(CONTINUAÇÃO...)
A derivação do verbo empreender = empreendedorismo!
Os fundamentos do empreendedorismo estão hoje alicerçados no próprio desenho da mentalidade económica dos interesses desregulamentadores e na mais pura liberalização do comércio e locação de capitais internacionais. Nunca fizeram tanto sentido como hoje, as análises de Max Weber, ou seja, uma das leituras que se pode ter deste clássico da sociologia, nomeadamente na A Ética Protestante e o Espírito do Capitalismo, é justamente esta: quanto maior a capacidade de acumular riquezas, maior a propensão de encontrar um lugar no céu através dos benefícios que se pode prestar ao próximo que é, no mínimo, o de conceder-lhe um emprego. Inequivocamente a mentalidade económica dos nossos tempos está intimamente ligada à necessidade de se gerar e acumular riquezas. Quer queiramos ou não admitir, as finalidades de todos os percursos de formação e projectos de vida é justamente esta. O que não admira, embora por outra via, que Giddens também navegue nessas águas.
Na A terceira via e os seus críticos, Giddens (Rio de Janeiro, Record 2001) recorda que o welfare foi criado para deter a ameaça socialista. Num mundo em que parece já não existir mais essa ameaça, a Terceira Via surgiu como a mais sofisticada forma de se refrear o ímpeto neoliberal, já que parece ser a única teoria política que conjuga protecção, assistência e liberdade. Tornou-se, assim, um instrumento de superação dos efeitos perversos do welfare burocrático. Assim como o fez no livro antecedente (Giddens, A terceira via: reflexões sobre o impasse político actual e o futuro da social-democracia, Rio de Janeiro, Record 2000), ele reforça as distinções entre a "velha esquerda" e os neoliberais para precisar melhor a nova alternativa.
Assentou o seu fundamento nas propostas dos (novos) democratas (clintonianos) americanos e dos neo-trabalhistas ingleses: uma acção política para um mundo em mudança, no qual as grandes instituições já não são capazes de assegurar mais o contrato social. Afirma o autor: O advento dos novos mercados globais e a economia do conhecimento, aliados ao fim da Guerra Fria, afectaram a capacidade dos governos nacionais de administrar a vida económica e proporcionar um leque sempre crescente de benefícios sociais (Giddens, 2001, 12). As pedras fundamentais desse novo progressismo são: oportunidades iguais, responsabilidade social e mobilização de cidadãos e comunidades. Políticas públicas aqui é sinónimo de incentivo à criação de riqueza e término da redistribuição (subsídiodependentes) por parte da burocracia de Estado. Resumindo o esquema, temos: disciplina fiscal, reforma do sistema de saúde, investimento na educação (e formação), obras sociais, renovação urbana e uma posição firme contra o delito e o crime organizado.
Entretanto, na visão de Jeff Faux ["Hedging the neoliberal bet", (a review of Dani Rodrick's book, Has Globalization Gone Too Far?, Institute for International Economics, Washington D.C., 1997), in Dissent , Fall 1998, p. 120], pela sua amplitude, a Terceira Via apresenta-se como uma substância intelectual amorfa. Ela falha em todos os seus propósitos: a) na análise que faz da velha esquerda; b) na perspectiva de se tornar uma base para a reconstrução social-democrata; c) no esforço em se constituir em estratégia plausível para lidar com as questões do pós-guerra Fria. O que ela tem de melhor é o seu carácter de táctica eleitoral, apoiada em velhas teses conservadoras que contribuíram para o declínio da legitimidade da acção governamental e no fortalecimento do sector corporativo multinacional/transnacional.
Também quanto à eficácia dos instrumentos estatais, o que ocorreu/ocorre é que os mercados globais modificaram a eficiência desses instrumentos e os restringiram parcialmente. A expansão das empresas transnacionais elevou os custos de oportunidade de uma política que ignora a pressão global da concorrência. Lucros ou prejuízos escapam ao controlo do estado. O comércio intrafirmas e transnacional dificulta a fiscalização/controlo/taxação dos lucros das empresas e amplia as possibilidades para essas empresas (transnacionais) de registar prejuízos onde isso leve a uma diminuição de impostos da sua parte. Assim, verifica-se que a relação entre o Estado e essas empresas se caracteriza pela interdependência. Essa interdependência do comércio exterior tem como consequência que o principal alimentador dos recursos do Estado, a receita fiscal/tributária (que devia ter a sua principal fonte nos lucros das empresas), praticamente deixou de ser controlado do ponto de vista da economia interna, pois uma grande parte da receita passa a ser obtida através dos impostos directos e indirectos que o cidadão tem que fazer face. Deste modo, ao tentar expandir oportunidades sem tocar na questão da distribuição desigual de riqueza e poder, a Terceira Via não passa de um compromisso político entre esquerda e direita, com predominância da última. Para Stuart Hall (Da Diáspora: Identidades e mediações culturais, Belo Horizonte, UFMG: Representações da UNESCO no Brasil, 2003, p.176), a única coisa que ela tem de radical (Terceira Via) é a sua afirmação ao centro. Aceita o mundo como tal, corroborando com uma saída para o conflito fora do conflito. Como? Naturalizando a globalização, absorvendo a crença da auto-regulação do mercado e aceitando a substituição do cidadão pelo consumidor.
Diante deste quadro, podemos concluir que o Estado mínimo apregoado, mas também esfalfado, pelos liberais e cuja tónica é a liberdade, prevalece como visão de Estado. Todavia, importa afirmar, o grande equívoco do neoliberalismo é equiparar desregulamentação à liberdade. Embora o neoliberalismo tenha com o liberalismo algumas posições doutrinárias em comum, os efeitos que exercem sobre a estrutura social e sobre a economia são bem diferentes; "(...) A imposição política de um modelo económico pré-industrial (neoliberalismo) sobre a formação social avançada exerce efeitos aberrantes na economia e na sociedade. Ela desarticula os sectores económicos e as regiões interligadas, e ao mesmo tempo, marginaliza e exclui as classes produtivas (operários e fabricantes), fundamentais para o mercado nacional." (Petras, James, No Fio da Navalha, São Paulo, Xamã, 1997, p. 17).
Para que fique claro, a regulamentação económica é, muitas vezes, a condição tanto da liberdade como da prosperidade, dado que ela é necessária para, por exemplo, preservar a competição económica nomeadamente quando ela é ameaçada pelo monopólio. Deixemo-nos de rodeios - a competição regulamentada é normalmente a base do "livre" jogo das forças de mercado. A ordem global emergente não pode sustentar-se como "puro mercado". Reafirmar o papel do Estado neste cenário globalizado é uma atitude importante para evitar a sua fragmentação. Não se trata, enfim, de regressar à superada teoria do Estado forte e sim de procurar um equilíbrio entre regulamentação e não-regulamentação.
CONTINUA...
(Agora vamos fazer uma pausa, por que nas próximas semanas somos nós que atravessaremos a Ponte Atlântica, ou seja, vamos estar, a convite do Centro de Estudos Rurais e Urbanos da Universidade de São Paulo, num ciclo de conferências sobre: Identidade e Modernidade, Estudos Rurais, Estudos Urbanos, Educação, Educação Sócio-Ambiental, Metodologia de Pesquisa, Estudos Migratórios, Família e trabalho, Religiões e Religiosidade, Sociologia do Conhecimento. Portanto, vasto e abrangente...)