Albardas e Alforges... nunca vi nada assim! Minto... já vi!
Sexta-feira, 7 de Abril de 2017
TIROS NO PORTA-AVIÕES

A atual União Europeia é, de facto, uma união? Ou, glosando o célebre dito do general prussiano Carl von Clausewitz [“A guerra nada mais é que a continuação da política por outros meios”] não passa de uma “guerra por outros meios”, isto é, um estado de disputa e conflito larvar entre um diretório de nações poderosas e as que, pelo expediente comunitário, se devem submeter, indefetivelmente, aos seus diktats? Cada vez mais parece estarmos a assistir a um “jogo de soma-nula”, em que o benefício de uns é conseguido à custa do prejuízo dos outros. A Europa, pacificada militarmente desde há 70 anos, estará verdadeiramente em paz? As disrupções bélicas que, apesar de tudo, foram surgindo em alguns pontos do continente, a humilhação de povos e nações inteiras (como quando Josef Schlarmann, um dirigente da CDU de Merkel, propôs à Grécia a venda das suas ilhas para pagar a dívida, ou quando o comissário alemão Günther Oettinger sugeriu que os países endividados pusessem as bandeiras nacionais a meia haste!), a guerra económica em curso (a enorme farsa das “dívidas soberanas”) e a crescente desigualdade entre os países comunitários (desde logo a ideia peregrina da Europa a várias velocidades proposta no “Livro Branco da Comissão Europeia sobre o Futuro da UE” do sr. Jean-Claude Juncker), não serão sinais suficientemente claros de que a paz que existe não passa de uma paz podre?

Os sinais de degenerescência de uma Europa unida nos moldes que hoje se apresentam são inúmeros. Vejamos três exemplos. De acordo com o relatório de avaliação pós-ajustamento da missão de vigilância da Comissão Europeia a Portugal, “Alguns passos implementados e/ou acordados durante o programa de ajustamento foram revertidos ou alterados”, alegando-se que “As reformas orçamentais-estruturais estão a progredir a um ritmo lento, com atrasos e algumas inversões de medidas passadas.” (Diário de Notícias, 28/3/2017). Replicando a argumentação dos anteriores governantes do PSD-CDS, esta missão europeia elenca uma série de medidas que considera censuráveis, como o fim da descida do IRC e o alívio no IRS, a eliminação gradual da sobretaxa, a reversão dos cortes salariais na função pública, o fim das 40 horas de trabalho semanal e dos despedimentos previstos no sistema da requalificação, bem como a decisão do atual Governo de pôr fim às privatizações da TAP e das subconcessões dos transportes de Lisboa e Porto. Medidas que, recorde-se, tiveram como resultado o mais baixo défice orçamental da democracia portuguesa e de muitos dos nossos congéneres europeus (2,06%), muito abaixo da meta de 3% exigida pelas regras do chamado Pacto de Estabilidade. Qual o critério, então, para contestar as iniciativas tomadas pelo Executivo português? As críticas formuladas só podem ter um critério; o do compadrio político-ideológico neoliberal e do indisfarçável desagrado pela solução governativa de esquerda que foi possível implementar no nosso país – mesmo cumprindo cabalmente os ditames de Bruxelas.

Também o ministro das Finanças alemão, Wolfgang Schäuble advertiu Portugal para a necessidade de pedir um novo resgate. "Certifiquem-se de que não precisam de resgate", disse o ministro alemão numa conferência de imprensa em Berlim, citado pela agência financeira Bloomberg, acrescentando que a pressão imposta pelos planos de resgate "funcionou bem" e estes “ajudaram os países a regressar ao crescimento e às finanças públicas sólidas” (Diário de Notícias, 16/3/2017). Para além da comprovada falsidade deste postulado, a que propósito vem isto agora? Que razões existem no desempenho económico português que justifiquem semelhante aviso? Ou estaremos antes perante a pura e simples cumplicidade partidária do PPE para com os seus correligionários do PSD, no repúdio ao Governo de António Costa? Ou, pior ainda, perante a necessidade da perpetuação de um esquema usurário que assegure a supremacia germânica? É assim que funciona a proclamada solidariedade europeia? No comentário da jornalista Teresa de Sousa sobre o ministro alemão, não há dúvida que “A sua capacidade para criar eurocéticos é verdadeiramente inigualável.” (Público, 19/3/2017).

15 DE MARÇO DE 2017  14:13

Lusa

Por último, a cereja no topo do bolo. As declarações alarves de Jeroen Dijsselbloem em entrevista ao jornal germânico Frankfurter Allgemeine Zeitung onde, referindo-se à solidariedade dos países do norte da Europa para com os do sul, se saiu com esta pérola: “não posso gastar o meu dinheiro todo em bebida e mulheres e depois disso ir pedir a vossa ajuda”, sublinhando, para que não restassem quaisquer dúvidas, que “Este princípio vale para o nível pessoal, local, nacional e também europeu” (Público, 22/3/2017). O que é mais grave não é a conversa de taberna (lá está, a bebida!), a xenofobia soez (os “malandros do sul”) e o evidente sexismo misógino (a redução das mulheres a meras mercadorias destinadas a satisfazer a folia masculina, imagem própria da mais refinada cepa do puritanismo calvinista) de um holandês imbecil, embora, só por si, estas afirmações mereçam imediata repulsa por parte de alguém minimamente decente. O que é grave é que o autor destas boçalidades seja o presidente do Eurogrupo, isto é, o líder do conjunto dos ministros das Finanças dos 19 países da União Europeia que adotaram a moeda única, e tenha sido nessa qualidade que se pronunciou. E mais grave ainda é o facto da corrente dominante dos eurocratas pensar exatamente da mesma maneira – tendo, no entanto, a suficiente inteligência para não se exprimir nestes termos – e acreditar nas virtudes punitivas das políticas austeritárias como o caminho necessário para a redenção dos supostos pecadores meridionais.  Perante as subsequentes reações de indignação, não só Dijsselbloem não se retratou, como reafirmou tudo o que tinha dito. Que ressentimentos e ódios afirmações como estas podem despoletar? Que União é esta que não afasta imediatamente este indivíduo de um dos principais cargos governativos europeus? A quem interessa este estado de coisas? Não é por acaso que os ministros das Finanças de França, Michel Sapin, Alemanha, Wolfgang Schäuble e Áustria, Jörg Schelling se apressaram a recordar que o mandato do holandês à frente do Eurogrupo termina apenas em 2018. Não será isto precisamente o contrário do espírito de cooperação e respeito mútuo que esteve na origem do empreendimento comunitário? Com indivíduos como este, a UE não precisa, certamente de inimigos. Como diz Francisco Louçã a propósito das comemorações dos 60 anos do Tratado de Roma, na capital italiana, “Em Roma já não sobra nada”, acrescentando, “Dijsselbloem parece ser tudo o que a União Europeia tinha para dar.” (Público, 25/3/2017).

Por isso, fazemos nossas as eloquentes palavras de Viriato Soromenho-Marques: “Um dos problemas europeus, sem remédio aparente, é o défice de competência política e o excesso de cabotinismo que reina no fervilhar das chancelarias.” (Diário de Notícias, 22/3/2017).

Hugo Fernandez



publicado por albardeiro às 18:20
link do post | comentar | favorito (1)

pesquisar
 
Fevereiro 2024
Dom
Seg
Ter
Qua
Qui
Sex
Sab

1
2
3

4
5
6
7
8
9
10

12
13
14
15
16
17

18
19
21
22
23
24

25
26
27
28
29


posts recentes

Seminário em Alenquer - A...

O MOMENTO DA VERDADE (em ...

ROLO COMPRESSOR

Reflexão sobre o artigo d...

AS PERGUNTAS

Valorizar os servidores d...

MÍNIMOS

Como será a educação daqu...

EXCESSIVO

DEMOCRACIA

arquivos

Fevereiro 2024

Janeiro 2024

Outubro 2023

Julho 2023

Junho 2023

Abril 2023

Março 2023

Fevereiro 2023

Dezembro 2022

Novembro 2022

Outubro 2022

Setembro 2022

Junho 2022

Maio 2022

Abril 2022

Março 2022

Janeiro 2022

Dezembro 2021

Novembro 2021

Outubro 2021

Agosto 2021

Julho 2021

Junho 2021

Abril 2021

Março 2021

Fevereiro 2021

Janeiro 2021

Dezembro 2020

Outubro 2020

Julho 2020

Junho 2020

Abril 2020

Fevereiro 2020

Janeiro 2020

Novembro 2019

Outubro 2019

Setembro 2019

Junho 2019

Maio 2019

Abril 2019

Março 2019

Janeiro 2019

Novembro 2018

Setembro 2018

Julho 2018

Maio 2018

Abril 2018

Fevereiro 2018

Janeiro 2018

Dezembro 2017

Novembro 2017

Outubro 2017

Setembro 2017

Julho 2017

Junho 2017

Maio 2017

Abril 2017

Março 2017

Fevereiro 2017

Janeiro 2017

Dezembro 2016

Novembro 2016

Outubro 2016

Setembro 2016

Agosto 2016

Julho 2016

Junho 2016

Maio 2016

Abril 2016

Março 2016

Janeiro 2016

Novembro 2015

Outubro 2015

Setembro 2015

Agosto 2015

Julho 2015

Maio 2015

Abril 2015

Março 2015

Fevereiro 2015

Janeiro 2015

Dezembro 2014

Outubro 2014

Setembro 2014

Agosto 2014

Julho 2014

Maio 2014

Abril 2014

Março 2014

Fevereiro 2014

Janeiro 2014

Dezembro 2013

Novembro 2013

Outubro 2013

Setembro 2013

Agosto 2013

Julho 2013

Junho 2013

Maio 2013

Abril 2013

Março 2013

Fevereiro 2013

Janeiro 2013

Dezembro 2012

Novembro 2012

Outubro 2012

Setembro 2012

Julho 2012

Junho 2012

Maio 2012

Abril 2012

Março 2012

Fevereiro 2012

Janeiro 2012

Dezembro 2011

Novembro 2011

Outubro 2011

Setembro 2011

Agosto 2011

Julho 2011

Junho 2011

Maio 2011

Abril 2011

Março 2011

Fevereiro 2011

Janeiro 2011

Dezembro 2010

Novembro 2010

Outubro 2010

Setembro 2010

Agosto 2010

Julho 2010

Junho 2010

Abril 2010

Fevereiro 2010

Janeiro 2010

Dezembro 2009

Novembro 2009

Setembro 2009

Agosto 2009

Julho 2009

Junho 2009

Março 2009

Fevereiro 2009

Janeiro 2009

Dezembro 2008

Novembro 2008

Setembro 2008

Julho 2008

Junho 2008

Abril 2008

Março 2008

Fevereiro 2008

Janeiro 2008

Julho 2007

Junho 2007

Maio 2007

Abril 2007

Fevereiro 2007

Janeiro 2007

Novembro 2006

Outubro 2006

Setembro 2006

Agosto 2006

Julho 2006

Junho 2006

Maio 2006

Abril 2006

Março 2006

Fevereiro 2006

Janeiro 2006

Dezembro 2005

Novembro 2005

Outubro 2005

Setembro 2005

Julho 2005

Junho 2005

Maio 2005

Abril 2005

Março 2005

Fevereiro 2005

Janeiro 2005

Dezembro 2004

Novembro 2004

Outubro 2004

Setembro 2004

Agosto 2004

Julho 2004

Junho 2004

Maio 2004

Abril 2004

Março 2004

blogs SAPO
subscrever feeds
Em destaque no SAPO Blogs
pub