O panfleto da FNE (Federação Nacional dos Sindicatos da Educação) prometia luta. Era mesmo taxativo: “18 de Novembro 2005. Protesto! Todos juntos vamos encerrar as escolas. (...) Exigimos negociação!” Chegava a ser inspirado: “Ministra da Educação quer transformar professores por vocação em professores por obrigação.”
Bem dito! Para além da justeza e pertinência destas afirmações, havia a extraordinária expectativa de, pela primeira vez desde o 25 de Abril, todas as organizações sindicais dos professores se mostrarem igualmente determinadas e dispostas a encetar acções conjuntas para atalhar a degradação acentuada da qualidade de ensino em Portugal e contrariar a irresponsabilidade e atabalhoamento das recentes medidas tomadas pela tutela. Parecia que a dignidade da profissão docente ia ser reafirmada, alto e bom som, por uma classe que se mostrava finalmente unida. Que as restrições orçamentais cegas e a lógica puramente economicista, que persiste no desinvestimento na educação e no desprezo pelos direitos dos seus profissionais, iam ser denunciadas com vigor e determinação. Parecia que as insinuações torpes e as calúnias soezes, numa campanha sem precedentes para denegrir a imagem da classe docente, iam ter uma resposta à altura.
Porque os professores são trabalhadores altamente qualificados e especializados e não “pau para toda a obra”. Porque a função dos professores é ensinar e não ocupar ou entreter. Porque os professores são pedagogos e não se podem transformar em “pedabobos”, como alertava, há uns anos, José Mattoso. As aulas transformadas em “atirei o pau ao gato-to...”, o exemplo caricatural que este eminente historiador apresentou, não estão hoje, afinal, tão longe da realidade. É que, ao contrário do que diz a ministra, dar aulas não é “dizer umas graças” [sic] . Não se pode fingir que se ensina, nem as escolas servir para ocupação de tempos livres. As escolas não são armazéns para guardar crianças e sossegar a consciência de pais indisponÃveis.
É preciso perceber que grande parte do trabalho dos professores é despendida na preparação das aulas, no acompanhamento dos alunos e avaliação do seu desempenho. Para que isso se faça de forma adequada é preciso tempo. E esse tempo não é passÃvel de contabilização administrativa. Aliás, se o fosse, constatar-se-ia que num grande número de casos, seria claramente superior aos horários de trabalho socialmente estabelecidos. As excepções – que as há – não fazem mais que confirmar uma tendência generalizada. Não é a presença compulsiva dos docentes na escola em horários dilatados que aumenta a qualidade de ensino. Pelo contrário. O trabalho de planificação, preparação de estratégias e materiais, bem como de avaliação, são essenciais para um ensino a sério. Para isso, os professores necessitam de ter espaços apropriados, devidamente apetrechados. Espaços que poucas ou nenhumas escolas possuem. E, embora o Ministério da Educação saiba perfeitamente desta falta de condições de trabalho, obriga os docentes a permanecer nas escolas muito mais horas do que seria desejável. Esta funcionalização dos docentes, longe de resultar num acréscimo de eficácia pedagógica, significará uma inevitável diminuição da qualidade do seu trabalho e traduzir-se-á em prejuÃzo directo dos alunos.
Avalie-se o trabalho dos docentes pela qualidade do ensino ministrado e não por um critério meramente quantitativo do número de horas que passam na escola. Num momento em que tanto se fala da necessidade de aumentar a produtividade, esses critérios contabilÃsticos são totalmente desajustados. A jornada de luta do dia 18 era, por tudo o que estava em causa, sumamente importante. Os professores unidos, irão dar uma resposta à altura. Ora acontece que nas vésperas desta greve, a FNE demarcou-se do protesto e assinou um acordo com o Ministério da Educação. A solidariedade com todas as outras organizações sindicais dos docentes havia sido quebrada. E porquê? Em troca de quê? Da inócua promessa do inÃcio das negociações para a revisão do Estatuto da Carreira Docente – negociações que, como se sabe, constituem um imperativo legal – da promessa de investimentos nas escolas “tendo em vista melhorar as condições de trabalho e de ensino” – o que julgávamos ser uma estrita obrigação do Ministério e uma matriz permanente da sua actuação – e da delirante autorização à s escolas para a instalação de “gabinetes de trabalho para os professores” – em que espaços? Para funcionarem quando?
Afinal ficamos a saber que, junto com o Ministério da Educação, a FNE pactua com o despropositado e improdutivo acréscimo do horário dos professores nas escolas, com a funcionalização da profissão docente, com a falta de condições de trabalho de alunos e professores, com a transformação das escolas em armazéns de crianças, com o improviso, falta de critério e planeamento da polÃtica educativa. Iludem-se as deficiências, desprezam-se as crÃticas, finge-se a existência de uma escola que é meramente virtual. Uma escola a fingir. Os pais menos conscientes aplaudirão as decisões do Ministério. Os outros não deixarão de repudiar esta mistificação. Preferirão uma escola onde o trabalho seja convenientemente preparado e onde alunos e professores se sintam motivados. Uma escola a sério. Por isso, chegamos a questionarmo-nos se esta ministra é realmente da Educação? E já agora, se os responsáveis da FNE são verdadeiramente Professores? A greve dos professores foi um êxito, com cerca de 80% de adesão.
Hugo Fernandez
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