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albardeiro

Albardas e Alforges... nunca vi nada assim! Minto... já vi!

albardeiro

Albardas e Alforges... nunca vi nada assim! Minto... já vi!

“(...) é ter na alma a chama imensa”!

albardeiro, 24.05.05

Agora que começa a assentar a poeira, a calmaria retornará novamente como se nada tivesse acontecido.


Pelo o que nos foi dado a assistir, tal como o afirmou Sérgio Henriques (rev. Tempo, Belo Horizonte, 16 jul. 1998, p. 8), parece-nos que, vivido de modo cego, o jogo de futebol inspira certamente uma paixão (paradoxalmente) pueril, com o seu cortejo de fanatismo e violência vazia. Mas vivido com um certo distanciamento crítico (já são alguns anos...), pode ser admirado como o meio expressivo de momentos tão belos como aqueles que Chico Buarque um dia chamou de "o sentimento diagonal do homem-golo" ou "a emoção da ideia quando ginga". E pode tornar-se também, visto por este outro ângulo mais crítico, uma forma "sui generis" de abordar o facto social, de tomar o pulso das sociedades em determinadas conjunturas.


Não foi difícil constatar o que sabemos há décadas: em que pesem a má qualidade de muitos jogos, as manigâncias dos cartolas, o défice (este malfadado está presente em tudo o que é “coisa” neste país) do “quadro” das competições, os “apitos...”, etc., para o bem e para o mal, o futebol continua a ser a grande paixão nacional, talvez a única a conseguir catalisar a atenção das massas, dos meios de comunicação e das elites por um tempo prolongado, e sem sofrer qualquer tipo de concorrência. No meio de tanto défice um caso notável de “Superavit” infernal. Sem dúvida que o futebol é uma das expressões possíveis do (mortificado) potencial que tem este país, o mesmo vale para a gente choldraboldra, (paradoxalmente) desenrascada e pouco criativa que o construiu ao longo de uma interessantíssima experiência nacional.


Ao mesmo tempo, falta muita coisa: falta a organização desportiva; continua a faltar a formação adequada dos agentes ao nível das cúpulas [porque, a nível técnico, veja-se o salto qualitativo que os chamados “professores de ginástica” (expressão que alguns boçais futeboleiros - ditos treinadores – empregaram para os licenciados do antigo ISEF) trouxeram ao futebol português, particularmente, desde meados da década de oitenta, com Jesualdo Ferreira, Nelo Vingada, Carlos Queiroz e cujo expoente será hoje José Mourinho]; as condições para a prática do desporto escolar (impensável, hoje, continuar-se a construir escolas sem um pavilhão gimnodesportivo); assim como ainda continua a faltar a teoria e o estudo do desporto para enriquecerem a técnica e o potencial individuais. Explorando o raciocínio analógico, também ao país - às suas elites - tem faltado o pensamento estratégico que, só ele, pode arrancar-nos à apagada e vil tristeza de um destino subordinado e dependente. Uma economia periférica que por mais subsídios, apoios, fundos e dinheiros dos contribuintes europeus, não despega dos seus atavismos paternalistas e estruturais, uma sociedade desde sempre cheia de feridas abertas (começámos mal: um filho a “bater” na mãe); o mesmo ventre apodrecido denunciado por Bertolt Brecht, incapaz de ser gente mas sempre receptivo a gerar experiências de autoritarismo político. Viva o BENFICA!


(A escrita "mais séria" será retomada logo que passe a euforia...)

o que aí vem em termos da governação! PARTE 5ª

albardeiro, 16.05.05

A derivação do verbo empreender = empreendedorismo! (CONTINUAÇÃO...)


Retomamos, hoje, a escrita (os textos) com natureza publicista, para voltar a abordar a questão da terceira via, isto é (para ser uma continuação das temáticas anteriores), o Estado sem poder e a disseminação do terceiro sector. Para muitos dos adeptos da dita VIA, o terceiro sector é o novo sujeito da reforma do Estado, responsável pela “globalização anti-hegemónica”, isto é, a articulação transnacional contra o capitalismo. No que diz respeito directamente ao papel do Terceiro Sector neste processo, importa considerar que, por ter como base o trabalho voluntário e as doações dos que podem dispor de dinheiro e tempo livre, o denominado "empresariamento social", praticado principalmente por algumas ONGs, desobriga o Estado do financiamento dos recursos que deveriam garantir os direitos dos cidadãos, agora reduzidos a um mínimo pré-contratual - o neo-liberalismo vai tentando, e conseguindo, reduzir o Estado a um escritório de representação, tudo passando para a iniciativa privada, embora tal entidade política continue a cobrar impostos e não se dê (ouvidos de mercador) conta das suas obrigações sociais.


Ou seja, em relação ao antigo Estado keynesiano, a esfera pública tende a alienar serviços públicos ao invés da obrigação de realizá-los directamente. O Estado funciona como um coordenador de concorrências, um agenciador de serviços, através de redes inter-regionais e internacionais e o “bem-estar” dos países ricos e o “desenvolvimento” dos subdesenvolvidos são terceirizados. Ou, no máximo, temos um retorno ao contrato liberal individualista, moldado na ideia do contrato de direito civil entre indivíduos, que foi um instrumento vigente nos períodos iniciais da acumulação de capital. Com isso, temos a destituição da ideia de contrato social entre agregações colectivas de interesses sociais divergentes e o confisco dos direitos de cidadania, processo que nos ameaça como a sombra de um Estado hobbesiano, desqualificando a política e a democracia.


E é justamente para amenizar os efeitos perversos deste “novo contrato leonino” que a indústria dos média cumpre o seu papel de fabricar novelas de esperança e amizade com o intuito de assegurar o efectivo processo de privatização das políticas sociais (saúde, segurança, habitação e educação). Na verdade, o que se pode ver nas entrelinhas da exaltação ao Terceiro Sector é que o seu “sucesso” tem que passar a ser um novo recurso de Estado, cujos interesses expressos é a aceitação da desigualdade como natural e, até mesmo, desejável. Isto porque as tais pseudo-ONGs (formação e serviços) não são vistas apenas como meios para a resolução de alguns problemas sociais; meios (ONGs) que se deveriam extinguir ou quando fossem alcançados os seus objectivos ou quando terminassem as condições estruturais para a produção da desigualdade. Não! Essas pseudo-ONGs, são tidas como uma nova indústria, um novo “sector” de produção que criam as suas próprias condições de perpetuação e sobrevivência. Tornam-se não um meio, mas um fim em si mesmo. Um novo campo de empreendedorismo, o lugar do “empresário social”, aquele que lucra com a desgraça alheia a partir da sua perspicácia individual em descobrir novas e eternas necessidades humanas.


A exaltação ao Terceiro Sector, a nosso ver, promove a despolitização da sociedade civil através da desmobilização e fragmentação da “malfadada e desditosa” classe trabalhadora, processos tidos também como “naturais”. Aparece, portanto, esse Terceiro Sector, como um importante instrumento para a constituição de uma outra relação Estado / sociedade civil dominada pelas forças do mercado. Todavia, é aqui que todo o processo da discussão sobre a estrutura institucional da política global deve levar em conta a constituição tendencial de novos actores do processo de globalização - as organizações sérias e isentas da sociedade civil a nível global - bem como as tendências económicas mundiais. As tentativas de influir eficazmente nessas últimas só terão perspectivas de êxito se ocorrerem mudanças nas estruturas institucionais da esfera pública transnacional, redefinindo-se, no plano global, novas relações entre Estado, Mercado e Sociedade Civil. Ou seja, a pressão a nível global de uma esfera social-pública emergente é que poderia reformar e democratizar efectivamente o Estado , o mercado, as corporações e os partidos. O Estado e o mercado, sozinhos, parecem não ter condições de enfrentar a crise económica, social e ambiental em que estamos mergulhados e em resolver os desafios contemporâneos, muito menos a promiscuidade entre corporações e partidos. Deste modo, a sociedade está a ser chamada cada vez mais para formular alternativas. A mesma crise que enfraquece o Estado nacional tende a fortalecer as organizações da sociedade civil; isto não quer dizer que não continuamos a pensar que o Estado, quando bem servido por agentes responsáveis e eticamente respeitadores da “coisa pública”, também pode ser usado para reorganizar a sociedade. Já agora, quantos sobreiros é que nos restam?

COERÊNCIAS

albardeiro, 08.05.05

Como “os limites do mundo são os limites da linguagem”, na formulação perspicaz de Wittgenstein, e como não temos por norma adiar a crítica e o somos sensíveis ao debate das ideias, aqui vai um texto do Hugo Fernandez (o outro Albardeiro) sobre o que podemos apelidar de inconformismos e coerências.


O dirigente marxista italiano António Gramsci estabeleceu na década de trinta do século passado uma distinção fundamental entre um tipo tradicional de intelectual – o literato, o filósofo ou o artista – e um outro tipo de intelectual que, emergindo das exigências da produção e do desenvolvimento técnico, fornece os instrumentos ideológicos necessários à propagação de uma determinada visão do mundo, dotando de homogeneidade e tornando inteligíveis os vários aspectos da realidade: o “intelectual orgânico”. Nesta asserção, intelectual não é simplesmente aquele que pensa – o que apenas põe em evidência uma característica comum a qualquer ser humano – mas aquele que tem a responsabilidade social de produzir conhecimento e de o comunicar aos outros.


A função especializada destes quadros intelectuais adquire uma importância reforçada no capitalismo, quando o domínio da burguesia transporta consigo aspirações sociais alargadas e valores que se pretendem universais. Garantir a “hegemonia” dos grupos sociais dominantes, assegurando um consenso o mais amplo possível à sua autoridade junto da população, é a sua principal tarefa. Nesta démarche, cabe aos partidos políticos um papel essencial. Juntamente com o Estado, são estes que asseguram a missão de preparar os elementos politicamente qualificados para, no plano cívico e político, garantirem uma função dirigente, organizadora, educativa – isto é, intelectual – com vista a assegurar a evolução orgânica da sociedade e a reprodução do próprio sistema.


Vem isto a propósito do artigo de opinião de José Pacheco Pereira no Público do passado dia 28 de Abril. Intitulado “Portugal a voo de pássaro”, o autor descreve o que apelida de “retrato de Portugal bem triste e sinistro”. Esse é o Portugal do desordenamento do território, da falta de planeamento, da construção anárquica, do desperdício e da ruína, da poluição e das lixeiras, da sinalização rodoviária excessiva, inexistente ou incompreensível, da proliferação de antenas de telemóvel e de parques eólicos plantados nos sítios mais inacreditáveis, da pobreza e da degradação social – enfim, do caos. E Pacheco Pereira conclui: “A única verdadeira fábrica que está em acção é a da produção de fealdade, a do Portugal feio.” Não podia estar mais de acordo. E é precisamente aí que reside o problema.


Vindas de quem vêm, estas palavras soam estranhas. Não porque não reconheça ao seu autor “engenho e arte” ou competência intelectual para o efeito. Mas porque quem assim escreve não tem legitimidade para o fazer. Pacheco Pereira é uma proeminente personalidade do PSD e, consequentemente, para além do assumido engajamento político, alguém muito próximo dos círculos de poder no nosso país. A sua denúncia é, assim, inócua. Pior, soa a falso. Não foi este o partido que mais anos esteve no governo do Portugal democrático, a maior parte do tempo com maioria absoluta? Não é o PSD um partido que sempre teve grande influencia no poder autárquico e que hoje é mesmo a principal força política a nível do poder local? Não é este o partido que sociologicamente concentra em militância ou em votos a maior parte dos empresários, empreiteiros, financeiros e capitalistas deste país? Não é este o partido que, trazendo impressa na sua matriz ideológica a defesa do “mercado” e da “livre iniciativa”, se converteu de forma mais evidente à lógica neo-liberal reinante? Tomou este partido, com responsabilidades iniludíveis na governação do nosso país, medidas para alterar a situação agora denunciada? Preocupou-se, sequer, alguma vez com estes problemas?


A honestidade intelectual impunha respostas adequadas a todas estas questões. O próprio posicionamento cívico e político do autor, levada esta denúncia às últimas consequências, tinha que sofrer uma acentuada alteração. Tal, obviamente, não acontece. O seu comprometimento político e o seu estatuto de “intelectual orgânico” condicionam inevitavelmente a sua consciência. É a sua sina. Acresce que estes aspectos de incidência nacional reflectem questões estruturais que têm a ver com o sistema capitalista dominante. De facto, toda a racionalidade do capitalismo, de forma directa e assumida, ou de forma mitigada e assistencial, sempre foi reduzida à racionalidade económica. E esta é definida em termos simples e quantitativos: minimização dos custos e maximização dos lucros. Independentemente das actividades consideradas e mesmo dos seus destinatários – sempre considerados como “produtos” e valorizados em termos exclusivamente monetários –, o “critério” económico ocupa um lugar central no ordenamento das sociedades e erige-se como valor supremo da vida social (como se a vida se pudesse resumir à mera lógica contabilística do deve e do haver!).


Mas é precisamente isso que pretende a “teologia do mercado”. Rejeitando qualquer outro tipo de consideração social (moral, ética, ambiental, cultural ou estética) que possa constituir um entrave à mercantilização da existência, a ordem capitalista impõe aquilo que Dany-Robert Dufour caracteriza por “dessimbolização”, isto é, o aniquilamento de todos os valores culturais e de todo o legado civilizacional, desenvolvido pela humanidade ao longo dos séculos, que possam representar constrangimentos à lógica totalitária da produção desenfreada e da circulação universal das mercadorias. Vivemos, pois, num período de dissolução das relações sociais solidárias e desregulação da vida comunitária que alguns não hesitam em apelidar de “anarco-capitalismo”.


É este o implacável diagnóstico que enquadra e explica a situação que Pacheco Pereira agora denuncia. Ora não podemos só olhar para as vantagens e esconder os inconvenientes. Faz tudo parte do mesmo pacote. Como diz o ditado popular, “não se pode querer sol na eira e chuva no nabal”. Não deixa, por isso, de revelar extrema ingenuidade ou o mais rematado cinismo a afirmação segundo a qual o “progresso económico” era possível “sem esta destruição da qualidade de vida, da vista, da paisagem, do equilíbrio natural e mesmo do equilíbrio artificial.” É que, de facto, não era. Nunca tal ocorreu na história do capitalismo e não é de prever que alguma vez isso venha a acontecer. Não faz parte da sua lógica de funcionamento. E mesmo quando os países ricos conseguem minorar estes inconvenientes, isso é feito à custo do acréscimo de problemas no resto do mundo. E não me parece que Portugal faça parte desse grupo privilegiado de países.


A grande contradição do sistema capitalista é que a sua voracidade predadora acabará por exaurir os recursos de que necessita para a sua própria reprodução. A lógica consumista acabará por se consumir levando, se não forem tomadas medidas e se não se fizerem opções políticas claras e comprometimentos cívicos corajosos, à inviabilidade da nossa existência. Como diz o próprio Pacheco Pereira, “É uma mínima percepção, inclusive económica, de que isto é um péssimo negócio para todos, mesmo que seja vantajoso a curto prazo para alguns." Não podíamos estar mais de acordo.

ABRUPTO!

albardeiro, 06.05.05
O Abrupto é uma experiência, digo projecto, dos mais bem sucedidos. O Abrupto, foi/é experimentação, persistência e cálculo. Não se experimenta sem um plano, um projecto, um objectivo, nem sem teses e hipóteses. Passam dois anos sobre a sua “criação”, embora nem sempre estivéssemos de acordo, nomeadamente nas questões do Iraque e nas políticas do fugitivo Barroso, todavia, o primado da estética aliada ao seu cosmopolitismo faz do Abrupo (claro do seu autor) um modo específico da condição de ser intelectual. Ao fim destes dois anos, o que continua evidente é a indelével presença do seu espírito crítico entre nós, a fina lucidez do seu entendimento das incapacidades portuguesas e, simultaneamente, como costumo dizer, dos NÓS QUE NOS ATAM! Parabéns ao ABRUPTO.

o que aí vem em termos da governação! PARTE 4ª

albardeiro, 02.05.05

(CONTINUAÇÃO...)


A derivação do verbo empreender = empreendedorismo!


Os fundamentos do empreendedorismo estão hoje alicerçados no próprio desenho da mentalidade económica dos interesses desregulamentadores e na mais pura liberalização do comércio e “locação” de capitais internacionais. Nunca fizeram tanto sentido como hoje, as análises de Max Weber, ou seja, uma das leituras que se pode ter deste clássico da sociologia, nomeadamente na A Ética Protestante e o Espírito do Capitalismo, é justamente esta: quanto maior a capacidade de acumular riquezas, maior a propensão de encontrar um lugar no céu através dos benefícios que se pode prestar ao próximo que é, no mínimo, o de conceder-lhe um emprego. Inequivocamente a mentalidade económica dos nossos tempos está intimamente ligada à necessidade de se gerar e acumular riquezas. Quer queiramos ou não admitir, as finalidades de todos os percursos de formação e projectos de vida é justamente esta. O que não admira, embora por outra via, que Giddens também navegue nessas águas.


Na A terceira via e os seus críticos, Giddens (Rio de Janeiro, Record 2001) recorda que o welfare foi criado para deter a ameaça socialista. Num mundo em que parece já não existir mais essa ameaça, a Terceira Via surgiu como a mais sofisticada forma de se refrear o ímpeto neoliberal, já que parece ser a única teoria política que conjuga protecção, assistência e liberdade. Tornou-se, assim, um instrumento de superação dos efeitos perversos do “welfare burocrático”. Assim como o fez no livro antecedente (Giddens, A terceira via: reflexões sobre o impasse político actual e o futuro da social-democracia, Rio de Janeiro, Record 2000), ele reforça as distinções entre a "velha esquerda" e os neoliberais para precisar melhor a nova alternativa.


Assentou o seu fundamento nas propostas dos (novos) democratas (clintonianos) americanos e dos neo-trabalhistas ingleses: uma acção política para um mundo em mudança, no qual as “grandes instituições” já não são capazes de assegurar mais o “contrato social”. Afirma o autor: “O advento dos novos mercados globais e a economia do conhecimento, aliados ao fim da Guerra Fria, afectaram a capacidade dos governos nacionais de administrar a vida económica e proporcionar um leque sempre crescente de benefícios sociais” (Giddens, 2001, 12). As pedras fundamentais desse “novo progressismo” são: oportunidades iguais, responsabilidade social e mobilização de cidadãos e comunidades. Políticas públicas aqui é sinónimo de incentivo à criação de riqueza e término da redistribuição (subsídiodependentes) por parte da burocracia de Estado. Resumindo o esquema, temos: disciplina fiscal, reforma do sistema de saúde, investimento na educação (e formação), obras sociais, renovação urbana e uma posição firme contra o delito e o crime organizado.


Entretanto, na visão de Jeff Faux ["Hedging the neoliberal bet", (a review of Dani Rodrick's book, Has Globalization Gone Too Far?, Institute for International Economics, Washington D.C., 1997), in Dissent , Fall 1998, p. 120], pela sua amplitude, a Terceira Via apresenta-se como “uma substância intelectual amorfa”. Ela falha em todos os seus propósitos: a) na análise que faz da velha esquerda; b) na perspectiva de se tornar uma base para a reconstrução social-democrata; c) no esforço em se constituir em estratégia plausível para lidar com as questões do pós-guerra Fria. O que ela tem de melhor é o seu carácter de táctica eleitoral, apoiada em velhas teses conservadoras que contribuíram para o declínio da legitimidade da acção governamental e no fortalecimento do sector corporativo multinacional/transnacional.


Também quanto à eficácia dos instrumentos estatais, o que ocorreu/ocorre é que os mercados globais modificaram a eficiência desses instrumentos e os restringiram parcialmente. A expansão das empresas transnacionais elevou os custos de oportunidade de uma política que ignora a pressão global da concorrência. Lucros ou prejuízos escapam ao controlo do estado. O comércio intrafirmas e transnacional dificulta a fiscalização/controlo/taxação dos lucros das empresas e amplia as possibilidades para essas empresas (transnacionais) de registar prejuízos onde isso leve a uma diminuição de impostos da sua parte. Assim, verifica-se que a relação entre o Estado e essas empresas se caracteriza pela interdependência. Essa interdependência do comércio exterior tem como consequência que o principal “alimentador” dos recursos do Estado, a receita fiscal/tributária (que devia ter a sua principal fonte nos lucros das empresas), praticamente deixou de ser controlado do ponto de vista da economia interna, pois uma grande parte da receita passa a ser obtida através dos impostos directos e indirectos que o cidadão tem que fazer face. Deste modo, ao tentar expandir oportunidades sem tocar na questão da distribuição desigual de riqueza e poder, a Terceira Via não passa de um compromisso político entre esquerda e direita, com predominância da última. Para Stuart Hall (Da Diáspora: Identidades e mediações culturais, Belo Horizonte, UFMG: Representações da UNESCO no Brasil, 2003, p.176), a única coisa que ela tem de radical (Terceira Via) é a sua afirmação ao centro. Aceita o mundo como tal, corroborando com uma saída para o conflito fora do conflito. Como? Naturalizando a globalização, absorvendo a crença da auto-regulação do mercado e aceitando a substituição do cidadão pelo consumidor.


Diante deste quadro, podemos concluir que o Estado mínimo apregoado, mas também esfalfado, pelos liberais e cuja tónica é a liberdade, prevalece como visão de Estado. Todavia, importa afirmar, o grande equívoco do neoliberalismo é equiparar desregulamentação à liberdade. Embora o neoliberalismo tenha com o liberalismo algumas posições doutrinárias em comum, os efeitos que exercem sobre a estrutura social e sobre a economia são bem diferentes; "(...) A imposição política de um modelo económico pré-industrial (neoliberalismo) sobre a formação social avançada exerce efeitos aberrantes na economia e na sociedade. Ela desarticula os sectores económicos e as regiões interligadas, e ao mesmo tempo, marginaliza e exclui as classes produtivas (operários e fabricantes), fundamentais para o mercado nacional." (Petras, James, No Fio da Navalha, São Paulo, Xamã, 1997, p. 17).


Para que fique claro, a regulamentação económica é, muitas vezes, a condição tanto da liberdade como da prosperidade, dado que ela é necessária para, por exemplo, preservar a competição económica nomeadamente quando ela é ameaçada pelo monopólio. Deixemo-nos de rodeios - a competição regulamentada é normalmente a base do "livre" jogo das forças de mercado. A ordem global emergente não pode sustentar-se como "puro mercado". Reafirmar o papel do Estado neste cenário globalizado é uma atitude importante para evitar a sua fragmentação. Não se trata, enfim, de regressar à superada teoria do Estado forte e sim de procurar um equilíbrio entre regulamentação e não-regulamentação.


CONTINUA...


(Agora vamos fazer uma pausa, por que nas próximas semanas somos nós que atravessaremos a Ponte Atlântica, ou seja, vamos estar, a convite do Centro de Estudos Rurais e Urbanos da Universidade de São Paulo, num ciclo de conferências sobre: Identidade e Modernidade, Estudos Rurais, Estudos Urbanos, Educação, Educação Sócio-Ambiental, Metodologia de Pesquisa, Estudos Migratórios, Família e trabalho, Religiões e Religiosidade, Sociologia do Conhecimento. Portanto, vasto e abrangente...)