Albardas e Alforges... nunca vi nada assim! Minto... já vi!
Terça-feira, 18 de Outubro de 2005
PAI TIRANO II

PARTE II (continuação do "post" anterior)


A definição que a ciência política normalmente dá acerca deste fenómeno é a de que o paternalismo é a tendência para exercer o poder político, solucionando os problemas individuais e sociais através de métodos meramente administrativos ou de carácter burocrático, que alienam o indivíduo da sua cidadania e do sistema político em geral. O paternalismo tende, por isso, a ser casuístico na resolução dos problemas e discricionário nos favores e benesses distribuídos. As situações são tratadas individualmente e os problemas resolvidos de forma pontual. Assim sendo, a participação popular é afastada – quer-se antes a passividade das populações – e uma política simultaneamente autoritária e benévola, análoga à atitude parental para com os filhos “menores”, passa a ser a regra da actuação política. Esta atitude de carácter assistencial, exercida exclusivamente desde o alto e sem interferências populares, usando métodos administrativos, esvazia o significado da cidadania e mina o funcionamento da democracia.


Apesar de eleitos, estes dirigentes subvertem a representação política, pelo aniquilamento da participação cidadã, confinada que está a actos particulares de agradecimento pelas graças concedidas. O amiguismo e o compadrio são métodos recorrentes de acção. Toda a oposição é silenciada e ostracizada. Os governantes governam segundo a sua exclusiva vontade e não segundo os desejos mais profundos das populações. Podendo coincidir, segundo o seu arbítrio, com alguns destes desejos, reforçam incontestavelmente a sua posição e potenciam o seu domínio. O governo paternal confunde-se, por isso, com o governo despótico ou absoluto – reminiscência de um passado longínquo que julgávamos já ultrapassado. Este imperium paternale – como lhe chamava Kant – infantiliza os cidadãos, torna os indivíduos incapazes de um querer autónomo, esvaziando a democracia e tolhendo a liberdade.


Ora, o paternalismo só pode existir numa sociedade atomizada, onde um individualismo extremo, longe de alargar o campo de actuação de cada um, tolhe os seus movimentos no círculo restrito da dimensão familiar e dos interesses domésticos. Falhos de preocupações sociais e da necessidade de uma intervenção cívica alargada, os indivíduos definham no seu isolamento, incapazes de alcançar o significado democrático da vida em comunidade. As questões de carácter mais geral e de interesse colectivo – afinal, aquilo que significa a própria Política – perdem-se numa escala microscópica ou paroquial. Aproveitam-se disso, naturalmente, todos aqueles que beneficiam com esse estado de coisas, seguindo os ditames da ordem neo-liberal.


De facto, o que o neo-liberalismo e a teocracia do mercado pretendem é a desregulação das sociedades e solidariedades tradicionais, a “falência” das ideologias, a proclamação da relatividade ética e moral – de que o “anything goes” do tão propalado pensamento pós-moderno é uma inequívoca manifestação – e a redução dos cidadãos à anomia social. Com que objectivos? Atomizar os indivíduos, remetidos à mera condição de consumidores acéfalos, para que uma máquina de consumo desenfreado possa ditar a sua lógica e para que a perpetuação e aprofundamento das desigualdades sociais e do domínio incontestado de alguns possa prevalecer.


O diagnóstico feito por um grupo de cidadãos anónimos de Amarante, numa revista sarcástica que editaram para estas eleições, insurgindo-se contra a “anarquia, a demagogia e a opressão” protagonizadas pela candidatura do inefável Avelino Ferreira Torres, é certeiro: “Às vezes, ponho-me a pensar: se a gente deita o lixo nas praias, cospe para o chão, insulta a mulher, dá porrada nos filhos, foge ao fisco… por que raio não havíamos de votar no Avelino?!” Felizmente não votaram! Mas os problemas estruturais de desenvolvimento, quer económicos e sociais, quer culturais, e o enorme deficit de cidadania que aqui se denunciam, obrigam-nos a um outro tipo de interrogações que não podem quedar-se pela alegada "má" qualidade do povo. É uma visão demasiado parcial do problema. O modelo de sociedade seguido e a aquiescência dos nossos governantes são factores essenciais a ter em conta.


Antes de julgar apressadamente as populações, devemos, isso sim, começar a exigir aos responsáveis políticos que respondam a uma série de perguntas fundamentais para o nosso devir colectivo. Qual o modelo de sociedade que o nosso país deve adoptar? Que estratégias de desenvolvimento devemos escolher? Qual o papel das autarquias no conjunto nacional? A “qualidade do povo” é, precisamente, condicionada pelas opções que se fizerem.


O exemplo da Madeira é paradigmático. Aqui, perante a escala e características do poder de que usufrui Alberto João Jardim, dificilmente podemos sequer falar em regime democrático. Neste caso, como em muitos outros, a complacência das nossas elites e governantes é verdadeiramente inadmissível. São eles que são os “indigentes”. É a eles que cabe a maior quota-parte de responsabilidade na perpetuação de uma situação intolerável. Há muito que este ditador insular devia ter sido afastado do exercício de cargos públicos da democracia portuguesa. Até por uma questão de decoro. Por tudo isto, pensamos que é sobretudo a atitude autista e sobranceira dos nossos governantes que faz com que o nosso país seja, como disse Fernando Sobral no Jornal de Negócios (27/9/05), “um donut fora de prazo.”



publicado por albardeiro às 22:46
link do post | comentar | favorito

pesquisar
 
Março 2023
Dom
Seg
Ter
Qua
Qui
Sex
Sab

1
2
3
4

5
6
7
8
9
10

12
13
14
15
16
17
18

20
21
22
23
24
25

26
27
28
29
30
31


posts recentes

Uma homenagem a Rui Nabei...

FORTUNAS

Problemas de interpretaçã...

A autonomia das Universid...

CARTA ABERTA (sobre a Edu...

A FÓRMULA

UNIVERSAL

PERIGO

A RELAÇÃO

RECONHECIMENTO

arquivos

Março 2023

Fevereiro 2023

Dezembro 2022

Novembro 2022

Outubro 2022

Setembro 2022

Junho 2022

Maio 2022

Abril 2022

Março 2022

Janeiro 2022

Dezembro 2021

Novembro 2021

Outubro 2021

Agosto 2021

Julho 2021

Junho 2021

Abril 2021

Março 2021

Fevereiro 2021

Janeiro 2021

Dezembro 2020

Outubro 2020

Julho 2020

Junho 2020

Abril 2020

Fevereiro 2020

Janeiro 2020

Novembro 2019

Outubro 2019

Setembro 2019

Junho 2019

Maio 2019

Abril 2019

Março 2019

Janeiro 2019

Novembro 2018

Setembro 2018

Julho 2018

Maio 2018

Abril 2018

Fevereiro 2018

Janeiro 2018

Dezembro 2017

Novembro 2017

Outubro 2017

Setembro 2017

Julho 2017

Junho 2017

Maio 2017

Abril 2017

Março 2017

Fevereiro 2017

Janeiro 2017

Dezembro 2016

Novembro 2016

Outubro 2016

Setembro 2016

Agosto 2016

Julho 2016

Junho 2016

Maio 2016

Abril 2016

Março 2016

Janeiro 2016

Novembro 2015

Outubro 2015

Setembro 2015

Agosto 2015

Julho 2015

Maio 2015

Abril 2015

Março 2015

Fevereiro 2015

Janeiro 2015

Dezembro 2014

Outubro 2014

Setembro 2014

Agosto 2014

Julho 2014

Maio 2014

Abril 2014

Março 2014

Fevereiro 2014

Janeiro 2014

Dezembro 2013

Novembro 2013

Outubro 2013

Setembro 2013

Agosto 2013

Julho 2013

Junho 2013

Maio 2013

Abril 2013

Março 2013

Fevereiro 2013

Janeiro 2013

Dezembro 2012

Novembro 2012

Outubro 2012

Setembro 2012

Julho 2012

Junho 2012

Maio 2012

Abril 2012

Março 2012

Fevereiro 2012

Janeiro 2012

Dezembro 2011

Novembro 2011

Outubro 2011

Setembro 2011

Agosto 2011

Julho 2011

Junho 2011

Maio 2011

Abril 2011

Março 2011

Fevereiro 2011

Janeiro 2011

Dezembro 2010

Novembro 2010

Outubro 2010

Setembro 2010

Agosto 2010

Julho 2010

Junho 2010

Abril 2010

Fevereiro 2010

Janeiro 2010

Dezembro 2009

Novembro 2009

Setembro 2009

Agosto 2009

Julho 2009

Junho 2009

Março 2009

Fevereiro 2009

Janeiro 2009

Dezembro 2008

Novembro 2008

Setembro 2008

Julho 2008

Junho 2008

Abril 2008

Março 2008

Fevereiro 2008

Janeiro 2008

Julho 2007

Junho 2007

Maio 2007

Abril 2007

Fevereiro 2007

Janeiro 2007

Novembro 2006

Outubro 2006

Setembro 2006

Agosto 2006

Julho 2006

Junho 2006

Maio 2006

Abril 2006

Março 2006

Fevereiro 2006

Janeiro 2006

Dezembro 2005

Novembro 2005

Outubro 2005

Setembro 2005

Julho 2005

Junho 2005

Maio 2005

Abril 2005

Março 2005

Fevereiro 2005

Janeiro 2005

Dezembro 2004

Novembro 2004

Outubro 2004

Setembro 2004

Agosto 2004

Julho 2004

Junho 2004

Maio 2004

Abril 2004

Março 2004

blogs SAPO
subscrever feeds
Em destaque no SAPO Blogs
pub