o que aí vem em termos da governação! PARTE 1ª
Ora bem! Conforme o prometido o publicismo de hoje faz jus à promessa da última escrevedura, isto é, o que é que aí vem em termos da governação!? Será coisa grandiosa, augusta, inaudita, ou coisa déjà vu, de somenos... Tudo e pouca coisa! Adiante... A escrevedura que se segue, sem ser muito pretensiosa, tem como objectivo decompor um pouco o significado político do chamado labor "indócil" que tem caracterizado alguns governos, ditos demoliberais, no seu processo de privatização das políticas públicas. Para isso, acometemos a ousadia de abordar as teorias e propostas do guru giddeano.
Ora, a principal base teórico-epistemológica deste projecto político centra-se no inexorável, mas também requentado, ideário da denominada Terceira Via, que teve/tem como referência a obra de Anthony Giddens [Capitalismo e moderna teoria social, Lisboa, Editorial Presença, 1994. (4ª Edição); A terceira via: reflexões sobre o impasse político atual e o futuro da social-democracia, Rio de Janeiro, Record, 2000; A terceira via e seus críticos, Rio de Janeiro, Record, 2001; e ainda a sua parceria com Christopher PIERSON, Conversas com Anthony Giddens: o sentido da modernidade, Rio de Janeiro, Editora FGV, 2000], que grande influência tem vindo a exercer não só em governos neo-social-democratas, como também em partidos e movimentos políticos supostamente críticos ao neoliberalismo. A hipótese da qual partimos é a de que a actual relação entre o Estado e a sociedade civil, postulada pelos adeptos desse neoliberalismo, produz efeitos nefastos no quotidiano dos grupos mais desfavorecidos, devido à promoção da mercantilização dos direitos sociais, que se instrumentaliza com o redimensionamento do aparelho estatal e com as reformas que colocam em cheque os mecanismos universalistas de intervenção e financiamento do bem-estar social. Por exemplo, no que respeita à política educacional (ensino/formação), acreditamos que a continuar a tendência/disposição de transferir as responsabilidades estatais para outras instâncias pode ampliar ainda mais o abismo das oportunidades educacionais entre os grupos que compõem a nossa sociedade. Já lá vamos.
Como dizem algumas leituras da Ponte Atlântica, entre elas as de autoria de Marcos Oliveira, para o cumprimento dos objectivos propostos, devíamos iniciar esta resenha com uma brevíssima exposição da vida e obra de Giddens, na peugada indicada por Karl Marx de que, ainda que ideológica, a ciência burguesa ilumina elementos da realidade. No caso específico do autor em questão, admitimos que o entendimento da sua obra pode informar-nos sobre como é que os programas políticos são influenciados por intelectuais, assim como os conceitos sociológicos se aproximam ou se afastam da vida quotidiana. Todavia, isso será matéria para um próximo texto (publicista) que dê continuidade a esta temática... fica a promessa! Agora, vamos centrar-nos, apenas, na vaca fria do ideário giddeano.
Primordialmente, a base epistemológica deste projecto político é a sua Teoria da Estruturação, que a partir das lições dos clássicos da sociologia, rejeita a visão linear do progresso histórico presente, aliás, no marxismo e tenta captar a relação dialéctica entre solidariedade social (de inspiração durkheimiana) e a acção humana (de inspiração weberiana). Sobre a forma de se pensar o social em termos classistas, Giddens afirma: A ideia do conflito de classes como mola da história certamente deve ser rejeitada. Dizer que esse conflito é a força motriz da mudança histórica não convence (Giddens e Pierson, 2000, p. 52). Ele não nega as diferenças classistas produzidas pelo sistema capital, admitindo até que a globalização tenha ampliado as desigualdades sociais. Mas o que ocorreu foram novos processos de exclusão, com a formação de uma classe cosmopolita global. Isto é: o aumento da mobilidade do capital frente ao trabalho fez com que o Estado perdesse funcionalidade e os posicionamentos políticos desvincularam-se das diferenças que existem socialmente. Giddens, em consequência, diz-se descrente de uma acção política internacional apoiada nas classes dominadas (por exemplo, Mário Soares já não pensa assim), já que as forças básicas da economia não resultam de actividades de uma classe dirigente capitalista específica. Ninguém controla os mercados financeiros (idem, 53).
O facto de vivermos uma forma mais pura de capitalismo não significa que exista uma dialéctica da história condutora de uma transição para algum tipo de socialismo mundial. E mesmo que houvesse algum processo evolutivo, Giddens afirma que o socialismo está morto como modelo de organização económica incapaz de superar a determinação do capitalismo (idem, 54). O que é possível então fazer? Promover uma coordenação política que consiga desenvolver uma sociedade global cosmopolita, baseada em princípios ecologicamente aceitáveis, capaz de gerar uma produção de riquezas com a intendência, também, de controlar as desigualdades. No fundo (não o consegues vencer... tenta reformá-lo), uma política de manutenção do espírito ético do capitalismo à boa maneira Weberiana. Para que conste, neste projecto, os agentes devem ser: Estados, grupos de Estados, empresas, organizações internacionais, indivíduos e grupos comunitários todos conscientes da necessidade de uma regeneração da relação entre o global e o local, para se evitar o colapso societário, ou até do Planeta. No entanto, na concepção de Giddens, assume-se que o mercado gera desigualdades, mas, por não haver determinismo de qualquer espécie, o próprio capitalismo tem condições de amenizá-las. Mas isto só poderá ocorrer se houver uma renovação na relação Estado/sociedade civil. O que, por sua vez, requer um novo Estado.
CONTINUA...