTAÇÃO DE FÁTIMA FELGUEIRAS?
Aguardamos "serenamente" os esclarecimentos.