Albardas e Alforges... nunca vi nada assim! Minto... já vi!
Sábado, 18 de Março de 2006
PRIORIDADES

O Irão alega que o seu programa nuclear será usado apenas para fins civis, embora poucos estejam convencidos disso. Israel usará certamente o seu arsenal nuclear secreto (de perto de 200 ogivas), em caso de ameaça. A França, por intermédio do presidente Jacques Chirac, já assegurou que utilizará o seu armamento atómico contra qualquer tentativa alheia de o fazer. Os E.U.A foram o único país do mundo que, até ao presente, fizeram uso efectivo das armas atómicas sobre as cidades japonesas de Hiroshima e Nagasaki, no final da II Guerra Mundial. Temos, então, o seguinte panorama: uma dúvida razoável, uma provável certeza, a afirmação de uma vontade e a garantia do acto consumado. Curiosamente, as desconfianças e a pressão internacional incidem precisamente naquele país que não pode sequer – pelo menos por enquanto – fabricar uma bomba atómica.


Esta escala de perigosidade nuclear não pode deixar de surpreender. Esquece-se, por exemplo, um país como Israel que, de há anos a esta parte, viola sistematicamente todas as regras do direito e rejeita todas as determinações da comunidade internacional e aceitam-se como válidas as garantias dadas por países como os E.U.A que, por outro lado, advogam as “guerras preventivas” como forma de resolver os seus diferendos com terceiros. Legitima-se, assim, o recurso à opção nuclear para, como afirmou o presidente francês aquando da visita à base militar de Île Longue (Brest) no passado dia 19 de Janeiro, garantir os “nossos aprovisionamentos estratégicos e a defesa dos países aliados”. Está bem de ver que dificilmente se pode negar ao Irão a legitimidade do desenvolvimento de um programa nuclear com fins militares se simultaneamente se preconiza o uso dessas armas, mas reservada apenas a alguns. A compatibilização de uma estratégia de dissuasão nuclear com a reiteração de uma política activa de não-proliferação do armamento atómico, unanimemente reconhecido como a principal ameaça à paz e à segurança internacionais, torna-se mais do que duvidosa. É que, como disse um antigo ministro dos Negócios Estrangeiros francês Maurice de Murville nos idos de 1964, “Para proibir os outros, é preciso renunciar voluntariamente àquilo que se proíbe” (Le Monde Diplomatique, ed. port., Março de 2006). Assim vai a política internacional.


O que parece certo é que a deriva securitária se reflectirá cada vez mais em todos os aspectos da nossa vida, onde quer que nos encontremos. Basta ver a definição das linhas estratégicas de actuação da Policia Judiciária portuguesa, recentemente apresentadas por Santos Cabral, Director Nacional desta força, em que a prioridade das prioridades vai no sentido do combate ao terrorismo, relegando para plano bem mais modesto – quer nos meios operacionais envolvidos, quer nas verbas dispendidas – o combate à corrupção, ao crime económico e à fraude fiscal. Ninguém duvida que o terrorismo constitui hoje um risco efectivo, potenciado, em larga medida, pela escalada belicista a que nos conduziram as políticas aventureiristas de Washington e Londres, mais preocupados em garantir fontes de abastecimento energético do que em aplacar injustiças e resolver conflitos. Mas o que também me parece inquestionável é que num país onde são sobejamente conhecidos inúmeros casos de compadrio e de corrupção e onde a fuga ao fisco é a regra, estas prioridades são também, no mínimo, surpreendentes. Talvez fosse mais pertinente combater com um acrescido número dos meios policiais disponíveis estes problemas e mobilizar principalmente os esforços políticos e diplomáticos para, por um lado, contribuir empenhadamente para minimizar as causas do fenómeno terrorista e, por outro, rejeitar a lógica neoconservadora do “choque das civilizações”.


Dois outros factos, recentemente vindos a lume, parecem confirmar a actual ordem das coisas e atestar a prioridade securitária existente. Depois de dois adiamentos, o Congresso americano acabou por aprovar, nos inícios de Março, a renovação do Patriot Act. Este pacote legislativo de excepção, criado logo após os atentados de 11 de Setembro de 2001 preconiza, entre outras pérolas, buscas extra-judiciais, violação de correspondência, escutas telefónicas, prisões arbitrárias e o que designa por “provas tangíveis” como registos médicos ou mesmo listas de obras consultadas em bibliotecas. Para quem pretende apresentar-se como a nação-modelo da democracia e da defesa da liberdade contra os fundamentalismos, não está mal! Talvez por isso a juíza Sandra Day O’Connor, que se demitiu o mês passado depois de 24 anos no Supremo Tribunal dos Estados Unidos – nomeada, sublinhe-se, por Ronald Reagan – tenha afirmado, num colóquio de advogados que decorreu na Universidade de Georgetown, em Washington, que os E.U.A se encontram “em perigo de derrapar para uma ditadura” (The Guardian, 13/3/06).


Hugo Fernandez



publicado por albardeiro às 14:35
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2 comentários:
De O Restaurador a 26 de Março de 2006 às 17:56
I Encontro de Blogues em Vila Viçosa

Participe e divulgue! Saiba mais em http://encontrodeblogues.pt.vu/ e no Restaurador da Independência.

Saudações!


De DC a 20 de Março de 2006 às 11:45
Só me ocorre dizer que as leis podem ser definidas como a implementação da vontade dos dominadores. Do império Romano ao Britânico, passando pela época do esclavagismo, feudalismo e colonialismo, os estados e impérios ampliam o escopo da sua soberania estabelecendo sistemas legais para justificar o seu reinado, depois das suas invasões e guerras terem criado o princípio de que “ o poder faz as regras”. Como se sabe, desde o final do século XIX que se tem vivenciado a dominação do imperialismo no mundo. As potências imperialistas distribuíram entre si países do mundo que controlaram através de monopólios. O direito passa a ser novamente a sua ferramenta. A soberania expressa-se pelo direito para controlar os povos do mundo. O mundo de hoje não é diferente do passado. O imperialismo impõe a sua lei arbitrária, agressiva e tirânica sobre os povos dominados usando o seu poder para legitimar o que faz. A “guerra contra o terrorismo” transformou-se no instrumento legítimo do imperialismo dos EUA com o objectivo de atacar e deflagrar as suas “ guerras preventivas” . Referimo-nos a um período de guerra contínuo que poderá durar décadas. Dick Cheney disse que “ podemos interferir em 40 a 50 países”, e, acrescentou, “ as nossas vidas podem não ver o final da guerra”. O mundo todo está agora envolvido numa arena bélica. Em suma, estamos perante uma ordem de direito imperialista que funciona na base do poder, soberania e guerra e que cada vez mais aperta o cerco. Esta ordem divide o mundo em dois : os que obedecem ao imperador e os que não obedecem, os que se opõem a ele ou não, e os outros são definidos como “inimigos” e assim se encontra a erradicação do inimigo legítimo.


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