Qual a função e a responsabilidade do exercício de cidadania neste início de milénio, num mundo que se configura pelas incertezas, crises e mutações aceleradas? Quais as formas de expressão que lhe restam já que, agora, são outros os actores como os média que detêm uma maior capacidade de persuasão?
Será que não é possível construir um mundo e um país novos sem enfrentar o controlo da informação, que os grupos económicos e as centrais de informação impingem aos "Pasquins" e que a TV hoje reproduz como pratica assumida?
Será que espaços tradicionais da produção intelectual, como a escola/universidade, estão em crise a ponto de levar à necessidade deste debate noutros espaços? Ou, na realidade, é ela (a academia) que, diante da crise de outras instâncias, se coloca como um dos poucos espaços possíveis para o debate de ideias e para a mudança do quadro que vivemos actualmente?
Creio que é uma tarefa imensa, onde todos os esforços são bem-vindos e nunca seremos de mais. Segue-se um texto do Hugo Fernandez, sobre o compadrio, o desleixo, a negligência e a incompetência em colocar profissionais da educação nas escolas do nosso país!
MÁ EDUCAÇÃO
O Estado Novo nunca investiu na educação. As razões desta opção são claras. Por um lado a ignorância engendrava a submissão e a prevalência incontestada da ordem vigente. Por outro lado impedia qualquer veleidade de ascensão social e de eventual perturbação do status quo, perpetuando a exploração de uma mão-de-obra desqualificada e barata. No fundo, garantia aquilo que Salazar definia como o viver habitualmente. Não admira, por isso, que as taxas de analfabetismo fossem das mais elevadas da Europa, ultrapassando em muito os índices dos próprios países do Sul europeu, com os quais se costuma comparar o nosso país. Aliás, logo após a instauração da ditadura militar, o Decreto-lei nº 12425 de 2 de Outubro de 1926 reduzia mesmo a escolaridade obrigatória para 3 anos, alertando para os malefícios de um suposto excesso de instrução: Atalhe-se a indigestão intelectual dizia-se ensine-se menos para se saber mais. Em 1955, a World Survey of Education da UNESCO situava o nosso país no último lugar da Europa em termos de alfabetização. Recorde-se que a escolaridade obrigatória de 4 anos implementada pela I República, só meio século depois, em 1964, é ampliada para os 6 anos. Apesar disso, a percentagem de jovens que tinham condições para os cumprir continuava diminuta. A taxa de abandono escolar era muito elevada.
Parece que o actual Estado neo-liberal segue o mesmo caminho, numa continuidade arrepiante. Hoje como ontem, Portugal tem a mais alta taxa de analfabetismo e de abandono escolar dos países da União Europeia, incluindo já os do último alargamento. Todos os esforços feitos a seguir ao 25 de Abril para contrariar esse estado de coisas e para nos distanciar definitivamente dos atavismos do passado foram rapidamente abandonados ou ostensivamente contrariados. Que razões podem, desta feita, justificar tal situação? Paradoxalmente os mesmos que antes encontrávamos. À presunção, que ainda hoje subsiste, das vantagens competitivas da exploração da mão-de-obra barata e servil, soma-se a ganância acrescida de patrões sem escrúpulos, envolvidos na selva especulativa da desregulação económica globalizada. Para além disso, a acção dos responsáveis governativos tem seguido uma política de contínuo desinvestimento e asfixia do sector quer, desde logo, ao nível dos financiamentos, quer em termos recursos, quer em termos de pessoal e da sua formação. As diminutas percentagens do Orçamento do Estado para a Educação, a degradação acentuada do parque escolar, do mobiliário e dos equipamentos exceptuando, de quando em vez, escassos e muitas vezes desenquadrados apetrechamentos nas TIC o amontoar de alunos em turmas superlotadas, a crónica falta de funcionários administrativos e de auxiliares de acção educativa e a má distribuição quando não a falta de docentes, bem como o desleixo do Estado no cumprimento das suas obrigações na acção social escolar e no apoio aos discentes carenciados ou com necessidades educativas especiais, têm sido uma constante neste país.
Há, contudo, algo a que nunca se tinha assistido. Para além de todas as insuficiências já referidas, verifica-se hoje a mais despudorada incúria, irresponsabilidade e falta de respeito pelos cidadãos, por parte de quem detém o poder. O exemplo mais recente desta tendência tem a ver com as peripécias mirabolantes da colocação de professores para o ano lectivo de 2004/2005. Assinale-se, desde logo, a total incompetência da equipa ministerial promotora do actual modelo de concursos que, para além de provocar a anarquia do sistema recorde-se que os erros das listas oficiais de ordenação de professores foram da ordem das dezenas de milhares de casos esbanjou, numa informatização apressada e leviana do processo, outras tantas dezenas de milhares de euros do erário público. Tudo teve que ser feito de novo, sem que ninguém tivesse sido minimamente responsabilizado.
Acresce que, apesar dos enormes e irremediáveis atrasos verificados neste procedimento administrativo que devia ser rotineiro, o Ministério da Educação insistiu de uma forma obstinada e autista na manutenção de uma data de abertura do ano lectivo apenas justificável se tudo tivesse corrido normalmente. Assistiu-se então à situação surrealista do próprio Ministério anunciar a publicação das listas de colocação de professores para data posterior ao suposto início das actividades lectivas. Ou seja, grande parte do corpo docente das escolas portuguesas, só foi colocado depois das aulas terem oficialmente começado. O absurdo da situação é flagrante. Se não fosse dramático, era risível.
E é dramático, antes de mais, pelo que isso significou de angústia e incerteza para os profissionais afectados que, muitas vezes, só obtiveram colocação a muitas centenas de quilómetros de suas casas, com tudo o que isso implica em termos de deslocalização e desregulação das suas vidas e dos respectivos agregados familiares. E desenganem-se aqueles que pensam que os únicos como se isso fosse de somenos importância afectados foram os professores e respectivas famílias. É que a desmotivação e instabilidade emocional daqueles necessariamente se reflectirá no seu desempenho profissional e na qualidade de ensino ministrado aos alunos deste país, contribuindo para um acrescido desprestígio da figura do professor.
Mas é dramático também pelo que isso significa de negligência grosseira das obrigações do Estado para com este sector de actividade, que devia ser estratégico para um efectivo desenvolvimento do país. O que subjaz a esta abertura do ano lectivo a mais caótica de que há memória é o profundo desprezo pela Educação e por aquilo que ela significa e potencia. O atabalhoamento e improviso com que se iniciaram as actividades lectivas demonstram, para além de um desconhecimento ou mesmo de uma chocante negligência por quem tem as maiores responsabilidades pelo sector, um efectivo desinteresse pelo planeamento atempado e rigoroso do trabalho escolar por parte das escolas e dos respectivos professores. Como se os estabelecimentos de ensino, para cumprirem cabalmente a sua função, não necessitassem de planificar com tempo as actividades a desenvolver, promovendo-se, aos vários níveis e no âmbito dos diferentes órgãos existentes, as necessárias reuniões de docentes e possibilitando-se um conhecimento aprofundado, em especial para aqueles que aí são colocados de novo, dos alunos com quem se vai trabalhar, dos níveis a leccionar, dos materiais existentes para esse efeito, das características da Escola, do seu projecto educativo e do próprio meio envolvente em que esta está inserida. Como se a actividade docente não ultrapassasse os simples automatismos tayloristas de um caixa de supermercado e as escolas não passassem de meros centros aulários de carregamento automático. Estamos pois, nesta fase, confrontados com a filosofia do desenrasca e do improviso, em que tudo tem que ser preparado num ou dois dias.
Há outra continuidade surpreendente com os tempos de antanho. No Estado Novo não havia meios informáticos para colocar os professores. E mesmo que existissem, duvidamos que Salazar fizesse uso de tais modernices. Como hoje, aliás! É com esta falta de cultura de exigência e leviandade, com estes expedientes simultaneamente chico-espertistas e bacocos, que se pretende ganhar a batalha da produtividade tão apregoada pelo Governo? Não admira que, no Parlamento, o deputado Teixeira Lopes tenha afirmado que o Governo que se fez em nome da estabilidade é o Governo que dissemina a instabilidade.
Marx! Oh Marx... onde estás? ... é só para dizer que está na altura de... vamos fazer de outra maneira... estás perdoado!
A história da modernidade é a história da formação, pela primeira vez, de um sistema-mundo. Nos últimos quinhentos anos, as antigas sociedades humanas, que permaneceram em relativo isolamento durante milénios, foram progressivamente unificadas num novo sistema muito mais amplo. Essa unificação foi feita através da incorporação de áreas e povos sob o controlo e influência do antigo subsistema europeu.
Os agentes e promotores dessa transformação construíram as suas próprias formas de compreender e conferir sentido ao que faziam. Primeiro foi a difusão do cristianismo; não obstante, esse discurso correspondia já a uma consciência de um tempo histórico que estava a ser posto em causa (Reforma). Rapidamente veio uma consciência nova. O iluminismo forneceu os dois conceitos fundamentais que justificaram o papel universal da burguesia europeia: razão e liberdade. Conceitos congénitos. Até então, a revelação e a tradição é que forneciam normas válidas para a organização da vida social. O pensamento só poderia ocupar um lugar central se também dele fosse possível deduzir princípios e normas universais que ultrapassassem os limites da mera opinião. Enorme desafio. Os iluministas afirmaram que era possível superá-lo: o pensamento podia produzir esses conceitos universais, e à sua totalidade eles denominaram - razão. A razão pressupunha a liberdade, pois o sujeito só pode atingir a verdade se o seu esforço de conhecimento não reconhecer nenhuma autoridade externa que lhe imponha limites. E a liberdade pressupunha a razão, pois ser livre é poder agir de acordo com o conhecimento da verdade.
Ao contrário dos defensores das tradições, necessariamente vinculadas a sociedades específicas, as vanguardas da modernidade europeia cedo proclamaram a validade universal das suas proposições. As mitologias, as religiões, a arte, a tradição, o direito, o Estado, a política e a economia, tudo foi julgado à luz do ideal homogeneizador do progresso. Pela primeira vez, a história passou a ser encarada como um processo. Inseridas nele, todas as demais formas de estar-no-mundo foram declaradas arcaicas.
A crítica à consciência histórica da burguesia europeia, feita por Marx, começou por colocar essa consciência na história. Marx mostrou que o motor da expansão europeia não estava na razão ou na liberdade, considerados como conceitos abstractos. Estava no desenvolvimento pleno, pela primeira vez, das potencialidades e das contradições da forma-mercadoria. Ela esteve presente, é verdade, na grande maioria das sociedades, mas sempre de maneira marginal e limitada. A moderna sociedade europeia libertou-a.
Histórica e sociologicamente, isso ocorreu a partir da inclusão, no circuito mercantil, de três elementos que sempre tinham ficado fora dele: a força de trabalho humana, a terra e os meios de produção. Transformar coisas em mercadorias era/é banal, mas não era/é banal transformar em mercadorias os atributos fundamentais das pessoas e da natureza. Só então o circuito mercantil reorganizou à sua imagem e semelhança, pela primeira vez na história humana, toda a vida social. Todos os agentes sociais relevantes, incluindo os detentores do poder político, se inseriram nele. Toda a produção passou a ser produção de mercadorias, e a produção de mercadorias passou também a ser feita por meio de mercadorias. Ao fechar-se, como a cobra que mordeu o próprio rabo, o circuito mercantil tornou-se imune a forças externas que lhe eram hostis.
Nos meados do século XIX, Marx escreveu que a sociedade assim organizada desenvolveria, pelo menos, três características novas:
a) seria compelida a aumentar incessantemente a massa de mercadorias, quer fosse pelo aumento da capacidade de as produzir, quer fosse pela transformação de mais bens, materiais ou simbólicos, em mercadoria; ou seja, no limite, tudo seria transformado em mercadoria;
b) seria compelida a ampliar o espaço geográfico inserido nesse circuito, de modo que mais riquezas e mais populações dele participassem; isto é, no limite, esse espaço seria todo o planeta;
c) seria compelida a criar permanentemente novos bens e novas necessidades; como as necessidades do estômago são limitadas (julgo eu!), esses novos bens e essas novas necessidades, criados para dar sustentação a uma acumulação ilimitada de riqueza abstracta, seriam, cada vez mais, bens e necessidades voltados para a fantasia, que também é ilimitada.
Essa nova sociedade desdobrar-se-ia em três direcções fundamentais: promoveria uma revolução técnica incessante (voltada essencialmente para expandir o espaço e contrair o tempo da acumulação), realizaria uma profunda revolução cultural (para fazer surgir um novo homem portador daquelas novas necessidades em expansão) e formaria o sistema-mundo (para incluir o máximo de populações no processo mercantil). Tudo isso se confirmou. De certa forma, esse processo já pertence ao passado, embora ainda seja recente. Mas o percurso teórico de Marx não foi interrompido aí. O seu verdadeiro lance de génio foi ter percebido que o capital procuraria ampliar as suas possibilidades de acumulação numa forma (que chamou D D) na qual ele (capital) nunca deixaria de existir como riqueza abstracta.
Pasme-se! É, exactamente, o que acontece hoje, com a pouca vergonha da acumulação financeira global. Mais... Marx anteviu: quando essa forma se tornasse predominante, a civilização do capital entraria em crise. Pois, ao repudiar as coisas, isto é, o trabalho e a actividade produtiva e ao afastar-se da realidade quotidiana, a acumulação de capital não poderia ser mais o eixo em torno do qual a vida social se organiza. A forma-mercadoria teria então de ser superada ou, pelo menos, remetida novamente para um lugar secundário, sendo substituída por algum outro princípio de organização da vida social.
Que não haja dúvidas: Marx nunca deixou de ser um filósofo, mesmo quando fez a crítica da economia política. Todavia, eis o que nos quis dizer: mantida sob o comando do capital e aprisionada nos sucessivos rearranjos da forma-mercadoria, a capacidade criadora da humanidade capacidade que decorre da sua liberdade essencial, ontológica poderia tornar-se muito mais destrutiva numa época em que o capitalismo atingisse um estádio senil, ou quando a capacidade técnica da própria humanidade fosse muito mais desenvolvida. Dependendo, no entanto, de quais fossem as forças sociais que predominassem então, - essa capacidade técnica expandida poderia ser colocada ao serviço da liberdade (aqui surgia a utopia: com a abolição do trabalho físico, cansativo, mecânico e alienado) ou da destruição (aqui a realidade: com a escalada do desemprego e da guerra).
Essa parece ser a disjunção mais relevante proposta por Marx e a sua profecia mais certeira. Não haja acanhamento: o capitalismo venceu. Estamos, finalmente, num sistema-mundo em que tudo é mercadoria, em que se produz loucamente para se consumir mais loucamente, e se consome loucamente para se produzir mais loucamente. Produz-se por dinheiro, especula-se por dinheiro, mata-se por dinheiro, corrompe-se por dinheiro, organiza-se toda a vida social por dinheiro, só se pensa em dinheiro. Cultua-se o dinheiro, o verdadeiro Tótem da nossa época um deus indiferente aos homens, inimigo da arte, da cultura, da solidariedade, da ética, da vida do espírito, do afecto. Um deus que se tornou imensamente mediocrizante e destrutivo. E que é insaciável: a acumulação de riqueza abstracta é, por definição, um processo sem limites.
O capitalismo venceu. Talvez, agora, possa perder esse tem que ser o nosso desafio. Pois, antes que o novo tenha condições de surgir, Hegel dizia, é preciso que o antigo atinja a sua forma mais absoluta, que é também a mais simples e a mais essencial, abandonando as mediações de que necessitou para se desenvolver. O momento do auge de um sistema, quando as suas potencialidades desabrocham plenamente, é o momento que antecede o seu esgotamento e a sua superação. As crises do mundo contemporâneo mostram que a acumulação de capital e a sua forma-mercadoria não podem continuar a ser o princípio organizador da vida social. É o desafio que está posto para nós neste século. O pensamento de Marx nunca esteve tão vivo.
Depois desta reflexão, quero agradecer ao César Benjamin que é autor de A Opção Brasileira (Contraponto, 1998, nona edição) e Bom Combate (Contraponto, 2004).
Provavelmente a nossa indignação não andará longe das palavras de uma canção, cuja autoria pertence ao agrupamento musical brasileiro Skank e que diz mais ou menos assim:
A nossa indignação
É uma mosca sem asas
Não ultrapassa as janelas
De nossas casas
Indignação indigna
Indigna inação.
Contudo, ele há coisas que estão cada vez mais indignas e o direito à indignação torna-se numa questão de cidadania e de honra. Por ser assim e sem mais comentários publico uma parte do texto de Rogério Rodrigues que serve de editorial na Capital de hoje, cá vai e por favor não se indignem...!
Há como que uma dimensão oligárquica neste Governo que leva a proteger os seus ´ad absurdum´ ( ver a escandalosa reforma de 18 mil euros de Mira Amaral, em contraste com a «conversa em família», em pose de Estado menor, de Bagão Felix). Não pode ser apenas coincidência que, no mesmo dia em que é denunciada por A Capital a reforma milionária de um ex-presidente da CGD, o ´Correio da Manhã´ noticie que um ser humano acaba de morrer à fome a cem quilómetros de Lisboa. Não é demagogia. É a realidade deste país levada ao extremo. As assimetrias avolumam-se. São mais as mesas cheias nos restaurantes de luxo que nos restaurantes populares.
Cresce a dor. Falta crescer a indignação. A classe política não só se mediocratizou como se divorciou, quase em definitivo, da realidade do país, do país profundo, adormecido e conformista. E vive-se e sobrevive-se na mentira. No insustentável peso da mentira. Mente-se na abertura do ano escolar, mente-se na colocação dos professores, mente-se nas taxas moderadores, mente-se na retoma artificial. E o Presidente da República que fez crescer até à vastidão estes campos de esterilidade, em nome duma virtual estabilidade, recolhe-se ao silêncio, numa mágoa de água corrente a lavar as mãos. Quanto a nós, parece que estamos todos a cuspir para o ar. Antes que a chuva caia.
Só para acabar!
Não quero a liberdade para ouvir promessas futuras.
Já fui paciente. Estou apressado.
Estou no presente.
Mas trago o passado na mente.
O aprendizado.
Acumulado.
Texto de um folheto de apresentação...
Al-Andaluz nome, mito e um imaginário carregado de história. O Al-Andaluz é a designação geográfica que os árabes deram ao Sul da Península Ibérica, praticamente envolvendo as bacias hidrográficas dos rios Guadiana e Guadalquivir onde hoje se inserem a Andaluzia, o Algarve e o Alentejo.
Terra de abrigo e também de passagem... a unidade da terra do Al-Andaluz é em grande parte obra humana - que há vários séculos se define como uma entidade política antiga e estável, onde sempre se entrecruzaram as gentes e a sua vontade, procurando as "raízes antigas" da sua identidade. É, pois, num contexto mediterrânico, feito de encontro de culturas, que se insere o al-Andaluz - terra lisa ou apenas quebrada em frouxas ondulações.
Neste imenso Sul consubstanciam-se as influências dos povos mediterrânicos desde fenícios, gregos, cartagineses e a "brilhante civilização indígena" dos Tartessos entre o Guadalquivir e o Guadiana, coroadas pelas estruturantes civilizações, primeiro dos romanos e posteriormente dos árabes. Embora os tempos fossem revelando as diferenças e as ligações, as continuidades e as descontinuidades, a incerteza e a alternância de influências - não obstante tudo nos revelou uma multiplicidade de elementos que incluem a substância duma realidade terrestre, humana e cultural, bastante uniformizada.
É toda esta herança que a Taberna Al-Andaluz quer homenagear trazendo à barra os sabores, os paladares, os cheiros e, simultaneamente, a diversidade dos produtos, dos pratos e petiscos regionais, que mais não são que o resultado de várias formas de comer, usos e costumes, dos povos que se vieram fixar no Al-Andaluz. Tenha um bom proveito e não deixe de desfrutar da magnífica trilogia mediterrânica do pão, do vinho e do azeite.
Qualquer dia digo onde é o seu poiso!
Sempre gostei do pendor satírico do Elmano Sadino. A sua obra é constituída por todos os géneros poéticos em curso no seu tempo, mas foi no soneto que deixou o melhor de si próprio; nas suas composições combina elementos neoclassicistas com o gosto pelo pré-romantismo. A solidão, o sofrimento, o amor-ciúme, o belo-horrível, a morte, são alguns dos temas que trata, de acordo com o próprio infortúnio da sua vida. O que se segue é um dos sonetos que mais gosto.
Nos campos o vilão sem susto passa
Nos campos o vilão sem susto passa
inquieto na corte o nobre mora;
o que é ser infeliz aquele ignora,
este encontra nas pompas a desgraça;
aquele canta e ri, não se embaraça
com essas coisas vãs que o mundo adora;
este (oh cega ambição!) mil vezes chora,
porque não acha bem que o satisfaça;
aquele dorme em paz no chão deitado,
este no ebúrneo leito precioso
nutre, exaspera velador cuidado,
triste, sai do palácio majestoso.
Se hás-de ser cortesão mas desgraçado,
antes ser camponês e venturoso.
Afinal ainda há outro...!
Vós, Crédulos Mortais, Alucinados Vós,
crédulos mortais, alucinados
de sonhos, de quimeras, de aparências
colheis por uso erradas consequências
dos acontecimentos desastrados.
Se à perdição correis precipitados
por cegas, por fogosas, impaciências,
indo a cair, gritais que são violências
de inexoráveis céus, de negros fados.
Se um celeste poder tirano e duro
às vezes extorquisse as liberdades,
que prestava, ó Razão, teu lume puro?
Não forçam corações as divindades,
fado amigo não há nem fado escuro:
fados são as paixões, são as vontades.
... oh! Calhando ainda há muitos mais...!
Nova roupagem..., o mesmo percurso..., gente boa..., os mesmos intervenientes...
Recomeça o Hugo Fernandez
Como cantava há anos Sérgio Godinho, pode alguém ser quem não é?
Vivemos tempos estranhos. Tempos em que um primeiro-ministro português preferiu as mordomias de Bruxelas às responsabilidades mesquinhas da governação de Portugal, sendo essa deserção apresentada como um acto patriótico. Tempos em que o poder dito democrático passou de mão em mão qual sucessão dinástica de uma qualquer monarquia sem que a população tenha sido consultada, como seria normal que acontecesse. Tempos em que um Presidente da República dito socialista nomeou, por sua iniciativa, um primeiro-ministro irresponsável e demagogo, que não foi eleito por ninguém. Tempos em que o governo assim constituído resultou numa amálgama extremista de neo-liberalismo e do mais descarado populismo. O cenário não podia ser mais desconsertante. E se, como disse Eduardo Prado Coelho, os disparates da direita convidem à preguiça (Público, 9/8/04), a realidade existente, mesmo que se apresente como absurda, tem que ser fruto de cuidadosa reflexão e de permanente denuncia.
Neste tempo de enganos, hipocrisias e falsidades, não admira que as principais medidas do Governo se tenham limitado ao campo da propaganda. Torna-se fundamental passar para a opinião pública uma imagem de competência e responsabilidade que, na realidade, são fictícias. Santana Lopes e os seus ministros contrataram um exército de assessores de imprensa, essa espécie de jornalistas pagos para atraiçoar o jornalismo nas palavras de José Manuel Barata-Feyo (Grande Reportagem, 14/8/04). Mesmo Ministérios como o da Economia e da Cultura que, em termos orgânicos, são dos mais reduzidos, passarão a contar com três assessores cada. Importa sobremaneira que a mensagem política seja divulgada na forma e nos timings mais adequados ao Governo.
Mais. À imagem e semelhança do SNI de má memória, o ministro de Estado e da Presidência, Morais Sarmento, irá chefiar uma central de informações, destinada precisamente a coordenar a comunicação governamental, que deverá começar a funcionar no final do ano e que contará com a colaboração de um grupo de spin doctors da agência Ipsis (cerca de 20 pessoas), sob a responsabilidade de um antigo jornalista de economia, Luís Goldschmidt. O tratamento da informação, de maneira que chegue sempre na altura exacta e da maneira mais favorável ao Governo revelando apenas os aspectos considerados positivos e camuflando tudo o resto constitui a grande prioridade do Executivo.
Outra das iniciativas prioritárias do actual Primeiro-ministro, foi a contratação de assessores de imagem para o seu gabinete. É notória a preocupação de Santana Lopes com a aparência. Parecer em vez de ser ou melhor, de fazer constituem obsessão do chefe de Governo. Não é inédita esta preocupação. Basta lembrar a passagem efémera, diga-se de Pedro Santana Lopes à frente da Câmara Municipal de Lisboa e da autêntica agência publicitária em que esta se tornou. Citando Vasco Pulido Valente (Diário de Notícias, 20/8/04), nunca ninguém fez tão pouco e tão mal com tanto espalhafato. O dirigente populista sabe que não resiste ao trabalho sério e às responsabilidades. Sem o espectáculo permanente das luzes da ribalta política, sucumbe. Por isso só existe em função daquele. Talvez isso explique o alerta de Miguel Sousa Tavares, quando escreveu a imagem e a demagogia afastaram a reflexão e a ideologia (...). A ambição e o oportunismo substituíram a verdade e a coragem (Público, 29/7/04).
Assim, para Pedro Santana Lopes, a realidade deve-se subordinar sempre à imagem que dela se fizer, num jogo de aparências construído para mostrar um mundo maravilhoso que, de facto, não existe. É que nunca houve tanto desemprego e miséria em Portugal, nunca houve tanta corrupção e compadrio que na nova linguagem se traduz por colocar pessoas de confiança em lugares de influência , nunca se assistiu a tão despudorado oportunismo e hipocrisia, nunca tantos estiveram subordinados a tão poucos. Isto é, o populismo no seu melhor. Mediatização e fulanização políticas fabricam o carisma de um líder que tudo promete, sem ter a mínima intenção de cumprir. Recorde-se que o actual Primeiro-ministro nunca sublinhe-se nunca cumpriu o que prometeu, nem sequer relativamente aos prazos dos mandatos que desempenhou. A aparência passa a contar mais do que a realidade. As intenções sobrepõem-se às decisões. E numa sociedade desestruturada, onde as pessoas se sentem desenraízadas e descrentes no sistema democrático-representativo que pouco lhes diz destruído que foi, precisamente, pelas práticas demagógicas e populistas continuadas o terreno apresenta-se particularmente fértil. Reduzindo-se a política à comunicação e esta à televisão, atingimos o grau zero da cidadania e a sabonetização dos seus intervenientes. Lembremo-nos da afirmação profética de Emídio Rangel, proferida há uns anos e que, na altura, causou grande controvérsia de que a televisão pode vender um Presidente da República como se vende um sabonete. É nesse tempo que agora vivemos e é um produto dessa lógica mediática que actualmente chefia o Governo português. Um poderosíssimo shampoo, portanto. Um exemplo claro da acção demagógica a que assistimos, é a carta enviada por Pedro Santana Lopes, enquanto presidente do partido, aos militantes do PSD. Esta carta termina com uma exortação patética de optimismo: Na sua vida, no seu dia-a-dia, quando vir pessimismo, derrotismo, conformismo, diga alto que o futuro é um tempo melhor. É fácil falar! E não se trata de um desabafo dos que, num comentário muito infeliz, José Sócrates recentemente designou como a esquerda zangada com a vida. Trata-se de reconhecer que os contentes ou, nas palavras de Fernando Dacosta, os tecnocratas do contentismo standardizado (Visão 2/9/04) se produzem à custa de índices galopantes de miséria e de desgraça e que só aqueles, cada vez mais minoritários, que beneficiam das benesses dos grandes interesses económicos, das boas graças dos grandes lobbies sociais e políticos ou da falta de escrúpulos de oportunistas de toda a espécie, se podem dar por felizes.
Todo este cenário populista e demagógico tem o reverso da medalha. É que quando a realidade não se deixa iludir, a injustiça torna-se patente e sobrevem a indignação e a revolta. Por isso, simultaneamente, Pedro Santana Lopes, os seus ministros e os seus secretários de Estado rodeiam-se de guarda-costas. Todos eles exigiram ter agentes da PSP à porta das suas residências, o que representa um total de 135 polícias diariamente envolvidos na segurança da equipa governamental. Isto para além das dezenas de elementos que fazem a protecção pessoal dos responsáveis governativos. Esta, porém, não é uma prática habitual. Com a excepção dos ministros da Administração Interna, da Justiça e da Defesa que, segundo a legislação em vigor desde 1991, têm direito a segurança pessoal, todos os outros a solicitaram, mesmo contra as indicações do relatório do Serviço de Informações de Segurança (SIS) que avalia os graus de ameaça existentes e que foram considerados irrelevantes. O próprio Pedro Santana Lopes é acompanhado por 16 agentes do Corpo de Segurança Pessoal da PSP, o dobro dos que protegiam Durão Barroso. Significativo! È que há um ditado popular que diz quem não deve não teme. Quando o convencimento pela propaganda falhar, são de esperar todo o tipo de acções discricionárias e repressivas por parte do actual poder político. Como refere Manuel Villaverde Cabral O populismo é o fim da linha da política democrática e não se compreende como é que o Presidente da República decidiu ser o agulheiro deste famigerado comboio! (Diário de Notícias, 23/7/04). Tempos estranhos, estes em que vivemos!
Regressando... devagarinho!
É verdade! estamos de regresso... e o lema das escritas continuará, se possível, no mesmo rumo, ou seja, não queremos que a incerteza do futuro nos leve a procurar refúgio no passado! ... depois continuarei a lenga lenga da conversa mole!