Parte IV
Geopolítica: Os Estados Unidos, por sua culpa, encaixaram uma série de importantes reveses no quadro da ONU. Em Março de 2001, imagine-se, foram expulsos da Comissão de Direitos Humanos, por terem votado sistematicamente contra todas as resoluções aprovadas por aquela instituição, desde 1948. Em Junho do mesmo ano, a Conferência de Bona aprovou o Protocolo de Kyoto, por 178 votos contra um (Estados Unidos). Em seguida, os Estados Unidos foram levados a retirar-se da Conferência contra o Racismo, de Durban, juntamente (com quem?) com Israel.
Claro, como se viu no caso da invasão do Iraque, Bush deu o troco (só que o dito é mau de contas... e pagamos todos). Na prática, a arrogância imperialista dos Estados Unidos destruiu a ONU. Todas as medidas anunciadas por Washington após o 11 de Setembro passaram à margem e ao largo daquela instituição. Claro, que isso já tinha acontecido, em certa medida, durante a guerra do Kosovo (quando as iniciativas foram tomadas no quadro da NATO). Mas, depois e agora, todas as máscaras caíram, definitivamente. O Tio Sam não atribuiu nenhuma legitimidade à organização (até quando? Ou o modelo está esgotado? É urgente outra ONU).
Isso está a ser especialmente perigoso quando se considera que, com a operação militar actualmente em marcha, a Casa Branca tem um objectivo estratégico bastante preciso: lançar sólidas bases que lhe permitam controlar total ou parcialmente a Eurásia, região considerada absolutamente "estratégica", no século 21, pelo establishment intelectual americano. Só que, para realizar esse plano, os Estados Unidos ainda têm de criar um "cordão sanitário" em torno da Rússia. Esses objectivos já foram anunciados em 1992, quando o Pentágono aprovou uma resolução, intitulada Defense Planning Guidance (Guia de Planeamento de Defesa), alguns trechos foram publicados no jornal The New York Times (de 3 de agosto de 1992). No fundamental, o documento estabelece como um dos objectivos centrais do governo de Washington "neutralizar" e "impedir o renascimento" da rival Rússia. Na prática, tinha como uma das conseqüências imediatas "ampliar a presença" dos Estados Unidos nos países que faziam parte da União Soviética, assim como nos Bálcãs e no antigo Leste europeu.
Essa perspectiva foi também defendida por Zbigniew Brzezinski, ex-chefe do Conselho de Segurança Nacional dos Estados Unidos e um de seus mais influentes estrategistas. Brzezinski explicita (va) três razões principais para "neutralizar" a Rússia: é o país que liga a Europa à Ásia, é dona de vastos recursos naturais (ainda mais, se contarmos com os países sob a sua influência) e, sendo altamente instável do ponto de vista político, pode permitir que novos movimentos "comunistas" ou nacionalistas tomem o poder, assim como provar-se incapaz de conter a "expansão islâmica".
A "conquista da Eurásia" é a pedra angular da sua estratégia. "Cerca de 75 por cento da população mundial vive na Eurásia, que possui a maior parte dos recursos naturais do planeta... Ali estão 60 por cento do PIB do planeta e cerca de 75 por cento das suas reservas conhecidas de energia... Depois dos Estados Unidos, as outras seis maiores economias e os seis maiores investidores em armas estão localizados na Eurásia. Todos os poderes nucleares, excepto um, estão ali localizados" (Zbigniew Brzezinski, The Grand Chessboard: American Primacy and its Geostrategic Imperatives, Basic Books, Nova York, 1997).
Não há dúvida, portanto, de que a presença militar na Ásia Central não corresponde, em hipótese alguma, a uma "reacção ao terrorismo". É o resultado de uma estratégia de longo alcance, muito bem pensada, que lança mão do pretexto e que se colocou em marcha. Daí também a fabricação do "fanatismo islâmico". O "combate ao Islão" tem como real justificativa o solo geopolítico sobre o qual ele se desenvolve.
Continua...