Albardas e Alforges... nunca vi nada assim! Minto... já vi!
Quarta-feira, 30 de Junho de 2004
O embaixador de mão... e dos "servicinhos"!

Num texto publicado, em primeiro lugar, no Albardeiro:- Albardas e Alforges... nunca vi nada assim!, de finais de Dezembro de 2003, depois republicado, aqui neste BLOG (só ALBARDEIRO; - os dois BLOGs tem o mesmo gestor/autor), tivemos o "grato prazer"! de apresentar alguns dados curriculares da equipa que, nos últimos anos, tomou conta da administração dos EUA, no fundo, dos "destinos" da política mundial. Tendo em conta, que o trabalhinho ainda não está completo, visto que a nomeação de Negroponte indicia esta suspeita, o "POST" que se segue vem relembrar, novamente, quem são essas figuras, com destaque para o dito embaixador.


Outra vez....


Como escreveu à uns meses atrás *Sérgio Kalili : - Para defender a democracia contra o "eixo do mal", o presidente Bush escolheu a dedo uma equipa envolvida até ao tutano no caso Irão-Contras. Em nome da democracia e do bem, George W. Bush desrespeita direitos, (re)escreve leis e autoriza a CIA a matar. Sem a Guerra Fria, vamos à guerra ao terrorismo. Está na vez dos iraquianos, depois poderá ser a vez de colombianos, venezuelanos, norte-coreanos... (é verdade que alguns precisam de umas palmadas no rabo).Para isso, o presidente americano juntou o que há de mais encarniçado e de "linha dura", e pela forma como foi proclamado vencedor das eleições, ninguém esperava dele coisa diferente. Vamos então olhar algumas das figuras dessa equipa, de certo modo, um pouco sinistra que tem incendiado o mundo a todo momento.


John Poindexter, almirante aposentado, é o director do Information Awarness Office do Pentágono e criador do TIA (Total Information Awareness), programa que (está) vai vasculhar a vida dos 290 milhões de habitantes dos EUA para "evitar ataques terroristas", "identificar o inimigo". Como em muitos outros casos de estranha intimidade entre sector privado e sector público, Poindexter deixou a Syntek Technologies, uma contratada do governo americano, para assumir o novo posto. Foi conselheiro de Segurança Nacional do ex-presidente Ronald Reagan. A Justiça condenou-o por conspiração, por mentir ao Congresso e destruir provas relativas ao escândalo Irão-Contras. Em 1990, o Congresso concedeu-lhe imunidade em troca do seu testemunho. Ele é um ardente defensor da política de desinformação, esquema que há muito tempo faz parte do cardápio dos governos americanos. Quando conselheiro nacional de Segurança de Reagan, defendeu a desinformação como ferramenta legítima para o avanço de interesses americanos.


John W. Rendon, director executivo do The Rendon Group, não tem cargo oficial, mas as suas ligações no alto escalão rendem-lhe poder e contratos milionários e fazem dele figura influente no governo Bush. Começou do "outro lado". Foi director executivo de política nacional do Partido Democrata, director de gabinete do ex-presidente Jimmy Carter e analista político da BBC World TV. Mas, de repente, decidiu trabalhar arduamente para quem paga melhor. Nos últimos dez anos, o grupo de Rendon recebeu mais de 100 milhões de dólares do governo para provocar instabilidade no Iraque, manter o apoio internacional às sanções económicas àquele país (ao contrário dos relatórios de pesquisadores de Harvard e outras instituições considerarem essa política de uma crueldade indefensável) e preparar o público americano e mundial para a guerra. Explica um dos membros da equipa de Rendon sobre a campanha de instabilidade contra o Iraque: A cada dois meses existiria um relato sobre bebés famintos no Iraque". E continua: "A exibição da foto das atrocidades (iraquianas) e o vídeo tinham sido mostrados em doze países. Era tudo parte da campanha concebida para manter as sanções". E, quando Bush-pai saía esbravejando que soldados iraquianos estavam roubando bebés de incubadoras de hospitais iraquianos, provou-se que era tudo fabricado. Hoje, o filho fala das poderosas armas de destruição em massa de Saddam, e ano após ano, em nome da ¿democracia¿ e dos "direitos humanos", os EUA conseguiram endurecer o embargo, proibindo até a ida de insulina para os diabéticos. No princípio do ano, antes da invasão, o grupo americano Voices in the Wilderness foi processado pelo Tesouro americano por levar medicamentos aos iraquianos.Rendon está presente em quase toda acção militar americana. Diz o editor Franklin Foer, da revista The New Republic: "Durante a invasão do Panamá, ele abrigou-se com líderes da coligação anti-Noriega. Na Guerra do Golfo, montou uma filial na Arábia Saudita para trabalhar em nome do emir exilado do Kuwait. Terminada a guerra, a CIA contratou-o para enfraquecer o poder de Saddam Hussein e promover os seus oponentes. Também ajudou nos conflitos do Haiti, Kosovo, Zimbabwe e Colômbia." Outro exemplo do trabalho de Rendon e da sua empresa foi a exibição na televisão, mundo afora, de um balde com pó branco, supostamente 50 quilos de cocaína, na cozinha do general Manuel Noriega, e outro balde com sangue aparentemente para ser usado em ritual de vudu. Mais tarde revelou-se que os baldes continham apenas ingredientes usados na preparação de um tradicional prato panamiano.Segundo fontes do Pentágono, desde o ataque de 11 de Setembro Rendon já embolsou a pequena fortuna de 7,5 milhões de dólares por serviços prestados à recente "guerra contra o terror".


John Dimitri Negroponte, embaixador americano na ONU, protegido do general Colin Powell, está à frente, junto com este, de muitas negociações entre Iraque, ONU e aliados. A sua nomeação sofreu inúmeros adiantamentos no Senado por causa da sua ficha. A nomeação de Negroponte por Bush-filho recebeu apoio público de outra figura malquista pelos direitos humanos: Henry Kissinger.Negroponte tem um passado obscuro e, como embaixador na ONU, soa um pouco estranha a ideia de que possui aval para condenar outras nações por abuso de direitos humanos. Pesa sobre ele a acusação de acobertar atrocidades cometidas pelas forças armadas das Honduras, quando embaixador naquele país nos anos da "Guerra Suja", de 1981 a 1985, durante a administração Ronald Reagan. País vizinho à Nicarágua, as Honduras tiveram um papel-chave como base no apoio aos "contras". Negroponte chegou a ser chamado por parte dos média como o boss da operação "Contras". Nos anos 80, centenas de hondurenhos foram sequestrados, torturados e assassinados pelo Batalhão 316, unidade secreta do Exército treinada pela CIA. Documentos então confidenciais, agora abertos ao público e outras fontes, mostram que a CIA e a embaixada americana tinham conhecimento de muitos crimes, incluindo assassinatos e torturas cometidos pelo Batalhão. Os Estados Unidos não só treinaram tais forças directamente, como pagaram para militares argentinos fazer parte do serviço sujo. "Os argentinos chegaram primeiro e ensinaram como desaparecer com uma pessoa. Os americanos tornaram-nos mais eficientes", disse Oscar Álvarez, ex-oficial das forças especiais das Honduras. A administração Reagan lutou com todas as forças e métodos contra o regime dito "marxista" da Nicarágua e contra os rebeldes de esquerda em El Salvador, Guatemala e Honduras. Somente na Guatemala, 200.000 pessoas morreram na "Guerra Suja". Honduras foi usada por Washington como principal base para essa luta clandestina. Em 1981, Jack Binns, embaixador nas Honduras, foi substituído à pressa por Negroponte, depois de alertar o Departamento de Estado (estava doido concerteza) sobre a violência contra o país. Com essa mudança, a ajuda militar às Honduras saltou de 3,9 milhões, em 1980, para 77,4 milhões de dólares em 1984. Povoada por equipamentos e pessoal americanos, Honduras passou a ser chamada de "USS Honduras". Disse Negroponte: "Não acredito que foi um problema de política governamental ou de direitos humanos". E acrescenta: "Existia uma tendência positiva do país em direcção à democracia". O director da Human Rights Watch/Americas, José Miguel Vivanco, apelidou Negroponte de "o embaixador avestruz".


Otto Reich, outra figura importante na batalha contra os "comunistas" e, agora, contra "terroristas", é o enviado especial à América Latina. Reich trabalha directamente para a conselheira nacional de segurança, Condoleezza Rice. No final de 2002 assumiu essa nova tarefa, que não requer confirmação do Senado. Foi antes, de forma provisória, secretário assistente de Estado para Assuntos do Hemisfério Oeste. Pelo seu passado, não conseguiu o "sim" do Congresso para se manter no cargo. Também foi peça-chave no escândalo Irão-Contras. E escolhido pela CIA para dirigir o extinto Office of Public Diplomacy. Segundo investigações do próprio governo, o escritório de Reich "empenhou-se no planeamento de actividades de propaganda proibidas e secretas para influenciar os média e o público". Plantava notícias, criava inverdades, lançava desinformação e pressionava editores e directores da comunicação social em favor dos "contras". O objectivo era espalhar o medo sobre a Nicarágua e o seu governo de esquerda sandinista, influenciando o Congresso para manter o financiamento aos paramilitares.Os boatos do passado assemelharam-se muito às notícias divulgadas em relação ao Iraque. Na época, anos 80, o escritório de Reich promoveu a fábula de que a Nicarágua havia adquirido armas químicas de destruição em massa da União Soviética, e que jactos MIG soviéticos estavam a chegar à Nicarágua. Por causa disso, considerou-se a possibilidade de um ataque militar ao país de Sandino. Como a equipa não muda muito de Reagan e Bush-pai para cá, a política da desinformação mantém-se. E assim, quando o Pentágono afirmou que um de seus mísseis atingiu o local de encontro dos líderes da Al-Qaeda no Afeganistão, mas o que os habitantes locais juraram foi que as vítimas eram camponeses, quem estava a falar a verdade? E que as bombas eram ¿cirúrgicas¿ e não representavam perigo para nenhum dos 3, ou seriam 5, os milhões de habitantes de Bagdade?


Elliot Abrams, outro compadre do escândalo Irão-Contras presente no governo, é o actual. director do Conselho de Segurança Nacional. Abrams trabalhou como assistente do secretário de Estado, Ollie North, buscando fundos ilegais para os "contras". Em 1991, foi condenado depois de mentir ao Congresso americano a respeito do massacre, noticiado por jornais da época, na pequena aldeia salvadorenha El Mozote. Classificou a história de mentirosa, de propaganda comunista. Quando as Nações Unidas concluíram que 85 por cento das atrocidades na guerra civil de El Salvador foram cometidas por esquadrões assistidos pelo governo Reagan, Abrams respondeu: "O passado da administração em El Salvador é fabuloso". Mais tarde, Bush-pai concedeu-lhe o perdão.


Collin Powell, o general secretário de Estado, é adorado pelos média. "Pode Colin Powell salvar a América?", perguntava a Newsweek. E continuava: "A figura mais respeitada na vida pública americana". Até mesmo a Rolling Stone: Powell é "confiante", "cândido" e "um tónico ao espírito público". New York Times: "honesto, forte, inteligente, modesto e resoluto". Mas a sua história não é assim tão livre de controvérsia. A morte de civis durante a Guerra do Golfo e a invasão do Panamá são consideradas triunfos. O colunista do Washington Post Colman McCarthy quebrou o panegírico da imprensa: "Em nome da paz, matam-se mulheres e crianças que apareçam no caminho das políticas americanas...".Powell também sabia e esteve envolvido no escândalo Irão-Contras. Mais tarde reconheceu isso em testemunho por escrito ao Congresso. Lembrava, à dois anos atrás, David Corn, editor da revista The Nation, em Washington: "Eu descobri em primeira mão indícios de que Powell havia mentido numa tentativa de esconder o escândalo Irão-Contras". O general conseguiu de Bush-pai perdão para o seu antigo boss, o ex-secretário de Defesa Caspar Weinberger, acusado de obstruir investigações sobre o caso Irão-Contras. Com o perdão, Colin bloqueou qualquer tentativa de julgamento que pudesse ter consequências desagradáveis para ele e para o antigo chefe. Powell declarou: "Como conselheiro de segurança nacional para Ronald Reagan, trabalhei no duro, lutei muito para apoiar os "contras", os guerreiros da liberdade, que foram a resistência ao governo comunista de Ortega na Nicarágua". Mais, no início da carreira, ainda durante a Guerra do Vietname (embora não de forma explícita, o canal HISTÓRIA numa biografia sobre o general deixava no ar essa suspeita), o então major Colin Powell preferiu ignorar e encerrar denúncias de atrocidades e abusos contra civis vietnamitas ocorridos na vila de My Lai, em 1968. O caso ficou conhecido como "O Massacre de My Lai".


Donald Rumsfeld e Dick Cheney, secretário de Defesa e vice-presidente, respectivamente, parecem ainda mais o estilo cowboy. Rumsfeld vem da extrema direita. É intimamente ligado ao Centro para Política de Segurança, um pequeno grupo fundado por Frank Gaffneey, ex-oficial do Pentágono da Era Reagan que faz lobby por uma política armamentista, como o sistema de mísseis de defesa.Depois da eleição de Jimmy Carter em 1976, Rumsfeld passou pelo sector privado, onde enriqueceu. Tornou-se um CEO (chief executive officer) de sucesso em alta tecnologia e companhias farmacêuticas.


O vice-presidente Dick Cheney também enriqueceu quando no sector privado. Hoje é um milionário e influente homem do petróleo do Texas, tal como a família Bush. Foi secretário de Defesa de Bush-pai e designado vice-presidente das audiências no caso Irão-Contras. O homem é belicoso quando não se trata da própria pele. "Eu tinha outras prioridades, nos anos 60, do que o serviço militar"; "Polarização sempre traz resultados benéficos"; "Desnuclearização não é uma boa ideia".A linha ténue entre interesses privados e públicos é a marca de muitos na turma de Bush, principalmente nos sectores do petróleo e armas. Como secretário de Defesa de Bush-pai, Cheney redireccionou milhões de dólares em negócios governamentais para empresas privadas contratadas. Uma das que mais lucraram foi a Texas-based Brown & Root Services, especializada em logística militar. Depois da vitória de Bill Clinton, Cheney teve que deixar o governo. Mas não ficou muito tempo parado. Em 1995 tornou-se CEO da Halliburton Company, uma das maiores empresas de serviços em petróleo, proprietária da mesma Brown & Root Services. No meio as guerras, a companhia continuou e continua a fazer alguns dos mais lucrativos contratos com o Pentágono. Cheney tem vindo a ser acusado de usar contactos no governo para enriquecer. "Terão que questionar os interesses de Cheney, se a privatização tem realmente beneficiado o Departamento de Defesa ou as companhias privadas contratadas, como a Brown e Root", disse Tom Smith, director da ONG( sobre as ONGs já "demos" noutro "POST") Public Citizen, responsável na luta pela defesa do consumidor nos States. Na altura dos preparativos para a invasão, a revista do New York Times perguntou para o actor e activista ambiental Robert Redford: "Se Dick Cheney fosse um animal, qual seria?" Resposta: "Coiote". Desde que voltou, Cheney fez da luta pela protecção ao meio ambiente e da ecologia coisas completamente absurdas (diz-se que aquela de cortar as árvores também lhe pertence). Cheney não está sozinho.


Antes de assumir o posto de conselheira de Segurança Nacional, Condoleezza Rice foi directora por dez anos da Chevron Corporation, outra gigante do petróleo. E a ligação entre os dois... Uma dica: Cheney (diz-se) negociou o oleoduto para o transporte de petróleo bruto do mar Cáspio em nome da Chevron. O projecto estende-se do oeste do Kasaquistão ao mar Negro. E, agora, portas arrombadas, quem sabe se até ao Afeganistão.Se conseguirem resolver o imbróglio do Iraque, rices, dickes e bushes voltam o olhar para as outras reservas de petróleo do planeta... e elas estão logo ali ao lado.


*Convém dizer que Sérgio Kalili é jornalista, correspondente nos EUA de várias revistas brasileiras.


Atenção: os textos do Hugo continuam nos próximos "POSTs"



publicado por albardeiro às 19:39
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PENSAMENTO ÚNICO

Do Hugo Fernandez para o ALBARDEIRO


Parte I


Todo o terrorismo, isto é, a morte indiscriminada de pessoas inocentes, é obviamente inaceitável. Nunca actos de tal natureza se podem justificar, sejam quais forem as razões invocadas. Ninguém de bom senso tem, portanto, dúvidas quanto à necessidade de um combate eficaz a este problema. Sendo inaceitável, o terrorismo não é, no entanto, inexplicável. Trata-se, de facto, da manifestação final e dramática de um longo e complexo processo degenerativo da própria realidade, um sintoma agudo de uma doença crónica. E é na avaliação desta situação e no tipo de actuação a empreender que as divergências são notórias e têm que ser legitimamente esgrimidas.


Este fenómeno pode ter as suas raízes num desvio de personalidade e em comportamentos individuais, como os que assistimos no caso dos psicopatas perigosos e dos serial killers. Mas o terrorismo pode ser sobretudo uma doença social, que os fanatismos e fundamentalismos ajudam a alimentar. Esta segunda situação, bem mais grave do que a primeira, merece-nos muito mais cuidado e reflexão. Enquanto no primeiro caso, os terroristas agem isoladamente ou com escassos cúmplices, exigindo, após a sua detenção, sobretudo um adequado tratamento médico, no segundo caso, o fenómeno é muito mais complexo e abrangente. É que os terroristas não agem sozinhos, nem são elementos isolados. Há um meio social mais ou menos extenso onde aqueles são recrutados e uma rede que os sustenta e apoia. Ora, são precisamente as causas da disfuncionalidade das vivências das populações que constituem essa rede que, a nosso ver, têm que ser analisadas e, na medida do possível, solucionadas.


É essa desregulação que advém do agravamento das situações e do arrastamento dos conflitos, muitas vezes ao longo de décadas, é o ódio latente ou declarado que inevitavelmente produz – com o consequente radicalizar de posições – que tem que constituir a principal preocupação no domínio da prevenção deste terrível flagelo. Muito para além, portanto, da simples acção policial, ainda que esta seja legítima e constitua um instrumento imprescindível para garantir a segurança dos cidadãos.


Assim, esse conhecimento e essa actuação terão que ser eminentemente políticas. E é a este nível, o da discussão franca e plural dos diversos modelos de organização da nossa vida colectiva e do relacionamento entre as sociedades, que as questões verdadeiramente se têm que colocar.


CONTINUA



publicado por albardeiro às 18:46
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Segunda-feira, 28 de Junho de 2004
TOLOS

SOBRE o que ando a ler e a OUVIR... será verdade?!


O acto de ouvir exige humildade de quem ouve. E a humildade está nisso: saber, não com o coração mas com a cabeça, que é possível que o outro veja mundos que nós não vemos. Mas isso, admitir que o outro vê coisas que nós não vemos, implica em reconhecer que nós somos meio cegos... Vemos pouco, vemos torto, vemos errado. Bernardo Soares diz que aquilo que vemos é aquilo que somos. Assim, para sair do círculo fechado de nós mesmos, em que só vemos o nosso próprio rosto reflectido nas coisas, é preciso que nos coloquemos fora de nós mesmos. Não somos o umbigo do mundo. E isso é muito difícil: reconhecer que não somos o umbigo do mundo! Para se ouvir de verdade, isto é, para nos colocarmos dentro do mundo do outro, é preciso colocar entre parêntesis, ainda que provisoriamente, as nossas opiniões. AS Minhas opiniões! É claro que eu acredito que as minhas opiniões são a expressão da verdade. Se eu não acreditasse na verdade daquilo que penso eu trocaria os meus pensamentos por outros. E se falo é para fazer com que aquele que me ouve acredite em mim, troque os seus pensamentos pelos meus. É norma de boa educação ficar em silêncio enquanto o outro fala. Mas esse silêncio não é verdadeiro. É apenas um tempo de espera: estou esperando que ele termine de falar para que eu, então, diga a verdade. A prova disto está no seguinte: se levo a sério o que o outro está dizendo, que é diferente do que penso, depois de terminada a sua fala eu ficaria em silêncio, para ruminar, ruminar... aquilo que ele disse, que me é estranho...será!. Mas isso jamais acontece. A resposta vem sempre rápida e imediata. A resposta rápida quer dizer: “Não preciso ouvi-lo. Basta que eu me ouça a mim mesmo. Não vou perder tempo ruminando o que disse. Aquilo que você disse não é o que eu diria, portanto está errado...”


Se calhar, digo se calhar,  isto vem a propósito do que as “centrais de informação/propaganda políticas” andam à três dias a dizer e a contradizer. E eles a pensarem que o entretenimento e a inebriamento do futebol tudo levava e sorrateiramente acordávamos com a maior manigância política à nossa cabeceira. E o que resta... não conta: as pessoas, as opiniões, a ética, a democracia (!)... . Calhando, tudo isto não passa de... calhando!



publicado por albardeiro às 19:38
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Sexta-feira, 25 de Junho de 2004
Insisto... e insisto!

Esta mania de atormentar...


Toreros ilustres y toros bravos. Inglaterra y Portugal se marcaron una faena digna para enmarcar. El público sacó los pañuelos blancos en más de dos horas de emoción incontenible y pidió las dos orejas y el rabo, que finalmente fue para los anfitriones. Los ingleses recibieron al toro a porta gayola, pero luego se achicaron ante la furia portuguesa. Al final, larga faena, con muletazos que pusieron en pie al público, con Scolari dando la vuelta al ruedo y Ricardo, que era el sobrero de la tarde, saliendo a hombros por la puerta grande. ¡Ole y ole!



publicado por albardeiro às 17:15
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Quarta-feira, 23 de Junho de 2004
ALENTEJO

 GEOGRAFIA E HISTÓRIA


Parte III


Na primeira metade do século passado, a imagem (mito) do Alentejo como celeiro do país consolida-se, justificando o crescimento populacional e o progressivo avanço dos campos cultivados sobre a charneca. Inspirado noutros exemplos europeus (caso de Itália), o Estado Novo retomará o mesmo rumo, lançando a partir de 1929, a Campanha do Trigo.


Embora breve – em 1937 o esforço está já terminado, sucumbindo às dificuldades de colocação externa do produto e ao rápido esgotamento dos solos mais pobres -, a Campanha do Trigo resultará num aumento ainda mais significativo das áreas cultivadas, ao mesmo tempo que revela a prazo, os limites (esgotamento) da imagem da superabundância que servia secularmente para caracterizar a região.


Invadidos pelo trigo, as regiões de solos delgados e xistosos depressa mostraram que a sua vocação não era cerealífera (vejam-se as terras da “região” campaniça). À Campanha do Trigo sucedeu, nos anos 60, outra tentativa política para, de novo, salvar, de fora, o Alentejo. Pretendia-se, como antes, reforçar a sua produção agrícola. Desta vez já não se tratava de estender a cultura tradicional do trigo, mas de substituir a cultura extensiva de sequeiro pela intensiva de regadio, ou seja, de implantar no Alentejo formas de produção que lhe eram quase completamente alheias (digo alheias, porque não houve desgraçadamente qualquer plano de formação ou de ajudas/financiamentos). Não através de obras pequenas, ao alcance de todos os agricultores, mas através de grandes empreendimentos financiados e executados pelos organismos estatais, o que implicava a sua utilização sobretudo por grandes empresas e escassas cooperativas.


Contudo, as barragens destinadas a regar os vales largos que enquadravam o Alentejo a norte e a nordeste, o Sorraia e o Baixo Sado, deram resultados apreciáveis, mas não se podia dizer o mesmo das que se construíram no Baixo-Alentejo, no Roxo, no Alto Sado e no Mira. A Revolução Regional com que os seus promotores sonharam não se deu. E que dizer da grande “miragem” do Alqueva, sempre adiada {os primeiros planos de construção de uma grande barragem no Guadiana, datam do último quartel do século XIX; veja-se O Projecto de Fomento Rural, apresentado ao Parlamento, por Oliveira Martins, em 1887, ou ainda, os textos desse grande reformista (esquecido pela historiografia) que foi Ezequiel de Campos}, mas nunca (definitivamente) esquecida e finalmente construída. Qual será o destino da água que se imagina poder armazenar nos anos mais chuvosos? Pensou-se primeiro que iria alimentar as indústrias de Sines. Gorado o projecto, atribuiu-se-lhe o destino de regar, a grandes custos, os campos que dominam o Médio vale do Guadiana. Não se disse a que preço, com que mão-de-obra, nem para que mercado. Chegou-se a projectar resolver com a água do Alqueva a penúria do Algarve turístico e hortícola. Talvez acabe por irregar os morangos e laranjais de Lepe e Huelva.


Uma vez mais o Alentejo (será) seria o fornecedor explorado e não o beneficiário. O fim da Campanha do Trigo e as tentativas de regadio foram, aliás, suficientes para desmentir a vocação essencialmente cerealífera da economia Alentejana, mantida pelo Estado Novo e, até depois do 25 de Abril, tentada de certa forma, pela Reforma Agrária. Tivemos que esperar pela integração no espaço económico comunitário para se assistir à crise/falência total e aberta do sistema. Que Futuro?


CONTINUA...



publicado por albardeiro às 23:39
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Terça-feira, 22 de Junho de 2004
Insisto! (Enquanto o Alentejo espera...)

Conho, parem de se atormentarem!


El fútbol a veces obra milagros. Diez millones de portugueses se acostaban hace diez días sumidos en la más absoluta desesperanza, cuando su selección nacional perdía en Oporto ante la de Grecia. Hoy, en nuestro vecino país se vive un clima de euforia como no se vivía desde 1385, cuando las tropas del infante Don Juan y de Nuno Alvares Pereira derrotaron en la batalla de Aljubarrota a las tropas castellanas de Juan I y consiguieron la independencia. La alegría de los lusos siempre ha estado relacionada con nuestra desgracia. Cosas de la Historia. Y el fútbol no podía ser una excepción. Portugal se veía eliminada y ahora se ve campeona de Europa gracias a España. Bueno, gracias a España y a que Luiz Felipe Scolari, olvidándose de su condición de gaucho tozudo, dio su brazo a torcer y realizó en el equipo los cambios que todo el mundo reclamaba.


Quase (digo quase) que prometo não fazer mais maldades...



publicado por albardeiro às 10:29
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Insisto...! (Enquanto o Alentejo espera...)

É caso para dizer: "Conho, deixem de se atormentar..."


El fútbol a veces obra milagros. Diez millones de portugueses se acostaban hace diez días sumidos en la más absoluta desesperanza, cuando su selección nacional perdía en Oporto ante la de Grecia. Hoy, en nuestro vecino país se vive un clima de euforia como no se vivía desde 1385, cuando las tropas del infante Don Juan y de Nuno Alvares Pereira derrotaron en la batalla de Aljubarrota a las tropas castellanas de Juan I y consiguieron la independencia. La alegría de los lusos siempre ha estado relacionada con nuestra desgracia. Cosas de la Historia. Y el fútbol no podía ser una excepción. Portugal se veía eliminada y ahora se ve campeona de Europa gracias a España. Bueno, gracias a España y a que Luiz Felipe Scolari, olvidándose de su condición de gaucho tozudo, dio su brazo a torcer y realizó en el equipo los cambios que todo el mundo reclamaba.


Eu quase que prometo que não faço mais maldades!



publicado por albardeiro às 10:24
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Segunda-feira, 21 de Junho de 2004
Intervalo... não resisto!

O que dizia a imprensa de nuestros hermanos: (aqui para nós, merecem uma velhacaria... “com o mal dos outros...”)


DECEPCIÓN CRÓNICA


No, esta vez no perdimos como siempre. Esta vez fue muchísimo peor, porque no hubo gloria alguna, ni siquiera dignidad, nada a lo que agarrarse, ni al buen juego, ni a la mala suerte, ni al árbitro, no hubo héroes, esta vez merecimos todo lo que nos ocurrió, en esta ocasión no hay más miseria que la nuestra, el equipo de fútbol de España no está a la altura de España, de los que lloran ahora, fuego a todo, al entrenador renovado y al capitán intocable.


Algo debe cambiar y quizá para siempre. Ya suena a burla esa Selección que mandamos cada dos años a atragantarse con un hueso de aceituna, ya cansan esos jugadores a los que tratamos como dioses en hoteles de cinco estrellas, esas durísimas concentraciones en chanclas o las fotos de los muchachos abrazaditos y partiéndose de risa, el buen rollo, decimos. Pues que haya mal rollo entonces, porque si no son capaces de compartir la ilusión quizá debieran compartir el sufrimiento.


Alguien tiene que pagar esta desilusión crónica, debe existir alguna ventanilla para que reclame el tipo que se compró la camiseta y ahora se siente como un imbécil, para el que pagó la merienda en casa, para el que se compró la televisión, el DVD y la tostadora, para el que discutió con la novia, para el que se la llevó a Lisboa y no llegará a julio, el pobre. Si el cliente siempre tiene razón aquí hay 40 millones de clientes descontentos, no puede ser que siempre gane El Corte Inglés.


Lo sé, en ocasiones así el discurso siempre queda demagógico, es injusto buscar un solo culpable dirán algunos, qué responsabilidad tiene el entrenador si los futbolistas no han estado a la altura de las circunstancias. Pero no me vale eso, entonces que no haya entrenador, o que no cobre. El fútbol ofrece un premio tan grande a los que viven de él que ha de tener un castigo correspondiente. Por eso tampoco es ventajista recordar en estos momentos esa vida de brillantina de los futbolistas, que les exige casi nada por deprimirnos en masa, por este genocidio emocional, estoy mal señores.


Cuando el árbitro pitó el final, nos dimos cuenta de que también había árbitro. Y eso que estábamos preparados para descuartizarle a la mínima, listos para decir que era el miembro sueco de Village People y que Frisk, su apellido, significa fresco, lo que es cierto en su cuarta acepción. Nada. España se vuelve. Hay un refrán portugués que recomienda no malgastar la vida intentando enderezar la sombra de un bastón torcido. Quizá hasta lo dijo Queiroz. No sé, yo me rindo. Ahora soy checo. Hasta el Mundial, claro.


Mais um OLÉ!


Nos volvemos con dos goles marcados en tres partidos. Y eso en un grupo que, aparte de contener al anfitrión, no tenía nada de especial. Hemos hecho una mala Eurocopa. Quizá nos engañamos y nos creemos que tenemos más de lo que tenemos. Viendo anoche a Portugal pienso que jugadores como Figo, Cristiano Ronaldo o Deco no los hay aquí. Y tampoco en el grupo se vio, salvo al muy al final, y obligados por la necesidad, el espíritu que sí tuvo Portugal, que salió a ganar, que nos acobardó, que nos borró del partido en la primera parte. Ganó porque lo deseó con ansia y porque lo mereció. El fútbol suele premiar esas cosas.


Outro ainda...


En el nuevo Real Madrid, Helguera jugará en el centro del campo. Lo ha decidido Camacho, pero mucho antes de esta Eurocopa. Entre Portugal y España hay una gran diferencia: los centrales. Con Andrade y Carvalho se puede ir al fin del mundo. Con los nuestros, un poco más cerca.


E... outro!


El Fary y Camilo. Total, que el 20 de junio lisboeta es ya inolvidable por todo. Empezó bullanguero a dos bandas y acabó con el fado llenando las calles y plazas de la bella capital portuguesa. Los nuestros sorprendieron con gritos de apoyo a El Fary y Camilo Sesto. Y ¡Obregón, Obregón! en honor a Suker cuando se encontraron con un grupo de croatas: unos cachondos mentales. En el campo, el ¡a por ellos, oé! sacó de quicio a los portugueses, que de ésta igual acaban campeones


Não se atormentem... fica para a próxima!



publicado por albardeiro às 14:23
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Domingo, 20 de Junho de 2004
Alentejo e Alentejano

II PARTE


No pólo oposto, protótipos da cidadania alentejana, elevada às alturas de respeitabilidade cívica, erguem-se o Condestável e os homens da sua hoste que alevantaram contra os Castelhanos, em Atoleiros, Aljubarrota e Valverde, a muralha das lanças e das almas indomáveis (hoje, vamos a eles outra vez...!).


Mas, com frequência, estes dois tipos coexistem, em proporções diversas, no mesmo ser. E essa fusão de contrastes que dá ao alentejano o seu carácter complexo e rico até à impressão de antinomia viva. Na história, o que caracteriza o alentejano é a inquietação, a fome de espaço e, mais do que isso, aquilo a que o Ratzel chamou o sentido do espaço e dos seus valores, que nas grandes individualidades pode fundir um supermaltês com um superpastor, aliando às capacidades de orientação, tão agudas nos nómades, as qualidades de mando de quem vê do alto da consciência superior os restantes humanos.


Por paradoxal que pareça, talvez na história do Brasil se possa, de preferência, medir esse valor do alentejano. Tomemos por exemplo três tipos correspondentes a três séculos: Marfim Afonso de Sousa, natural de Vila Viçosa que por lá andou durante os anos de 1531 a 1533; António Raposo Tavares, de Beja que aí viveu desde 1624 a 1659; e D. António Rolim de Moura Tavares, natural de Moura, que exerceu funções de governo no Brasil desde 1751 a 1770.


Todos eles, para o feliz desempenho das missões que lhe foram confiadas, necessitavam, em alto grau, do sentido do espaço aliado à consciência do seu valor na formação territorial do Estado. Ao primeiro, coube desviar para leste, contra a letra expressa do Tratado de Tordesilhas, o meridiano de demarcação e dar uma capital geográfica ao Brasil, tarefa de conjunto que visava criar um estado orgânico e viável. Por seu mandado, Pêro Lopes de Sousa plantou padrões reais na foz do Paraná e Diogo Leite no delta amazónico; e ele próprio fundou Piratininga, gérmen urbano de São Paulo, cujos bandeirantes realizaram e ampliaram aquele Brasil ultra-tordesilhano.


A Raposo Tavares pertenceu bem mais árdua missão: expulsar os jesuítas espanhóis dos territórios hoje pertencentes aos Estados do Paraná, Rio Grande do Sul e Mato Grosso, e verificar quais os possíveis e mais amplos limites com a América Espanhola, o que levou a cabo com uma das maiores explorações de todos os tempos - a bandeira que, sob o seu mando partiu em 1648 de São Paulo, para se internar até aos Andes e cortar de Sul a Norte a actual Bolívia, baixando o Guapai-Mamoré-Madeira, afluente do Amazonas, a cujo delta chegou passados três anos, em 1651, depois de percorrer cerca de 10 000 quilómetros no interior do continente.


Finalmente, a D. António Rolim de Moura, primeiro governador de Mato Grosso, incumbiu a função de consolidar a fronteira ocidental do Brasil, resultante do Tratado de Madrid, para o que teve de povoá-la, fortificá-la e defendê-la, de armas nas mãos, contra os assaltos dos espanhóis. Homem de Estado e de ciência, foi o primeiro que traçou, com o rigor científico possível no seu tempo, o mapa da célebre estrada fluvial das monções, que desde São Paulo levavam aos limites com a Bolívia. Dir-nos-ão os cultos e agudos leitores que a visão geopolítica e o poder do mando, aliados ao zelo de servir o Estado, foram comuns a outros portugueses não alentejanos como Afonso de Albuquerque.


É certo, a prática secular das navegações oceânicas deu a muitos portugueses em alto grau, o sentido ratzeliano do espaço. Mas no caso do alentejano esse super-sentido era produto duma formação cultural congénita e ecológica. Vinha-lhe das raízes afundadas na terra. E convencemo-nos de que não é por mero acaso que Martim Afonso, Raposo Tavares e Rolim de Moura estão intimamente ligados à história homérica da formação territorial da Nação Continente.


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Sexta-feira, 18 de Junho de 2004
Alentejo e Alentejano

Sobre o Alentejo... património, antropologia, história e...; eu diria... também nostalgia!


PARTE I


A palavra Alentejo, a substância e o sentido expressivo, concentram-se nas primeiras sílabas:—Além. No que diz distância e imensidade. No que transporta o ser para a ilimitação dos horizontes. E, em boa verdade, dividi-lo em Alto, Médio e Baixo, ofende-lhe a grandeza. É mais um desses pretensiosos abusos e faltas de respeito com que a nefasta espécie dos burocratas pretende diminuir com as suas ridículas etiquetas a majestosa Natureza.


Alentejo e alentejano são duas unidades maciças, para não dizer uma única, tão estreitamente fundidas se apresentam. Esta terra tinha que dar aquele homem, e aquele homem tinha que nascer nesta terra. Separá-los é esvaziá-los de sentido. Aqui o espaço raso e a perder de vista, mercê da exiguidade do relevo e da secura do clima, a intérmina planície balizada por escassos acidentes, supera de longe os demais caracteres geográficos.


Já passou meio século que o etnólogo Jorge Dias, numa comunicação que apresentou ao II Colóquio Internacional de Estudos Luso-Brasileiros, reunido em São Paulo em Setembro de 1954, e a que deu o título de «Algumas considerações acerca da estrutura social do povo português», propôs como objecto de exame as relações culturais entre o Alentejo e o Brasil, na base da coexistência em ambos da instituição social do compadrio, com caracteres e desenvolvimento excepcionais.


 Convimos — e lá iremos um dia — em que esse seja um tema a explorar de antropologia cultural e sociológica, cujas conclusões interessam conjuntamente a brasileiros e a portugueses. Mas, ao que nos convencemos, na raiz desses fenómenos estão os caracteres básicos da geografia física respectiva.


Do ponto de vista histórico e antropológico, na formação do homem, o Alentejo imprimiu ao alentejano duas tendências opostas ou, quando menos, que estão no extremo duma escala e explicam a complexidade da sua psique. A escassez de relevo e a secura do clima geraram, ao longo dos tempos, a charneca, os grandes espaços ermos, a agricultura de afolhamento, a rarefacção dos habitantes e a sua concentração em agregados urbanos. Predomina, ainda, a grande propriedade; e dezenas de léguas separam às vezes as vilas e as cidades, ligadas umas às outras por estradas, outrora carreteiras, que, por vezes, são rectas infindáveis e monótonas. De longe em longe onde se viam pastores e rebanhos grises estreitamente fundidos com a terra, vêem-se vinhedos, quando não eucaliptos – ironia do...


Contudo, abibes, abetardas e cegonhas ainda rasam, com voos baixos, a planície; e um cheiro acre e penetrante vem das estevas resinosas e bravias que cobrem a charneca de tufos dum verde escuro luzidio e de corolas brancas e singelas pintalgadas de sangue.


Com raízes neste solo e naquele povoamento, rarefeito e concentrado, o alentejano oscila entre o semi-nómada, sem laços que o prendam ao agregado social, beduíno errante, individualista até ao nihilismo, e o cidadão, capaz de erguer-se à mais aguda e isenta consciência das necessidades nacionais. A madre do cidadão é a cidade. Nela se respira o ar da vida colectiva, oxigenado pela densidade do convívio e a livre crítica, que valem por um plebiscito permanente. E as cidades e vilas alentejanas, tipo do aglo- merado dominante no Alentejo, criaram essa espécie de cidadania intensa.


 Como se sabe, o tipo mais acabado do semi-nómada alentejano era o maltês, que errava de monte em monte, pedindo esmola, ou melhor, exigindo subsistência, rude e intonso, coberto de remendos e lama, como veneras, tão acremente pintado por Fialho. Num plano menos perfeito mas etnicamente superior, estavam os pastores, com tão pitoresco vestuário, com a samarra, o pelico e os safões, de porte altivo, sobrecenho severo e carregado, e empunhando o cajado — que digo eu? — o ceptro, insígnia da sua majestade de soberano errante, da charneca e dos rebanhos. Vinham depois os arrieiros, que transportavam de feira em feira, de lonjura em lonjura, as recuas de mulas, envoltos através da planície, num rolo de poeira dourada pelo sol. Embora existissem até aos meados do século passado, estes tipos humanos eram mais vincados há dois, três e quatro séculos.


Continua



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